Sobrevivencialismo: mais do que um conceito

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Com os recentes acontecimentos do ES (e, ao que tudo indica, estão iniciando-se no RJ também), o “assunto” Sobrevivencialismo veio a tona em muitos lugares. Contudo, ao contrário da opinião da maioria, Sobrevivencialismo não é sinônimo de apocalipse. Se você pensa que este é um conceito usado apenas em caso de extrema urgência, onde não há mais recursos e onde lutar pela própria vida é a única coisa que importa, não poderia estar mais equivocado. Na matéria de hoje, vamos mostrar o porquê, além de listar algumas atitudes que podemos tomar para tornar este conceito menos abstrato e mais prático.

É evidente que gostamos muito dos confortos da vida moderna. Água encanada, luz elétrica ilimitada, internet, telefone celular, comida sempre à mão etc. Mas… realmente precisamos depender exclusivamente disso? Certamente que não. O conceito do sobrevivencialismo (como descrevemos com detalhes no nosso E-book) foi criado nos anos 70 pelos americanos, porém, é praticado desde o inicio da civilização (regidos pelo instinto de auto preservação). A revolução industrial (e a consequente evolução nas infraestruturas metropolitanas) deixou a população mais “acomodada” e, principalmente após os anos conturbados de conflitos mundiais no século XX, entramos em uma “maré de conveniência” nunca antes vista. Contudo, não estamos livres de sermos obrigados a passar novamente pela necessidade de precisarmos lutar pela nossa autossuficiência e dependermos exclusivamente do nosso instinto de auto preservação (cá entre nós, do jeito como as coisas andam no mundo, isso pode acontecer muito antes do que pensamos). Portanto, nada mais justo do que seguirmos os passos dos nossos antepassados, para conseguirmos superar o futuro, não é mesmo?

Listando nossas necessidades primárias, chegamos a três tópicos: água, alimentação e energia elétrica. Os quesitos “segurança” e “saúde”, por serem demasiados extensos, complexos e delicados, serão tratados em outra publicação exclusiva para eles.

Água

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Vamos refazer a primeira questão de reflexão do nosso E-book: “O que você faria se um dia a sua televisão anunciasse que não haveria mais água na sua região pelos próximos dois meses”? A água é indispensável para tudo, desde a subsistência (sem água o corpo humano dura cerca de 3 dias) até a agricultura ou criação de animais. Portanto, é algo totalmente prioritário ao ser humano, então, será nosso primeiro tópico a ser tratado.

A primeira e mais óbvia medida a ser tomada é evitar desperdícios. No banho, ao lavar o carro, lavando roupas, etc. Contudo, para fugirmos da dependência do sistema, podemos construir, por exemplo, uma cisterna ou um poço artesiano. Além disso, o reúso da água consumida é também uma excelente ideia. vamos por partes:

Reúso da água: É de fácil implementação e, salvo o investimento dos materiais para adaptação, é inteiramente grátis. É, a bem da verdade, um meio de economia de água, uma vez que ainda dependeria de outro meio de abastecimento. O reúso pode ser feito, por exemplo, ao armazenar  a água usada na pia do banheiro ou no chuveiro para usar na descarga da privada, ou ao usar a água usada pela lavadora de roupas para lavar o carro. Essas medidas podem representar, em uma família de 4 pessoas, uma economia média de 6m³ (6 mil litros) de água mensais. Evidentemente, o uso deste tipo de água (chamado “água cinza”) não pode ser estendido à irrigação de plantas, por conter muitos resíduos de sabão e outros contaminantes, além de exigir uma manutenção periódica (adição de cloro e limpeza do reservatório), mas ainda assim o esforço vale muito a pena.

Cisterna: Um cano acoplado na calha do telhado, que conduz a água da chuva para um reservatório, permitindo diversos usos. Resumidamente, esta é a descrição de uma cisterna. Nas regiões mais áridas do Brasil, onde uma curta estação de chuvas intercala-se com um extenso período de seca, as cisternas são imensamente comuns, porém podem (e deveriam) ser usadas por todos, uma vez que são de fácil produção e geram resultados muito bons. Comparativamente, podemos usar a água armazenada na cisterna para todos os fins que se aplica a água de reúso, além de podermos empregá-la perfeitamente para a irrigação e até mesmo (com tratamento, cloramento e armazenamento adequados, evidentemente) até para consumo humano. Uma desvantagem deste sistema é que ele depende de um fenômeno meteorológico (chuva) para dar resultado, mas como método alternativo ou complementar de obtenção de água, ele é interessantíssimo.

Poço artesiano: O mais complicado dos métodos alternativos de obtenção de água, o poço é uma “via-de-mão-dupla”: Por um lado, o estoque vitalício de água está garantido, porém é caro, inseguro em ambiente urbano (por causa da proximidade da rede de esgotos, que pode contaminar o solo e consequentemente o lençol freático) e, para completar, temos que ter autorização dos órgãos de proteção ambiental e pagar impostos e taxas para te-lo (a legislação – e os valores – mudam, mas em geral existe taxação). Contudo, para propriedades rurais ou mais isoladas, é uma excelente fonte de abastecimento.

Alimentação

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A segunda necessidade principal humana é, sem a menor sombra de dúvidas, a alimentação. No orçamento mensal, em torno de 40% dos gastos vão nesse segmento. Além disso, em qualquer estado de crise mais agravada, certamente seria um dos primeiros itens que ficaria escasso. Dentro deste quesito, sugerimos a concepção e cultivo de uma horta que, por menor que seja, sempre irá representar um complemento de nutrientes indispensáveis à dieta humana (e também porque é muito bom ter uma saladinha sempre fresca para o almoço, não é mesmo?). Podemos sugerir também a produção de conservas caseiras, assim como a conservação de carnes, que também é uma excelente ideia. Como alternativa às conservas artesanais, citaremos o estoque de enlatados. Assim como no item anterior, tratemos os tópicos isoladamente:

Horta: Por poder ser iniciada absolutamente em qualquer lugar (e com praticamente qualquer espaço), as hortas são, essencialmente, a fonte mais fácil e mais barata de produção de alimentos. No canal Sobrevivencialismo, mostramos como fazer uma horta hidropônica vertical usando canos de PVC (confira a parte 1 e a  parte 2 do vídeo tutorial). Esta é uma excelente alternativa para quem não dispõe de um espaço de terra ideal ao plantio. Também ensinamos a fazer uma horta suspensa (clique aqui para conferir). Ambas são muito indicadas para o cultivo de hortaliças (alface e rúcula, por exemplo), temperos (salsa, alho, coentro, pimenta) e até mesmo alguns legumes de pequeno porte (tomates, abobrinhas, etc). Quem possui um pouco mais de espaço, o recomendável é efetuar o cultivo em vasos grandes ou no próprio solo. Estas modalidades requerem um pouco mais de cuidados (adubação, hidratação, limpeza do terreno, combate a pragas, etc), em contrapartida, pode-se efetuar o plantio de espécimes maiores (milho, batatas ou até mesmo algumas árvores frutíferas podem tranquilamente ser cultivadas). Com muito pouco investimento e cuidados básicos, uma pequena horta pode garantir um apoio muito grande para a alimentação de toda a família. Claro que o resultado não aparece do dia para a noite (dependendo do que for plantado, pode demorar um bocado até aparecer algum retorno), mas acompanhar o crescimento e o desenvolvimento de algo criado por você é uma experiencia inigualável.

Conservação de grãos, vegetais e carnes: Da escala do mais simples ao mais complexo, é exatamente esta a ordem: Grãos, vegetais e carnes. Um dos métodos mais eficazes, seguros e garantidos de conservarmos grãos é guardando-os em garrafas PET (já ensinamos a técnica no canal, confira aqui). Conforme o vídeo, o prazo de garantia da conservação é de até quatro anos, representando um prazo cerca de 400% maior do que a embalagem tradicional. Além de proteger o alimento de fungos, ratos, insetos e umidade, a técnica ainda usa um meio de reaproveitamento de embalagens que, de outra forma, parariam em depósitos de lixo. Assim, contribuímos para a preservação da natureza e garantimos nosso sustento (só vantagens!). A conservação de frutas e legumes são um pouco mais complexas de fazer, uma vez que exige cozimento, resfriamento, pasteurização e vácuo. Porém, o resultado é muito bom. A conservação de carne, por fim, exige espaço, tempo e a “receita” certa para cada resultado. Para produzir a Carne de sol (típica no nordeste), por exemplo, basta carne e sal; já o charque (típico do Rio Grande do Sul) exige, além dos dois primeiros ingredientes, que a carne contenha uma manta de gordura e um tempo de secagem ao sol. Além desses dois exemplos, podemos citar também como exemplos a carne seca (também conhecido como jabá, típica do Norte e do Nordeste Brasileiro), a carne curada (que utiliza como conservante o “sal de cura” (basicamente Nitrato de sódio), os “Sneaks” de carne (tipica carne seca americana), entre outras. Existe uma série de ingredientes, formas e processos, mas o principio é basicamente o mesmo: A conservação através de desidratação. Para aprender, podemos conferir inúmeros tutoriais no Youtube que ensinam as técnicas para a produção de conservas de todos os tipos, porém, a eficácia e o sucesso do experimento depende exclusivamente de você e dos cuidados com higiene e limpeza que serão dispendidos.

Estoque de enlatados: A primeira iniciativa que levou a criação de comidas enlatadas foi feita em 1809 para levar comida para a frente de batalha durante as Guerras Napoleônicas. De lá para cá, os processos de produção foram aperfeiçoados, aumentando a vida útil das latas e o tempo de validade dos conteúdos. Aos que não possuem muita habilidade para a produção das conservas de carne ou vegetais, ou estão simplesmente buscando uma forma rápida de guardar comida pronta para o consumo, os enlatados são opções prontas e “seguras” para sua despensa (alguns enlatados podem servir até como lamparina ou um fogareiro em caso de emergência). Falando-se em despensa, se você possui um espaço pequeno ou que não suporte muito peso, esqueça. Um estoque de enlatados representa um grande volume e peso. Uma alternativa mais leve e menos volumosa seriam os alimentos liofilizados, porém estes são bastante caros e não muito acessíveis. No canal Sobrevivencialismo, fizemos os reviews da Ração Datrex 2.400 Calorias, da Comida Liofilizada da empresa Sublimar e do Balde de rações de emergência Mountain House.

Evidentemente, não dá para viver saudavelmente apenas com enlatados (o Júlio Lobo tentou passar DOIS dias apenas com enlatados, e já não foi uma boa experiencia (como podemos conferir neste vídeo) devido aos altíssimos níveis de sódio e de conservantes químicos que são usados para preservar os alimentos, mas ainda assim pode servir como um “backup” para uma situação de emergência.

Energia elétrica

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Certamente neste ponto do texto você está me perguntando: “Mas Herrco, energia elétrica não é algo tão vital assim!”. Será mesmo? Pense em todo o leque de recursos que se abre ao possuir uma fonte de energia elétrica independente da rede geral: Sua geladeira, assim como a iluminação, aquecimento e eventuais aparelhos de alarme da sua casa continuarão funcionando mesmo em caso de interrupção do fornecimento. Além disso, você ainda poderá ter acesso a inúmeras tecnologias que, de outro modo, seriam apenas peso morto (em resumo, você terá uma grande vantagem frente aos demais, ponto pra você!). Pensando nisso, inicialmente podemos pensar em adquirir um gerador de energia movido a combustível fóssil (gasolina, Diesel, etc). Das alternativas mais imediatas, esta representa a fonte mais confiável, duradoura e fácil de se conseguir, uma vez que sua manutenção é minima (um gerador pode trabalhar por muitos anos fazendo apenas a limpeza e trocas de filtros necessárias) e por pouco mais de R$1.0000,00 pode-se adquirir um aparelho que suprirá as necessidades mais imediatas perfeitamente. Algumas das principais desvantagens de um gerador deste tipo são o barulho (convenhamos que dormir com um motor ligado não é a melhor das experiencias, mas em caso de emergências, é algo que podemos relevar) e o estoque de combustível necessário para manter o funcionamento da máquina (cabe relembrar que o armazenamento de combustível em casa é ilegal e nada prático – temos um vídeo explicando isso -. Em vista disso, não poderíamos contar com muito mais do que um tanque completo do gerador e mais um galão ou dois de reserva). Outra alternativa, que não possui nenhuma dessas desvantagens, são os painéis solares ou painéis fotovoltaicos. Podemos afirmar com a mais absoluta certeza que, salvo em caso de inverno nuclear, não há possibilidade de faltar o “combustível” necessário para acionar os painéis solares durante o dia todo (por motivos óbvios, à noite não há produção de energia), além de que a manutenção das centrais fotovoltaicas é mínima (uma limpeza periódica e nada muito além disso). Mas nem tudo são flores. O preço deste equipamento ainda é muito caro no Brasil. Ou seja, existem vantagens e desvantagens em ambos os modelos, ficando à critério das condições e das necessidades de cada um.

Por fim, caso você seja um Sobrevivencialista menos exigente, que pretende usar a energia elétrica apenas para acender uma lampada ou carregar as baterias do seu rádio/telefone/assemelhado, você pode obter um motor Stirling (e o melhor de tudo, você pode produzi-lo inteiramente com materiais reciclados, ou seja, energia elétrica totalmente grátis)! O princípio básico de funcionamento de um motor desta espécie é o movimento de um pistão, causado pelo aquecimento do ar (neste vídeo, você pode conferir a explicação completa). A fonte de calor responsável pela ignição pode ser desde uma vela até uma lamparina com óleo ou álcool. É um motor prático, leve e que exige pouquíssimos recursos de manutenção, porém, gera pouca energia (há modelos que geram uma corrente de 12v, mas não muito mais do que isso). Mas, para pequenas necessidades, é mais do que indicado. Um motorzinho desses pode ser a solução na hora de acender uma luz em um acampamento isolado, ou de manter as baterias do seu rádio comunicador sempre carregadas, por exemplo. Estou deixando aqui a playlist com o tutorial passo a passo de como fazer um motor destes.

As formas de depender menos do sistema são muitas e das mais variadas, contudo, o sucesso dos experimentos só depende da nossa resiliência e força de vontade para aprender, praticar e produzir. Finalizo este texto com mais algumas “dicas avulsas” que podem ser um primeiro passo na sua independência do sistema:

  • Aprenda costura: Algo que parece irrelevante, mas que pode facilitar muito a vida. E não me refiro a “um rasgo em sua única peça de roupa durante o inverno em um apocalipse zumbi”. Refiro-me àquele botão da sua camisa que caiu outro dia e você não fazia a minima ideia de como recoloca-lo, ou àquela barra de calça que vive descosturando. Um pedaço de linha e uma agulha não possuem volume algum e podem ser uma “mão na roda” nos pequenos percalços do dia a dia;
  • Use os “Meios de Fortuna”: Expliquei no meu primeiro texto (os dez mandamentos do Sobrevivencialista) o que são os Meios de Fortuna. Proponho aqui um pequeno exercício mental: Absolutamente tudo à sua volta pode ser usado para pelo menos duas funções diferentes, tente identifica-los;
  • Conserte as coisas: Um dos piores hábitos que o mundo globalizado (e o barateamento dos produtos consequente) pôde gerar é o de jogar fora qualquer coisa que apresente o menor dos defeitos. Mais de uma vez recolhi alguma coisa que outra pessoa jogou fora e precisava de uma manutenção mínima (ou as vezes estava apenas precisando ser limpo). Lembre-se, o lixo de uns pode ser o luxo de outros. Não desperdice nada!
  • Busque instrução e orientação dos mais velhos: Sabe aquela vovozinha que tem 98 anos e mora perto da sua casa? Ela já era uma Sobrevivencialista muito antes de você nascer (só nunca usou esta “nomenclatura”). As pessoas nascidas principalmente até a primeira metade do século XX foram criadas acostumadas a reaproveitar, remendar e manter as coisas que possuíam pois, de outro modo, não teriam nada. Ter uma conversa com pessoas mais velhas pode representar um aprendizado imensamente maior que qualquer manual de sobrevivencialismo no mundo pode oferecer. Portanto, quando você visitar o seu avô/avó, pergunte como eles faziam para sobreviver quando ele/ela tinham a dua idade. Garanto que você não se arrependerá nenhum pouco.

Espero ter acrescentado algum aspecto novo à sua experiencia de Sobrevivencialista, Bushcrafter ou preparador. Caso tenha mais alguma dica de como superar a dependência ao sistema, deixe aí nos comentários. Eu fico por aqui. Até a próxima e: estejam preparados!

Para saber mais:

E-books:

Sites:

Polígrafos:

Fonte: https://sobrevivencialismo.com/2017/02/12/sobrevivencialismo-mais-do-que-um-conceito/

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

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