CINQUENTA ANOS DE SILENT SPRING

Artigo de Roberto Berlinck.
Roberto Gomes de Souza Berlinck é professor titular no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Em 1948 Rachel Carson, bióloga marinha, já sabia das consequências potencialmente devastadoras do acúmulo de defensivos agrícolas tóxicos (chamados de “biocidas” por Carson) em animais e plantas. Convencida da importância em tornar público o conhecimento sobre o perigo do acúmulo destas substâncias em plantas e animais, inclusive no homem, Carson procurou colegas para escrever um livro sobre o assunto. Mas não encontrou quem se dispusesse a fazê-lo. Buscou apoio financeiro, mas também teve dificuldade em conseguir. Decidiu, assim, assumir a responsabilidade em escrever e publicar o livro que seria considerado o marco inicial para o surgimento do movimento ambientalista: Silent Spring (“Primavera Silenciosa”), que neste ano completou 50 anos de publicação em 27 de setembro.

No seu livro Rachel Carson retrata um panorama bastante completo e complexo das consequências da utilização indiscriminada de defensivos agrícolas como o DDT, o DDD, o BHC, organofosforados e outros. Assim que foi publicado, seu livro foi também divulgado semanalmente pela revista The New Yorker, na forma de episódios. Embora a revista não tenha publicado a obra completa, nem foi preciso. O livro causou furor entre as empresas químicas e de defensivos agrícolas, como a Monstanto e a Dow Química. Muitos criticaram Carson como sendo uma histérica, que havia escrito um livro sem fundamento algum. A obra dividiu opiniões da sociedade americana, entre aqueles que acreditavam ser absolutamente necessário o uso de defensivos agrícolas tóxicos, e os que pediam a regulamentação severa, e até mesmo o abandono, do uso de vários agrotóxicos extremamente nocivos.

O livro de Carson levanta questionamentos importantes quando aparentemente tudo parecia certo sobre a necessidade em se produzir e utilizar substâncias químicas para melhorar a produção de alimentos, sem saber ou prever as consequências de se fazer uso das mesmas. A autora trabalhou durante 5 anos para escrever o livro, período em que esteve cada vez mais doente, tendo sido vítima de câncer de mama. Carson investiu toda sua energia para tentar esclarecer a sociedade sobre o problema da utilização massiva dos agrotóxicos, sendo extremamente objetiva, com uma persistência exemplar, realizando uma pesquisa extremamente detalhada buscando dar uma visão de longo alcance para sua obra. Sua pesquisa incluiu troca de correspondência diária, por carta, com pesquisadores de todo o mundo. Além de apresentar informações de forma extensa, Carson escreveu seu livro em um estilo pouco comum. Ao invés de ressaltar pontos e argumentos científicos para sustentar uma defesa contra o uso dos defensivos agrícolas tóxicos, apresentou questionamentos, inclusive sobre as evidências, levando o leitor a se envolver com o assunto. Não assumiu uma posição pelo leitor, mas amplificou as incertezas para que o público se envolva, participe e tome suas próprias decisões sobre o assunto. Mostrou, assim, ser uma questionadora extremamente honesta.

Rachel Carson praticamente previu a repercussão de sua obra, uma vez que buscou apoio, juntamente com sua editora Houghton Mifflin, de pesquisadores do assunto que estivessem dispostos a se pronunciar favoravelmente sobre o tema antes que o livro fosse publicado. Contudo, não viveu até que o uso do DDT fosse banido nos EUA em 1972. Seu livro serviu de ponto de partida para a implementação de políticas governamentais dos EUA, como a criação da Environmental Protection Agency em 1970, a publicação do Clean Water Act em 1972 e do Endangered Species Act em 1973. Além disso, em 1966 foi criado o Environmental Defense Fund por membros da sociedade civil, que serviu de ponto de partida para o surgimento do movimento ambientalista.

O livro vendeu mais de 2 milhões de cópias, graças a seu estilo didático e também pela divulgação feita pela The New Yorker. Em 1970, apenas 8 anos após a publicação do Silent Spring, os americanos elegeram a poluição como sendo o principal problema do país, à frente da Guerra do Vietnã e dos Direitos Civis. O sucesso do surgimento do movimento ambientalista se deveu, ao menos em parte, pela participação da população mais simples que vivia nos subúrbios das cidades. Perceberam que o ambiente e seus problemas estavam diretamente relacionados às suas vidas.

Algumas das principais consequências da publicação do Silent Spring:
– A Versicol, produtora do DDT, ameaçou processar tanto a editora do livro de Carson quanto a revista The New Yorker.
– Rachel Carson foi acusada de ser simpatizante do comunismo, por se presumir estar colocando em risco a alimentação do povo norte-americano.
– Carson teve o apoio público de John F. Kennedy, que estabeleceu um comitê nacional para investigar as consequências do uso excessivo de pesticidas.
– O uso do DDT foi banido nos EUA. Porém, com o consentimento que as empresas fabricantes continuassem exportando o produto.
– Carson foi acusada da morte de milhões de pessoas em todo o mundo por causa da malária, que é transmitida por picada de insetos que não podiam ser mais eliminados utilizando-se o DDT.
– Em todo o mundo foram implementadas regulamentações ambientais sobre as atividades industriais que geram resíduos tóxicos.

Após a publicação de Silent Spring o movimento ambientalista ganhou força política, e se expandiu em todo o mundo. Hoje as questões ambientais, que foram o principal tema da ECO-92 no Rio de Janeiro, parecem ter sido deixadas de lado, em decorrência do atual quadro econômico e por questões políticas de importância questionável face às necessidades urgentes da conservação da biodiversidade e das mudanças climáticas que afetam o planeta de maneira cada vez mais preocupante. Rachel Carson, dedicada e engajada como era, não iria gostar nada deste atual panorama.

* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

Jornal da Ciência, JC e-mail 4637, de 05 de dezembro de 2012

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