Professor de teologia alertou que diálogo inter-religioso iria requerer fim do proselitismo adventista

Em 25 de março de 2012, quando ainda assinava seus textos com o nome completo (Adenilton Tavares de Aguiar), Nilton Aguiar, atualmente Mestre em Ciências da Religião, professor de grego e Novo Testamento na Faculdade Adventista da Bahia e doutorando em Novo Testamento na Universidade Andrews (EUA), no artigo “O diálogo inter-religioso e o lugar da IASD”, publicado pela Revista Kerygma v. 8 n. 1 (2012), concluiu que:

 

O pluralismo religioso toma por pressuposto que todas as religiões são verdadeiras e igualmente válidas, exigindo que cada tradição abandone o proselitismo em prol de um bem comum maior. Os adventistas, por outro lado, não compactuam com essa sugestão ecumênica por possuir uma mensagem específica destinada “a toda nação, tribo, língua e povo” (Ap 14:6). Participar dos critérios exigidos no diálogo inter-religioso é abrir mão da razão da sua existência e dar vazão à contrafação satânica que ameaça a igreja nos últimos dias (Ap 13-16). A dura mensagem, porém, não possui teor de intransigência ou estreiteza, mas um convite à consideração sincera das verdades bíblicas.

Embora contenha referências à doutrina antibíblica da Trindade, da qual discordamos, republicamos abaixo o último e mais importante trecho do artigo em que o teólogoa adventista fala de sua preocupação com o risco de a Igreja Adventista do Sétimo Dia vir a ser enredada pela proposta de ecumenismo ou diálogo inter-religioso que requeira o fim do proselitismo como condição para o reconhecimento da denominação como um grupo cristão respeitável.

O lugar da IASD no debate inter-religioso

Uma série de artigos de Hélio Grellmann, publicados pela Revista Adventista em 1988, chamou a atenção para o fato de que o surgimento do marxismo, do espiritismo moderno e do evolucionismo coincide com o início do adventismo. Ele argumenta que enquanto o movimento adventista aparecia no cenário para resgatar verdades bíblicas esquecidas, tais sistemas de pensamento apontavam um caminho independente de Deus (apud BORGES, 2005, p. 15-16).

Michelson Borges (2005) acrescenta o fato de que a publicação de o O Manifesto Comunista, de Karl Marx, em 1848, acontece apenas quatro anos após o desapontamento de 1844; a publicação de O livro dos espíritos, de Allan Kardec, em 1857, e A origem das espécies, de Darwin, em 1859, acontece, respectivamente, apenas seis e quatro anos antes da organização da IASD.

Conforme já mencionado anteriormente, para o teólogo John Hick, o
pluralismo religioso é um “filho” do Iluminismo europeu dos séculos XVII e XVIII. Esse foi um período de grandes despertamentos religiosos e um aumento pelo interesse no estudo das profecias.

Diversos estudiosos da época publicam suas pesquisas sobre escatologia bíblica: Joseph Mede (1586-1638) publica Chave do Apocalipse; Campegius Vitringa (1659-1722) publica Uma exposição do Apocalipse do apóstolo João; Johann Wilhelm Petersen publica, em 1692, A verdade do glorioso reino de Jesus Cristo, o qual deve ser aguardado ao soar da sétima trombeta; Johann Albrecht Bengel (1687-1752) publica Sessenta discursos práticos sobre o Apocalipse; Isaac Newton (1643-1727) publica As profecias de Daniel e Apocalipse; Manuel de Lacunza (1731-1801) publica La venida del Mesías em gloria y majestad, para mencionar apenas alguns.

Esse período também assiste ao despertar do movimento millerita, o
qual culminaria com o grande desapontamento em 1844 e o surgimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia (ver TIMM, 1988). Desse modo, acrescente-se ao marxismo, ao evolucionismo e ao espiritismo moderno, o Iluminismo europeu e o incipiente pluralismo religioso.

Coincidentemente, essas linhas de pensamento entram no cenário mundial num momento em que o cenário religioso, no que se refere ao interesse pelas profecias bíblicas, oferece as condições para o nascimento da IASD.

Tendo em vista que um dos principais pressupostos do pluralismo religioso é a crença segundo a qual todas as tradições religiosas são igualmente válidas e verdadeiras e que todas configuram um caminho possível para Deus, para que haja um diálogo, de fato é necessário que se busquem critérios de unidade, em função do qual, para alguns pluralistas cristãos, a exemplo de Claude Geffré e John Hick, o cristianismo precisa não apenas tomar iniciativa em tal diálogo, mas também reinterpretar suas crenças. Nessa reinterpretação, a doutrina de Deus é diretamente afetada. Não apenas coloca-se em dúvida o valor da divindade de Cristo e do Espírito Santo, mas a crença em um Deus Trino entra em colapso.

Uma recapitulação de algumas ideias desses dois autores deixará claro esse ponto:

  • Todas as religiões são verdadeiras e igualmente válidas;
  • Jesus é apenas um caminho para Deus;
  • Se o cristianismo pode dialogar com outras religiões é porque ele entende suas próprias limitações;
  • Talvez o pluralismo seja um desejo secreto de Deus;
  • Conceitos religiosos como divindade e trindade variam de cultura para cultura;
  • A encarnação divina é uma ideia metafórica;
  • Se todas as religiões são válidas e verdadeiras, não há lugar para proselitismo.

Primeiramente, comente-se o fato de que a IASD compreende que
possui uma mensagem para pregar a toda nação, tribo, língua e povo (Ap 14:6); que um convite é feito para que as pessoas abandonem o falso sistema de adoração (Ap 18:4) e se unam ao remanescente (Ap 12:17). Assim, para a IASD, proselitismo (no sentido missiológico-cognitivo) constitui uma questão ontológica, a razão de ser.

Duas crenças comentadas por Ellen G. White — a imortalidade da
alma e a santidade do domingo — atingem o centro de duas doutrinas defendidas pela IASD, ou seja, o juízo investigativo pré-advento e o sábado, as quais estão intimamente relacionadas com o ministério de Cristo no santuário celestial e a obra do Espírito Santo na Terra, culminando com o selamento do povo de Deus antes da segunda vinda de Cristo.

O cristianismo é a única religião que afirma ter na posição de mediador um ser que é plenamente Deus. Nas religiões indígenas, a mediação se dá pelos espíritos; nas religiões orientais, pelos ritos, sacrifícios e meditações, embora haja uma correspondência forte com o espiritismo através da ideia de reencarnação; nas religiões de matriz africana, pelos orixás. O cristianismo, porém, afirma que Jesus é o mediador entre Deus e os seres humanos.

Não obstante, se por um lado o catolicismo romano junta ao ministério de Cristo a intercessão de Maria e dos santos (MAXWELL, m 2006, p. 173-181), do outro, o protestantismo deixa de dar relevância para a profecia que apontava para o ministério de Cristo no lugar santíssimo do santuário celestial (Dn 8:14).

Ellen G. White (1991, p. 254), falando a respeito do ministério de Jesus no santuário celestial, comenta que o terceiro anjo encerra sua mensagem assim: “Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Ap 14:12). Ao dizer ele estas palavras, aponta para o santuário celeste.
A mente de todos os que abraçam esta mensagem, é dirigida ao lugar santíssimo. […] pela rejeição das duas primeiras mensagens, ficavam com o entendimento tão entenebrecido que não podiam ver qualquer luz na mensagem do terceiro anjo, que mostra o caminho para o lugar santíssimo. Vi que assim como os judeus crucificaram a Jesus, as igrejas nominais haviam crucificado essas mensagens,
e por isso mesmo não têm conhecimento do caminho para o santíssimo, e não podem ser beneficiadas pela intercessão de Jesus ali (WHITE, 1991, p. 260-261, grifo nosso).

De fato, a Bíblia não apenas aponta para o ministério de Jesus no lugar santíssimo do santuário celestial como também alega a divindade plena de Cristo. O autor de Hebreus, por exemplo, abre seu livro apresentando provas a respeito da plena divindade de Jesus. Johnsson (1992, v. 7, p. 21) conclui que “porque Cristo é totalmente Deus (Hb 1:5-14) e totalmente homem (Hb 2:6-26), Ele pode tornar-se nosso sumo sacerdote”. A doutrina do santuário, portanto, coloca Cristo exatamente na posição em que Ele está: na posição de [Filho de] Deus, que intercede pela raça humana.

Anteriormente, observamos que o “falso profeta” de Apocalipse 16 e
a besta que subiu da terra de Apocalipse 13 são designações diferentes do mesmo poder apresentado pelo apóstolo João como uma contrafação do Espírito Santo. Enquanto o Espírito Santo age no final dos tempos realizando uma obra de selamento dos crentes (2Co 1:22; Ef 1:13; 4:30), a besta aplica uma marca na mão. Para Maxwell (2006), essa marca “é intencional e inteligível, uma aprovação no tempo do fim da coercitiva observância do domingo em oposição à clara luz sobre a questão do sábado e em harmonia
com o catolicismo clássico romano”.

Ellen G. White (1985, v. 2, p. 318-319) afirma que quando a nação
americana “renunciar os princípios de seu governo de tal forma que vote uma lei dominical, nesse próprio ato o protestantismo dará a mão ao papado”. Percebe-se que o domingo está se tornando um ponto de intersecção religiosa.

A IASD, por sua vez, entra no cenário religioso mundial com a proclamação das três mensagens e o santuário, fatores que integram um grupo de verdades há muito negligenciadas: a perpetuidade da lei, o sábado, o ministério celestial de Cristo, a segunda vinda de Cristo, a imortalidade condicional da alma, o dom profético, o remanescente, o conflito cósmico (TIMM, 2009), sem esquecer o pensamento inspirado de que “Cristo crucificado como a expiação pelo pecado é a grande verdade central do evangelho, em torno da qual todas as verdades giram. Dessa grande verdade todas as outras verdades são tributárias” (WHITE, 1983, p. 79).

Considerações finais

O pluralismo religioso pressupõe que todas as religiões são verdadeiras e igualmente válidas, fazendo-se necessário que cada tradição supere seus fundamentalismos em favor de um bem maior comum a todas as tradições.

Como diria o teólogo espanhol José María Vigil, é preciso aprofundar a consciência de que as religiões precisam se unir e trabalhar juntas objetivando a paz mundial e melhores condições de vida no planeta (SBARDELOTTO, 2011).

À luz desse pressuposto, chega-se a afirmar a necessidade de que o
cristianismo reinterprete algumas de suas crenças fundamentais, a exemplo da divindade de Cristo, a fim de que o diálogo entre as religiões se torne algo tangível. A consequência disso é uma relativização das verdades bíblicas e uma redução da Bíblia a um texto sagrado no mesmo nível dos textos sagrados de outras religiões, o que as mantêm na posição em que estão sem que sintam a necessidade de receber luz adicional. Jesus Cristo deixa de ser o único mediador entre Deus e os seres humanos (1Tm 2:5) e o único caminho para o Pai (Jo 14:6).

Vigil foi o responsável pela Comissão Teológica da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo) na América Latina. Dentre seus livros, destaca-se Teologia do pluralismo religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo, publicado pela Paulus, em 2006. Além de teólogo, é psicólogo e educador.

A IASD não compactua com essa linha de pensamento. Ela acredita
que possui uma mensagem para pregar a toda nação, tribo, língua e povo (Ap 14). Participar efetivamente do diálogo inter-religioso significa abrir mão da razão de sua existência. Isto, porém, não significa, em hipótese alguma, que os adventistas devem ilhar-se. Eles podem e devem estar abertos ao contato até o limite que lhes seja possível, ou seja, sem aderir aos pressupostos que tornam viável o debate atual entre as religiões.

Para finalizar, comente-se que em um mundo plural, a hermenêutica
adventista pode, de fato, soar como estreiteza e intransigência, sobretudo no que se refere às entidades de quem as bestas de Apocalipse 13 são símbolos.

A essa questão, William Johnsson (1992) responde convidando-nos a refletir sobre três fatores:

1) nós fazemos diferenciação entre indivíduos e sistemas;

2) se a interpretação parece “dura”, devemos lembrar-nos de que reformadores protestantes estavam persuadidos de sua validade;

3) precisamos de uma visão geral da história; uma visão que seja capaz de manter unido o movimento impetuoso dos eventos dos dias dos escritores bíblicos aos nossos dias; uma visão que não seja distorcida por nosso próprio tempo.

Fonte: https://revistas.unasp.edu.br/kerygma/article/view/117/116

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

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