O texto que reproduzimos abaixo desmascara o criacionismo “meia boca” defendido por Michelson Borges e seus pares na IASD. Um criacionismo tímido, que supõe uma Terra Jovem porém Esférica, porque se diz “bíblico” para os irmãos da Igreja, mas pretende ser “científico” para o público cético ou não religioso, adotando assim um duplo discurso, que se apropria de linguagem dúbia para parecer bíblico e científico ao mesmo tempo. Criacionismo morno, nem frio nem quente, que provoca náuseas.
Não pode existir um criacionismo bíblico defensor da Terra Jovem, que também não seja geocentrista e terraplanista, por ser essa a cosmovisão bíblica. Se os dias da criação foram dias literais de 24 horas, também deve ser literalilzado o modelo plano da Terra criada em três “andares” (abismo,terra e céus), segundo o relato de Gênesis. Michelson Borges, Leandro Quadros, Rodrigo Silva e outros criacionistas “meia boca” da IASD terão que admitir isso, ou rasgar sua Bíblia.
Escrito em estilo acadêmico, o extenso artigo deixa evidente o posicionamento evolucionista e contrário à primazia da Bíblia sobre a Ciência como fonte máxima de verdade. Seu autor critica a todo momento o Criacionismo da Terra Jovem e Plana. Contudo, especialmente na segunda metade do texto, a partir do subtítulo “História dos defensores da Terra plana”, o articulista católico traz informações históricas preciosas sobre o desenvolvimento da doutrina bíblica da Terra plana em defesa da Criação e contra a teoria evolucionista. Confira.
The Evolution of “Bible-Science” : Young Earthers, Geocentrists, and Flat Earthers, adapted from the chapter by Robert J. Schadewald in Scientists Confront Creationism, edited by Laurie R. Godfrey (Norton paperback, 1984)
Por dois mil anos, vários grupos de dogmáticos bíblicos tentaram forçar o universo a preencher suas interpretações da Escritura. Julgaram e rejeitaram as evidências e explicações cientificas de acordo com o padrão das suas próprias crenças religiosas. Por razões bíblicas, muitos rejeitaram (e ainda rejeitam) a esfericidade da Terra, o sistema de Copérnico, e a evolução da vida numa Terra muito antiga (com aproximadamente 4,5 bilhões de anos de idade). Nos últimos dois séculos, os que acreditam na Terra plana, geocentristas e criacionistas de Terra jovem adotaram um rótulo para os seus dogmas: “ciência bíblica”. Este termo começou a ser utilizado na Inglaterra, no século XIX, por exemplo, pelo “Bible-Science Defence Association” (que defendia o fato de a Terra ser plana), e na América do século XIX, pela associação criacionista “Bible-Science Association.”
Os cientistas bíblicos travaram uma guerra contra a ciência. No início do século XIX, a maioria deles tinha se resignado a viver numa Terra esférica que orbita em torno do Sol. Então, foram confrontados com uma massa de evidências que convenceu a maioria dos geólogos de que a Terra era muito antiga e que suas diversas formas de vida surgiram (e muitas se tornaram extintas e desapareceram) no planeta de forma sequencial, durante um longo período de tempo. Em segundo lugar, os geólogos não encontraram qualquer evidência de um suposto dilúvio (o dilúvio universal de Noé). E finalmente, em 1859, Charles Darwin apresentou uma grande quantidade de evidências de que a vida na Terra evoluiu, e propôs uma teoria que explicava a proliferação da vida na Terra em termos de processos naturais. Tais ideias contradiziam diretamente uma interpretação literal dos pirmeiros capítulos de Gênesis. Os “cientista” bíblicos, alarmados, iniciaram um ataque contra a ciência convencional, que continua até hoje.
As origens da “Ciência bíblica”
“Criacionismo científico” é a palavra mágica da ciência bíblica. Seu objetivo ambicioso é restabelecer Gênesis como a máxima autoridade em geologia, biologia e cosmologia. Pelo criacionismo científico representar a continuidade de uma longa tradição, é difícil saber quando ele começou. Alguns definem sua origem com a publicação de The Genesis Flood, pelo teólogo John C. Whitcomb, Jr. e o engenheiro Henry M. Morris em 1961. Este livro argumenta que o dilúvio dos tempos de Noé explicaria melhor as evidências geológicas do que a geologia convencional. Nesta e em obras subsequentes, os criacionistas ofereceram argumentos para mostrar que a Terra tem apenas seis mil anos e que todas as formas de vida foram criadas separadamente.
Logo após a publicação de The Genesis Flood, duas das maiores organizações criacionistas, a Bible-Science Association e Creation Research Society, foram criadas. O terceiro maior grupo, o Institute for Creation Research (ICR), foi organizado em 1970 com Henry M. Morris como diretor. Individual e coletivamente, por meio de livros, panfletos, leituras públicas e debates, esses criacionistas passavam sua mensagem.
Em público, criacionistas modernos marcham sob a bandeira da própria ciência. Em livros e palestras dirigidas ao público cético, evitam falar em Deus e na Bíblia e incensam a ciência. Quando se dirigem a crentes fundamentalistas, contam uma história diferente. Insistem que a moderna geologia e a teoria da evolução são afrontas à Bíblia. No lugar de ambas, oferecem uma pseudociência complexa, chamada por eles de “criacionismo científico”, no qual a “geologia do dilúvio” é o dogma central. A geologia do dilúvio foi totalmente rejeitada pela geologia convencional. Como Whitcomb e Morris escreveram,
“Milhares de geólogos treinados, muitos deles sinceros e honestos em suas convicções sobre a correção das suas interpretações dos dados geológicos, apresentam um veredito unânime contra os dados bíblicos da criação e do dilúvio….”
Não obstante, eles insistem que essas opiniões profissionais devem ser desconsideradas, porque
“O crente instruído sabe que as evidências para a total inspiração divina da Bíblia contam mais do que as evidências para qualquer fato científico. Quando confrontado com o consistente testemunho bíblico de um dilúvio universal, o crente deve aceitar isso como verdade inquestionável.” (1961, p. 118)
Porque esses geólogos fundamentalistas rejeitam o que é “verdade inquestionável”? Henry Morris sugere que a resposta pode ser encontrada na Torre de Babel:
“Seu topo era um santuário, um grande templo, estampado com os signos zodiacais, representando o exército do Céu, Satã e seus principados e poderes, príncipes das trevas do mundo” (Efésios 6:12). Estes espíritos do mal talvez se encontraram com Nimrod e seus sacerdotes, para planejar uma estratégia de longo alcance contra Deus e Seus objetivos de redenção para o mundo pós-diluviano. Isso incluía especialmente o desenvolvimento de uma cosmologia não teísta, por meio da qual fosse possível explicar a origem e desenvolvimento do universo e do homem sem dar mérito ao Deus verdadeiro e criador. A negação do poder e autoridade de Deus na criação é a base fundamental na rejeição de Sua autoridade em qualquer outro campo.
“As evidências sólidas para a sequência de eventos descritas, são tênues… se alguém acha que isso realmente aconteceu, no início da história pós-diluviana, então o próprio Satã é o criador do conceito de evolução.”(Morris 1975, p. 74-75)
“Sólida evidência ou não, o livro de Morris repetidamente acusa a evolução de ser satânica. Embora os céticos possam questionar a veracidade dessa história da revelação de Nimrod e Babel, é verdade que a ideia de um mundo em mudança, em desenvolvimento, vem desde a antiguidade. Mas só se tornou popular no Ocidente, poucos séculos atrás.
A Terra antiga, Catatrosfismo, Uniformitarismo
As raízes da geologia moderna se encontram em Nicolaus Steno, um padre dinamarquês que em 1669 publicou um tratado sobre fósseis que continha vários princípios da formação do estrato rochoso. Steno sustentava que os fósseis encontrados em rochas sedimentares eram resíduos de animais que morreram no dilúvio. Esta opinião prevaleceu entre os geólogos por 150 anos. Na Inglaterra, foi suportada por Thomas Burnet na obra A Sacred Theory of the Earth (1681), por John Woodward em An Essay Toward a Natural Theory of the Earth (1695), e por William Whiston, que sugeriu, em sua obra A New Theory of the Earth (1696), que o dilúvio foi causado por um cometa.
Entretanto, a maior parte eram apenas especulações sobre a origem das espécies animais. Na metade dos anos 1700, Comte Buffon, o eminente naturalista francês, elaborou o conceito de evolução pela variação de espécies e publicou-o em sua obra monumental, Natural History. Buffon foi imediatamente atacado pelos teólogos da Sorbonne University em Paris, que o forçaram a publicar a seguinte retratação:
“Declaro que não tive intenção de contradizer o texto da Escritura, no qual eu acredito mais firmemente do que em qualquer outro relatado à criação, tanto no que diz respeito ao tempo quanto aos fatos. Abandono tudo em minha obra que diga respeito à formação da Terra, e tudo que seja contrário à narrativa de Moisés.” (White 1955, p. 215)
As sementes da revolução geológica foram plantadas pelo geólofo escocês James Hutton em 1785, mas foi Charles Lyell quem as fez crescer. A obra de Lyell, Principles of Geology (1830) é considerada por muitos a fundação da geologia moderna. Nessa época, poucos geólogos sérios continuavam aceitando a ideia de um dilúvio universal. Entretanto, Cuvier, um naturalista francês que era o principal adversário de Lyell, sugeriu que a Terra tinha enfrentado “muitos” dilúvios catastróficos, e seus seguidores foram chamados catastrofistas. Cuvier contribuiu muito para destruir o conceito de um único dilúvio global, assim como Lyell, que rejeitou o catastrofismo. Embasado nas ideias de Hutton, Lyell argumentou que a maior parte das rochas terrestres foram formadas durante um longo período de tempo, por processos naturais, observáveis até os nossos dias. A geologia de Lyell foi chamada de uniformitarismo.
As rochas da crosta terrestre estão dispostas em camadas que são ou foram essencialmente horizontais. Claramente, essas camadas seguem uma sequência temporal, com rochas mais jovens sobre as mais antigas. Muitas dessas rochas são sedimentares, formadas de partículas que se assentaram pela ação da água, ou foram transportadas pelos ventos. Tais processos de formação de rochas ainda estão em curso, e sua velocidade, mesmo sendo variável, pode ser estimada. Cálculos baseados nessas estimativas, deixam óbvio que as rochas da superfície do nosso planeta levaram milhões de anos para se formar (hoje, dispomos de métodos muito mais confiáveis para estimar a idade das rochas). Além disso, os resíduos fossilizados de plantas e animais, encontrados nas rochas, mudam sistematicamente ao longo do tempo. Como isso aconteceu?
Em 1843, Robert Chambers, um autor sem formação científica, publicou anonimamente o seu Vestiges of the Natural History of Creation. Chambers tentou reconciliar a Bíblia com a geologia uniformitarista, e o mecanismo que sugeriu para explicar as várias formas de vida na Terra foi basicamente “evolução temperada pelo milagre” (White 1955, p. 65). O livro se tornou extremamente popular, mas os “cientistas bíblicos” o atacaram como “ateísta”. Outra tentativa mais limitada foi a de Hugh Miller e seu The Testimony of the Rocks (1857). Notando a ausência de evidências para um dilúvio universal, Miller sugeriu que o dilúvio foi um evento local, ocorrido somente naquela região do Oriente.
Foi nesse ambiente que Charles Darwin lançou sua teoria da evolução por seleção natural em 1859. Um homem decididamente pacífico, que sofreu de doenças crônicas, Darwin conhecia muito bem como os “cientistas bíblicos” haviam recebido livros muito menos revolucionários que o seu The Origin of Species. Ele desenvolveu sua teoria por 20 anos antes de publicar. Seus piores pressentimentos se justificaram; teólogos indignados lançaram-se sobre ele com fogo e enxofre.
Poucos homens foram tão ultrajados e ao mesmo tempo, receberam tão rápida aclamação na comunidade científica. Uma década depois, a maioria dos naturalistas havia aceitado a evolução. Fora da comunidade científica, isso estava longe de acontecer. Mesmo assim, na virada do século, muitos acadêmicos e teólogos liberais fizeram as pazes com Darwin e com a evolução (White 1955).
Entre os conservadores, foi diferente. Uma enxurrada de livros anti-evolução apareceram durante o século seguinte à publicação de The Origin of Species. O mais notável veio de um adventista do sétimo dia, George McCready Price, o qual, começando em 1913, escreveu cerca de 25 grandes obras anti-evolucionistas. Ironicamente, a evolução proposta por Darwin causou uma regressão entre os “cientistas bíblicos”. Por volta de 1830, muitos conservadores estavam prontos para tolerar uma Terra antiga e uma teoria dos “dias-eras” da criação, no qual os dias em Gênesis representavam eras geológicas. Agora que o conceito de uma Terra antiga se juntou ao conceito de formas de vida se desenvolvendo ao longo do tempo, os “cientistas bíblicos” tentaram “puxar o tapete” de Darwin, jogando fora tanto a Terra antiga quanto a evolução. Enquanto as evidências da evolução e da grande idade da Terra continuaram a se acumular, o conservadorismo evoluiu para uma estridente pseudociência.
Veja o artigo detalhado Radiometric Dating, a Christian Perspective do Dr. Roger Wiens
Os teóricos do dilúvio global
O dilúvio global é a grande ilusão dos criacionistas de Terra Jovem, um albatroz que os escribas hebreus penduraram em seus pescoços e que foi adaptado de um mito oriental pré-existente e incluído no Gênesis. O dilúvio é para os criacionistas a explicação para praticamente todo o registro fóssil encontrado na Terra. Na média, o estrato com registros fósseis ao longo dos continentes, tem profundidade de uma milha. Entre as dificuldades que impedem que o dilúvio seja considerado cientificamente, estão:
(1) a origem da água do dilúvio
(2) Explicação para a existência de diferentes tipos de fósseis ao longo do estrato de rochas
(3) A grande quantidade de fósseis
(4) Estruturas que obviamente se formaram em terra e estão agora soterradas no estrato rochoso.
Para mais detalhes ver o texto do TalkOrigins Problems with a Global Flood
Para explicar de onde veio a água do dilúvio, alguns criacionistas propuseram que antes do dilúvio a Terra era circundada por uma camada de água na forma de vapor. Esta ideia foi proposta em 1874 por Isaac Newton Vail, um cientista bíblico Quaker. Vail sugeriu que os planetas evoluem de um estágio onde possuem anéis (como Saturno), para um estágio como de Júpiter e depois para finalmente chegar na condição da Terra. Criacionistas modernos lançaram fora a teoria da evolução de planetas de Vail, ficando apenas com a hipótese da camada de vapor de água. Mas jamais alguém mostrou como esse dossel contendo água para o dilúvio, podia ser estável ou como as criaturas da Terra poderiam sobreviver à incrível pressão atmosférica que isso causaria.
Os fósseis da Terra ocorrem em uma sequência ou ordem quase sem exceções (as poucas exceções são facilmente explicadas por perturbações geológicas, que podem ser detectadas sem referência aos fósseis). Isto é, fósseis específicos são encontrados somente em rochas com determinadas idades. Trilobitas, por exemplo, uma antiga forma de animais marinhos, se tornou extinto há 300 milhões de anos atrás, por isso, seus fósseis só são encontrados em rochas bastante antigas. Outras formas de moluscos são mais modernas e somente aparecem em rochas mais jovens, localizadas mais acima da coluna geológica.
Morris explicou as águas pré-existentes do dilúvio usando o termo “arraste hidráulico” (Whitcomb and Morris 1961; Morris 1974b). Para objetos de forma e densidade similar, entretanto, o arraste hidráulico é proporcional à área transversal, enquanto que a força gravitacional é proporcional ao volume. Um criacionista racional, portanto, esperaria que os trilobitas se distribuíssem de acordo com seu tamanho, com os maiores abaixo dos menores. Este decididamente não é o caso, e admira-se que alguém como Morris, PhD em engenharia hidráulica, e tendo uma base na geologia, foi capaz de, seriamente, inventar essa explicação baseada no arraste hidráulico. De fato, se a maior parte dos fósseis do mundo foram soterrados por um único dilúvio global, como os criacionistas de Terra jovem acham, a mistura de formas de vida seria fenomenal, e nenhum padrão ordenado de distribuição de fósseis poderia ser encontrado!
Começando em 1961 com The Genesis Flood, numerosos livros criacionistas mencionam um corpo rochoso na África, a formação Karoo (algumas vezes chamada de Karroo), que contém fósseis de aproximadamente 800 bilhões de animais. Ironicamente, esta formação, sozinha, refuta toda a geologia do dilúvio. Os animais da formação Karoo variam entre o tamanho de um pequeno lagarto ao tamanho de uma vaca, sendo a média de todos eles, aproximadamente o tamanho de uma raposa (Sloan 1980). Os criacionistas alegam que eles morreram no dilúvio, ou seja, todos estavam vivos quando o dilúvio começou. Se 800 bilhões de animais pudessem ser ressuscitados, partindo de um cálculo simples, isso significa que havia 21 deles em cada acre de solo da Terra. Suponha que assumamos (de forma conservadora) que a formação Karoo contenha apenas um por cento dos fósseis de vertebrados da Terra. Então, quando o dilúvio começou, havia 2100 animais vivos em cada acre de solo, entre os mais minúsculos e gigantescos dinossauros! Isso parece meio lotado, para dizer o mínimo. Inúmeros achados – dunas de areia – gotas de chuva – ninhos de dinossauros – pegadas de animais e etc – comumente encontrados na superfície rochosa da Terra, foram claramente formados na superfície. Entretanto, são encontrados em estratos de rocha que os criacionistas atribuem ao dilúvio e com muitas outras camadas cobrindo-os.
Certamente, as provas existentes contra a geologia do dilúvio são equivalentes àquelas que se opõem à teoria da Terra plana, quando ela floresceu no século XIX. Por isso, para entender a “ciência bíblica”, será de grande ajuda voltar ao passado e examinar suas raízes históricas.
História dos defensores da Terra plana
A primeira grande batalha envolvendo Cristianismo e ciência envolveu a forma da Terra. A esfericidade da Terra era bem conhecida na cultura helenística, na qual o Cristianismo se desenvolveu. Muito antes, Aristóteles forneceu três provas de que a Terra tem uma forma de globo: (1) navios que deixam os portos desaparecem no horizonte; (2) quando alguém viaja para o sul, estrelas que não são visíveis na Grécia aparecem no horizonte sul; e (3) durante um eclipse, a sombra da Terra sobre a Lua é visivelmente curvada. Desafortunadamente, este modelo esférico, entra em conflito com a forma pela qual a Terra é descrita na Bíblia.
Os antigos hebreus, como seus mais antigos e mais poderosos vizinhos, babilônios e egípcios, achavam que a Terra era plana. A cosmologia hebraica não estaria na Bíblia descrita como está hoje, se os hebreus não tivessem conhecimento do sistema babilônico, sobre o qual é embasado, como pode ser visto nas linhas do Antigo Testamento. A história da criação em Gênesis por si mesma sugere o tamanho e importância relativa da Terra e outros corpos celestes, ao especificar sua ordem de criação. A Terra teria sido criada no primeiro dia, e era “sem forma e vazia” (Gênesis 1:2). No segundo dia uma abóbada – o “firmamento” na tradução King James – foi criado para dividir as águas, uma parte acima e outra abaixo da abóbada (Gênesis 1:6-8). Não antes do quarto dia foram criados o Sol, Lua e estrelas, e estes foram colocados “na” abóbada, não “acima” dela (Gênesis 1:14-17). Os tamanhos desses corpos celestes não são especificados, mas deviam ser pequenos, para que Josué pudesse depois mandar o Sol parar “em Gibeon” e a Lua “no vale de Aijalon” (Josué 10:12).
A bíblia várias vezes fala dos “extremos” da Terra. Às vezes a palavra em hebraico é ephes, que significa “fim, limites extremos, nada”. Em outras vezes, é qatsah ou qetsev, que significa, de novo, “final, extremidade.” Em Deuteronômio 13:7, usa-se a expressão “de uma extremidade da Terra à outra extremidade.” A mesma expressão, ou uma referência ao “final da Terra”, ocorre em Deuteronômio 28:49,64; 33:17; 1 Samuel 2:10; Salmos 19:4; 22:27; 46:9; 48:10; 59:13; 65:5; 67:7; 98:3; 135:7; Provérbios 17:24; 30:4; Jó 28:24; 37:3; Isaías 5:26; 24:16; 40:28; 41:5; 42:10; 45:22; 48:20; 49:6; 52:10; 62:11; Jeremias 10:13; 16:19; 25:33; Miquéias 5:4. Não apenas a Bíblia indica que a Terra é plana e tem extremos, mas também ensina que tem cantos. Isaías 11:12 diz que Deus vai “reunir os dispersos de Judá dos quatro cantos da Terra.” Esequiel 7:2 diz que “o fim está próximo nos quatros cantos da Terra.” Veja também Apocalipse 7:1; 20:8, etc.
Outras passagens completam a imagem. Deus “se assenta sobre a abóbada da Terra, cujos habitantes são como gafanhotos” (Isaías 40:21-22; 45:12; 48:13). Ele também caminha de um lado para o outro sobre a abóbada celeste” (Jó 22:12-14), sendo que esta abóbada é “dura como um espelho de metal” (Jó 37:18 cf 9:8). O teto do céu tem “janelas” que Deus pode abrir para deixar as águas que estão acima da abóbada caírem na superfície da Terra na forma de chuva. A bíblia fala claramente sobre “janelas” do céu (Gênesis 7:10; 8:2; 2 Reis 7:2, 19; Isaías 24:18; Jeremias 51:15; Malaquias 3:10); as “portas” do céu estão “fechadas” (1 Reis 8:35; 2 Crônicas 6:26; 7:13; Salmos 78:2; Apocalipse 4:1; 11:6; 19:11); o céu tem “portões” (Gênesis 28:17; Levítico 26:19) e escadas (Amós 9:6). Um estudo dessas passagens indicarão que chuva e alimento vinham dessas janelas do céu, etc. (Obviamente isso é provavelmente linguagem simbólica ou “fenomenológica”, como a maioria dos especialistas bíblicos e exegetas concluem, e esse tipo de linguagem não deve ser interpretado literalmente).
A topografia da Terra não é especificada, mas Daniel fala de “uma árvore de grande altura que fica no centro da Terra, e que alcança o céu com seu topo e é visível desde os confins da Terra” ou “até o final da Terra” (Daniel 4:10-11). Tal visibilidade não seria possível numa Terra esférica, mas apenas se a Terra fosse plana.
Aqui o Frei Stanley Jaki, O.S.B., um físico húngaro importante e teólogo beneditino, fala sobre a Terra plana e fixa da Bíblia:
“Quando perguntado sobre seu meio físico ou o mundo físico em geral, o israelita típico poderia dar uma resposta que seria irritante para uma mentalidade moderna. É irritante, no mínimo, ouvir que a Terra é como um disco chato, o céu, uma pesada abóbada invertida, e que os dois formam uma gigantesca estrutura em forma de tenda. Claro, outros habitantes da região teriam respostas similares…. Com certeza, o mesmo ocorreria com um egípcio típico da antiguidade, ou um babilônio… A dureza do céu, mas especialmente a imobilidade da Terra, tende a parecer um fato físico divinamente ordenado, pois de acordo com a Bíblia, um simples homem, Josué, pode ser autorizado por Deus a parar o Sol e a Lua e, aparentemente, por um dia inteiro… Obviamente, para olhares modernos acostumados com naves espaciais viajando além das “linhas do mundo” segundo a cosmologia quadridimensional de Einstein, nada pode ser mais ofensivo que o mundo físico descrito na Bíblia, que seria pouco mais do que uma tenda glorificada. Nesta tenda, a bíblia assinala que o céu seria sua cobertura, e o solo, o seu piso, embora não de forma consistente. Em Gênesis 1 o céu é um firmamento, isso é, uma abóbada dura de metal, ao passo que em Salmos 104 e Isaías 45:24, parece mais com uma tela que pode ser esticada….Aqui reside um dos aspectos incomuns e não científicos do mundo como é descrito na Bíblia… Muito antes do advento da ciência moderna, e também antes do heliocentrismo, o contraste entre este mundo bíblico em forma de tenda, e o mundo do geocentrismo Aristotélico-Ptolomaico, é enorme.” (Stanley Jaki, Bible and Science, pages 19-25)
Um texto bíblico que supostamente sugere que a Terra é esférica, segundo alguns “cientistas bíblicos” criacionistas, é Isaías 40:22
Ele é o que está assentado sobre o círculo da terra, cujos moradores são para ele como gafanhotos; é ele o que estende os céus como cortina, e os desenrola como tenda, para neles habitar;
Uma análise de hebraico feita por Robert J. Schneider, num artigo para uma organização cristã, a American Scientific Affiliation (www.asa3.org) —
“A linha crítica em hebraico (de Isaías 40:22) lê-se (transliterada e omitindo as vogais): hyshb ‘l hwg h’rtz, o que foi traduzido por meu colega, Dr. Robert Suder como: ‘aquele que habita no círculo/horizonte da terra.” Uma pesquisa no léxico hebraico e em livros teológicos nos fornece muita informação sobre a palavra chave hwg (chûgh)…. Todos, exceto um dos contextos (onde essa palavra hebraica aparece), são cosmológicos, e de fato, quatro dos cinco usos dessa palavra ocorrem em hinos sobre a criação. Isaías 40:22 descreve Deus como estando sentado/habitando sobre “o círculo da Terra”, que foi desenhado por Deus com um compasso, como em Jó 26:10 e Provérbios 8:27 sugerem, onde os versículos descrevem o ato de inscrever um círculo que fixa o limite entre a Terra e o abismo… Juntando essas duas formas de uso, penso que é difícil alguém atribuir a essa palavra em Isaías 40:22 o sentido de “esférica”… se os tradutores )da LXX) estavam familiarizados com o conceito de uma terra esférica ensinado no Museu de Alexandria. na época o centro científico da Grécia, não dão nenhuma dica a respeito disso, na tradução que fizeram dessa palavra…”
“….um círculo não é uma esfera na Escritura assim como não é na geometria. A preponderância das evidências filológicas e as traduções dos estudiosos da antiguidade e especialistas modernos, testemunham de que Isaías 40:22 não se refere a uma Terra esférica. Simplesmente não existe embasamento para Eastman, Sarfati e Morris (criacionistas de Terra jovem proeminentes) para declarar, em contrário ao bom senso e em violação do domínio semântico, que chûgh literalmente significa esfericidade.” (Robert J. Schneider, essay for the [Christian] American Scientific Affiliation, September 2001)
Leia Does the Bible Teach a Spherical Earth? por Robert J. Schneider
Estas passagens, além da mais explícita seção astronômica do não-canônico Livro de Enoch (1 Enoch capítulos 33-34, Charles, 1913), levam os cristãos mais literalistas a rejeitar a ideia de uma Terra esférica como uma heresia. Portanto, essa teoria da Terra plana está associada ao Cristianismo desde o início. Alguns dos assim chamados “pais da igreja” acreditavam nisso, como Lactâncio, Tertuliano, Clemente de Alexandria (White 1955, p. 92). Gradualmente, eles desenvolveram um sistema de Terra plana “científico” para se opor à astronomia de Ptolomeu, que começava a se popularizar.
Jeffrey Burton Russell, historiador e autor de Inventing the Flat Earth, esclarece esses pontos:
“É preciso primeiro, reiterar que com extraordinárias poucas exceções, nenhuma pessoa instruída ao longo da história civilização ocidental a partir do terceiro século antes de Cristo em diante, acreditava que a Terra era plana. Uma Terra esférica apareceu pela primeira vez no sexto século antes de Cristo, com Pitágoras, o qual foi seguido por Aristóteles, Euclides e Aristarco, entre outros, que também observaram que a Terra era esférica. Embora houvesse poucos dissidentes – Leukippos e Demokritos por exemplo – na época de Erastosthenes (século 3 antes de Cristo), seguido por Crates (século 2 antes de Cristo), Strabo (século 3 antes de Cristo), e Ptolomeu (primeiro século antes de Cristo), a forma esférica da Terra era aceita por todos os gregos e romanos educados. Essa situação não mudou com o advento do cristianismo. Poucos – talvez dois ou no máximo cinco – dos pais da igreja negavam que a Terra fosse esférica, se baseando em passagens como Salmos 104:2-3 como indicações geográficas e não metafóricas. Por outro lado, dezenas de milhares de teólogos cristãos, poetas, artistas e cientistas, consideraram a Terra como esférica nos primeiros séculos, nos tempos medievais e também nos tempos da igreja moderna. Nenhuma pessoa educada acreditava no contrário.” (Russell, essay for the [Christian] American Scientific Affiliation, August 1997)
Veja The Myth of the Flat Earth por Jeffrey Burton Russell
A obra Almagest, de Cladius Ptolomeu, escrita aproximadamente em 140 depois de Cristo, foi o ápice de mais de seis séculos da astronomia grega. Não foi antes de 550 depois de Cristo, que Cosmas Indicopleustes publicou sua teoria alternativa da Terra plana, no seu livro Christian Topography. Cosmas, um monge egípcio, ofereceu muitos dos mesmos argumentos usados por outros que defendem que a Terra é plana atualmente, mas chegou a uma conclusão diferente sobre a forma da Terra. Pinçando citações das Escrituras e de obras dos pais da igreja, Cosmas tentou mostrar que a Terra é um retângulo plano com dimensões norte-sul e leste-oeste. O nascer e o pôr do Sol, segundo ele, eram causados por uma montanha muito alta que ficava localizada no extremo norte (Cosmas 550 AD).
Cosmas lutou uma batalha já perdida, e a antiga ideia da Terra plana rapidamente perdeu terreno. O sistema ptolomaico de astronomia, baseado numa Terra esférica, trabalhava razoavelmente bem. Por volta do século XII, a ideia de uma Terra plana estava totalmente morta no Ocidente.
Embora a bíblia não especifique a forma plana da Terra, repetidamente afirma que a Terra não se move:
Trema diante dele toda a terra; o mundo se acha firmado, de modo que se não pode abalar.– 1 Crônicas 16:30
Reina o SENHOR. Revestiu-se de majestade; de poder se revestiu o SENHOR e se cingiu. Firmou o mundo, que não vacila. — Salmos 93:1
Dizei entre as nações: O Senhor reina; ele firmou o mundo, de modo que não pode ser abalado. Ele julgará os povos com retidão.— Salmos 96:10
Lançou os fundamentos da terra; ela não vacilará em tempo algum.– Salmos 104:5
(ver também Salmos 8:4; 19:4-7; 104:19; 119:90; Eclesiastes 1:5; 2 Reis 20:9-11; 2 Crônicas 32:24; Isaías 38:7-8; 45:18; Josué 10:12-14; Juízes 5:31; Jó 9:7; Habacuque 3:11; Tiago 1:11-12; e os deuterocanônicos Eclesiástico 43:1-10; 46:3-4; Sabedoria 7:18-19)
Estes mesmos clérigos que acharam fácil ignorar seus conceitos de Terra plana e adotar o sistema geocêntrico porém esférico de Ptolomeu foram fortemente abalados por Copérnico e Galileu. A reação da igreja católica a Galileu é bem conhecida. É menos conhecida a reação dos reformadores protestantes – Lutero, Calvino, Wesley – que também rejeitaram o sistema de Copérnico por causa da Bíblia (White 1955, p. 125ff). Poucos cientistas bíblicos protestantes têm lutado contra o sistema heliocêntrico desde então.
Ver Geocentrism: Flogging a Pink Unicorn por Alec MacAndrew
Defensores modernos da Terra plana
O movimento moderno em defesa da Terra plana, começou na Inglaterra em 1849, com a publicação de um panfleto de dezesseis páginas, chamado Zetetic Astronomy: A Description of Several Experiments which Prove that the Surface of the Sea is a Perfect Plane and that the Earth is Not a Globe! por “Parallax.” Nos 35 anos seguintes, Parallax – seu nome verdadeiro era Samuel Birley Rowbotham — atravessou a Inglaterra, atacando o sistema esférico em palestras públicas. Seu sistema, completamente original, conhecido por seus aderentes como “zetetic astronomy,” é melhor descrito na segunda edição, com 430 páginas, do seu livro Earth Not a Globe, publicado em 1873 also usando o pseudônimo de Parallax (1873a).
A essência da astronomia zetética é a seguinte: o mundo conhecido é um vasto plano circular, com o pólo norte no centro e 150 pés de uma parede de gelo no limite sul. O equador é um círculo cortado ao meio. O sol, lua e planetas giram em torno da Terra na região do Equador numa altitude de 600 milhas. O movimento de “nascer” e “se por” é uma ilusão de ótica causada pela refração atmosférica e a lei zetética de perspectiva. A última lei também explica porque os navios desaparecem no horizonte quando entram em mar alto. A lua tem luz própria, e é ocasionalmente eclipsada quando um corpo invisível e escuro passa diante dela. Todo o universo conhecido é literalmente coberto pelo “firmamento” (abóbada) que é descrito na Bíblia.
Rowbotham (Parallax) e seus seguidores encontraram terreno fértil e o movimento da Terra plana “pegou” por volta de 1860, logo depois que The Origin of Species de Charles Darwin, foi publicado. Clérigos conservadores que acreditavam que todos os geólogos estavam errados, não tiveram problemas em acreditar que o mesmo acontecia com todos os astrônomos. Como a maioria dos mais sinceros cientistas bíblicos da época, os da Terra plana fizeram da “astronomia zetética” a bola da vez na Inglaterra Vitoriana. Antes do final do século XIX, o movimento se espalhou para a América e para o resto do mundo de língua inglesa. Poucos acadêmicos profissionais aderiram, os que aderiam eram exceções. Alexander McInnes da Glasgow University era um defensor veemente da Terra plana, assim como Arthur V. White da University of Toronto. A maioria dos defensores dessa teoria de Terra plana que podiam mostrar “credenciais”, eram clérigos ou engenheiros.
Na América, a Terra plana tornou-se doutrina central da Wilbur Glenn Voliva‘s Igreja Católica Apostólica em Zion, Illinois. Durante os anos 1920 e 1930, milhares de residentes de Zion eram pelo menos nominalmente, crentes na Terra plana. Em algumas famílias, três gerações aprenderam a doutrina da Terra plana nas escolas paroquiais de Zion. Em todas as estações de rádio, Voliva esbravejou contra os “trigêmeos do diabo”, “evolução, crítica bíblica e astronomia moderna.” A popularidade desse surto de “Terra-planismo” declinou na América, depois da morte de Voliva em 1942, mas o movimento ainda vive e bem, e tem sede em Lancaster, Califórnia.
Liberal, Moderado, Conservador: Terra jovem, geocentristas, Terra plana
Embora o “Terra-planismo” fosse tão bem suportado biblicamente e cientificamente quanto o criacionismo, os criacionistas não querem se ver associados com os Terra-planistas. Num debate público com Duane T. Gish, diretor associado do Institute for Creation Research, o paleontologista Michael Voorhies sugeriu que o Creation Research Society é parecido com o Flat Earth Society. De acordo com um relato sobre o debate, publicado em uma “newsletter” do ICR de maio de 1979, Acts and Facts, Gish respondeu “nem um único membro da Creation Research Society era membro da Flat Earth Society e que a tentativa de associar as duas associações não era nada mais do que um borrão.” Gish citou uma réplica na edição de setembro de 1979 da The Flat Earth News por um leitor que escreveu uma carta indignada (identificado apenas como G.J.D.), que tinha lido a matéria de Acts and Facts. G.J.D. contestou a alegação de Gish de que não havia membros da Flat Earth Society entre os membros da Creation Research Society, concluindo, “Ele não sabe do que está falando, pois eu mesmo sou membro de ambas, e estou escrevendo a ele para mostrar a ele que está errado.” Ironicamente, Gish pode ter criado um caso. Para protestar pelo ataque desferido contra os “terra-planistas”, G.J.D. deixou de ser membro do Creation Research Society.
Picture to the right: The Mars Orbiter Camera (MOC) aboard NASA’s Mars Global Surveyor (MGS) spacecraft currently orbiting the red planet photographed Earth, the moon and Jupiter, as seen in the evening sky of Mars, at 9 am EDT, May 8, 2003. This is the first image of Earth ever taken from another planet that actually shows our home as a planetary disk. Because Earth and the Moon are closer to the Sun than Mars, they exhibit phases, just as the Moon, Venus, and Mercury do when viewed from Earth. The MOC Earth/Moon image has been specially processed to allow both Earth (with an apparent magnitude of -2.5) and the much darker Moon (with an apparent magnitude of +0.9) to be visible together. The bright area at the top of the image of Earth is cloud cover over central and eastern North America. Below that, a darker area includes Central America and the Gulf of Mexico. The bright feature near the center-right of the crescent Earth consists of clouds over northern South America.
Havendo ou não “terra-planistas” entre os membros da Creation Research Society, o criacionismo de Terra Jovem estava associado de perto com o movimento da Terra plana. De fato, criacionismo Terra Jovem, Geocentrismo e Terra-planismo eram respectivamente os setores liberais, moderados e conservadores da árvore da “ciência bíblica”. A intensa hostilidade expressa pelos criacionistas científicos contra os “terra-planistas” não se estendia aos geocentristas modernos, que eram respeitados entre os criacionistas. Embora a bíblia esteja, de Gênesis ao Apocalipse, referindo-se a uma Terra plana, os geocentristas combinaram forças com os criacionistas “liberais” para atirar os “terra-planistas” ao obscurecimento.
Apesar da sua guerra mortífera, os “cientistas bíblicos” estão de acordo em bom número de assuntos. Eles concordam que a bíblia é útil como texto científico, concordam sobre a fraqueza de meras “teorias”, sobre a duplicidade dos cientistas e sobre o fracasso da ciência convencional. O termo “ciência bíblica” é interpretado no seu sentido mais literal. Para participar do Creation Research Society, todos precisam assinar uma profissão de fé que diz:
“A Bíblia é palavra escrita de Deus, e porque nós acreditamos que ela seja inspirada totalmente, todas as suas afirmações são historicamente e cientificamente verdadeiras em todos os originais. Para o estudante da natureza, isso significa que a narrativa da criação em Gênesis é uma apresentação factual de simples verdades históricas.”
Henry M. Morris coloca isso de forma mais forte:
“A questão, é que a Bíblia é ao mesmo tempo verdade verbalmente e literalmente inspirada. Sempre que ela lida com questões científicas ou históricas, significa que é exatamente o que ela diz e que é completamente acurada. Quando figuras de linguagem são usadas, seu significado é evidente no contexto, como em qualquer outro livro. Não existe nenhuma falácia científica na Bíblia como um todo. Ciência é “conhecimento”, e a bíblia é um livro de conhecimento verdadeiro e factual, em qualquer assunto sobre o qual trate. A bíblia é um livro científico! (1974a, p. 229)
Samuel Birley Rowbotham, fundador do movimento moderno da Terra plana, concorda totalmente com Morris:
“Dizer que a Escritura não pretendiam ensinar ciência de forma exata, é, em resumo, declarar que Deus comissionou seus profetas a ensinar coisas que são totalmente falsas.” (Parallax 1873a, p. 357)
Sentimentos semelhantes são expressos pelo “terra-planista” David Wardlaw Scott, que escreveu,
“Ela [Bíblia] nunca contradiz os fatos, e, para o verdadeiro estudante cristão, ensina ciência mais real do que todas as escolas e colégios do mundo.” (1901, p. 284)
Em outra parte, Scott diz em seu livro,
“Pode ser que essas páginas satisfaçam a necessidade de muitos, que não tenham sido totalmente enganados por fantasias improváveis, que ficarão felizes em saber que a narrativa bíblica da criação, é acima de tudo, a única que se sustenta, e que a Astronomia Moderna, assim como sua parente teoria da evolução, nada mais são do que zombarias, ilusões, e laços.”(1901, p. iii)
Enquanto as teorias são a espinha dorsal da ciência convencional, a frase de Scott “fantasias improváveis” parece resumir o que os cientistas bíblicos pensam sobre a ciência convencional. Eles não querem nada além dos “fatos”. Como, certa vez, Gish contou para sua audiência,
“Ainda não encontrei um fato científico que contradiga a bíblia, a palavra de Deus. Agora eu e você estamos ambos conscientes de muitas teorias científicas que contrariam a bíblia. Quando separarmos aquelas que são meramente opiniões ou teorias ou ideias do que é fato, não haverá mais nenhuma contradição.” (1978)
Outros criacionistas expressaram a mesma opinião. Em seu prefácio para o livro didático criacionista Biology: A Search for Order in Complexity, John N. Moore afirma que “verdadeira ciência” requer que os dados sejam apresentados como eles são” e que um ponto de vista filosófico sobre as origens” não pode ser ciência. (Moore & Slusher 1974).
Qualquer Terra-planista concordaria. Com efeito, em suas palestras e escritos, Samuel Birley Rowbotham repetidamente enfatiza a importância de se respeitar os “fatos”. Ele chama o seu sistema de “astronomia zetética” (do verbo grego vetetikos, que significa buscar ou inquirir) porque ele se baseia somente em fatos e não em meras teorias como as de Copérnico e Newton. Rowbotham devotou o primeiro capítulo inteiro da sua “obra magna” a elogiar os fatos em detrimento das teorias, concluindo,
“Deixe a prática de teorizar ser abandonada como opressiva aos poderes da razão, fatal ao total desenvolvimento da verdade, e, em todos os sentidos, inimiga do sólido progresso do que chamamos filosofia.” (Parallax 1873a, p. 8)
O fato é que esses cientistas bíblicos suspeitavam da duplicidade dos cientistas teóricos. Criacionistas científicos raramente expressavam suas suspeitas em “português claro”, mas eles fortemente afirmavam que muito da ciência moderna – a datação radiométrica por exemplo – era uma fraude. Um geocentrista proeminente, também astrônomo e cientista computacional, James N. Hanson, é mais sincero. Numa palestra pública, ele disse sobre os astrônomos não-geocêntricos, “Eles mentem muito” (Hanson 1979). Charles K. Johnson, presidente da Flat Earth Society, é absolutamente veemente sobre a desonestidade dos cientistas. Nas páginas do he Flat Earth News, ele regularmente chama os cientistas de “mentirosos” e “amigos dementes dopados” e ainda afirma que o programa espacial é um “jogo”.
Além de concordarem nas interpretações científicas, muitos cientistas bíblicos compartilhavam certas ideias teológicas. Tais como:
(1) a evolução (e/ou a teoria esférica) não pode ser reconciliada com a Bíblia;
(2) a evolução (e/ou a teoria esférica) nega o Deus pessoal e leva à degradação moral;
(3) foi por essas razões que Satã inventou a evolução (e/ou a teoria esférica).
Muitos cristãos aceitam a evolução como um método que Deus usou na criação, um conceito chamado “evolução teísta”. Duane Gish explicitamente rejeita essa ideia.
“Nem por um momento eu creio que a teoria da evolução possa ser reconciliada com a bíblia. Evolução teísta é um desastre tanto biblicamente quanto cientificamente. É má ciência e má teologia.” E “Você realmente não pode acreditar na Bíblia e na teoria da evolução ao mesmo tempo.” (Gish 1978)
Rowbotham disse o mesmo a respeito da teoria esférica: “Esses filósofos Newtonianos que ainda sustentam que a Escritura Sagrada é palavra de Deus, estão num dilema terrível. Como podem dois sistemas tão diretamente opostos ser reconciliados?” (Parallax 1873a, p. 357) John Hampden colocou isso de forma mais clara: “Ninguém pode acreditar numa única doutrina ou dogma que seja da astronomia moderna, e aceitar as Escrituras como revelação divina” (citado by Rectangle 1899). Assim como os Terra-planistas, Hampden também aceitava a doutrina da criação em seis dias literais, e levava essa opinião às últimas consequências, escrevendo “Se pode provar… que dias não se referem a dias, então os infiéis estão totalmente justificados em rir com escárnio de qualquer outra frase ou qualquer outra afirmação, desde o primeiro até o último versículo da Bíblia.” (Rectangle 1899).
Os cientistas bíblicos tipicamente sentem que a ciência ortodoxa ameaça a doutrina de um Deus pessoal. Como Duane Gish coloca, “se eles (cientistas convencionais) acreditam que Deus existe, Ele está lá fora em algum lugar, e não tem participação alguma na origem do universo” (1978). Henry Morris diz o mesmo de forma diferente: “A grande maioria das pessoas, principalmente os intelectuais, preferem uma teoria evolucionista das origens, porque isso, consciente ou inconscientemente, relega o Criador a um papel secundário, indefinido ou ilusório no universo, e nas vidas dos homens que estão em rebelião moral contra Ele.” (Morris 1963, p. 92-93). Albert Smith, o então editor de Earth — Not a Globe — Review, expressou a mesma insegurança dos modernos criacionistas:
“Na hipótese astronômica, o mundo é como um órfão sem cuidado, ou um andarilho desolado: Deus é removido para longe o suficiente para não ter mais nenhuma utilidade; e a idéia da Eternidade é tão vaga, que em tal lugar, se é que existe mesmo, pode ser em qualquer lugar ou lugar nenhum.” (citado por Rectangle 1899, p. 161)
Quem poderia ser…. SATÃ?
Desde o começo, Henry M. Morris foi citado afirmando que Satã revelou a evolução a Nimrod na Torre de Babel. Em outra parte, ele repetidamente argumenta que os evolucionistas são guiados pela mão de Satã, cujo conceito de evolução é tão antigo quanto Babel.
“Por trás de ambos os grupos de evolucionistas (teístas e ateístas) qualquer um pode discernir a influência da velha serpente chamada Diabo, Satã, que engana todo mundo (Apocalipse 12:9) Como vimos, pode ter sido o próprio engano da evolução que levou Satã a se rebelar contra Deus, e foi essencialmente com a mesma mentira que ele enganou Eva, e com a qual ele continua a enganar o mundo inteiro.”(Morris, 1963, p. 93)
As palavras de Morris soam familiares aos Terra-planistas. “Eu acredito que a real fonte da Astronomia Moderna foi SATANÁS”, escreveu o Terra-planista David Wardlaw Scott (1901, p. 287). “Desde a primeira tentação de Eva no Jardim do Éden, até hoje, seu grande objetivo é lançar descrédito sobre a Verdade de Deus.” John Hampden concordou, chamando a teoria esférica de “aquele instrumento satânico que fala sobre um globo em movimento, que desafia a Escritura, a razão e os fatos.” (1886, p. 60).
Em sua apaixonada batalha contra Satã, os criacionistas adotaram exatamente as mesmas táticas que os Terra-planistas britânicos tinham usado um século antes. Estas eram essencialmente táticas políticas, voltadas diretamente para as igrejas. Ativistas locais vendem livros e panfletos e escrevem “cartas ao editor”. Um grupo de docentes qualificados cruzavam o país falando em igrejas, organizações religiosas, ou em qualquer lugar onde obtivessem uma sala e uma multidão. Em ambos, literatura e as palestras, a mensagem é a mesma: os cientistas estão tentando destruir a religião. Como a inglesa Universal Zetetic Society, o Institute for Creation Research atua com edição, preparação de aulas, e usando meios de comunicação para todas essas atividades.
No início dos anos 1970, os membros do Institute for Creation Research começaram a debater evolucionismo sempre que era possível. Nesses debates, os criacionistas usavam textos do Terra-planista John Hampden, quem disse certa vez a um crítico,
“Não fomos nós que aparecemos ao público oferecendo um tipo de novidade atraente e apelando por patrocínio. Nada desse tipo. Você e o público estão na defensiva. Nós somos seus acusadores. A novidade foi introduzida por vocês, e vocês é que têm que justificar suas interferências com o que estava perfeito antes.” (1886, p. 64)
Os criacionistas esperam seus oponentes defenderem a evolução, para então atirar pedras neles, e com frequência os adversários entram no jogo. O infeliz evolucionista, diante de um debatedor criacionista experiente, parece muitas vezes um homem desarmado tentando invadir uma fortaleza. Muitos dos Terra-planistas eram bons debatedores. George Bernard Shaw descreveu um fórum público no qual um terra-planista enfrentou um esférico e resistiu à sua oposição (Gardner 1957). Rowbotham era como um tigre no palco, raramente era superado. Os bons cidadãos de Leeds, Inglaterra, correram para fora, sendo incapazes de dar uma resposta mais efetiva aos seus argumentos pela Terra plana (Parallax 1873b). Em In Brockport, New York, em março de 1887, dois cavalheiros cientistas defenderam a esfericidade da Terra contra a forma plana defendida por M.C. Flanders, por três noites consecutivas. Quando o “grande debate” terminou, cinco jurados escolheram o vencedor num veredito unânime. Seu relatório, publicado no Brockport Democrat, declarou claramente e enfaticamente sua opinião de que a balança de evidências pendeu para o lado do Terra-planista (Hampden 1887).
Desafios a dinheiro eram outra forma que os cientistas bíblicos usavam contra seus oponentes. No final do século, Koresh (Cyrus Reed Teed), um cientista bíblico de Chicago, ofereceu um prêmio de 5 mil dólares a quem refutasse sua teoria de que a Terra era oca e que nós vivemos dentro dela. Ninguém venceu. Nos anos 1920 e 1930, Wilbur Glenn Voliva ofereceu um prêmio de 5 mil dólares a quem provasse para ele que a Terra não era plana. Ninguém conseguiu. Na época em que esse artigo foi escrito (1982), o engenheiro criacionista R.G. Elmendorf ofereceu 5 mil dólares a quem provasse a ele que a evolução é possível (1976). Como Elmendorf é também um tipo de geocentrista, ele ofeceu mil dólares a quem provasse que a Terra se movia (1980).
Conclusão
Em muitos aspectos, os criacionistas de Terra jovem diferem da maioria dos “cientistas bíblicos” do passado. Suas doutrinas possuem um apelo emocional que o Terra-planismo e o geocentrimo não tinham. Mais importante, os criacionistas possuem poder político significante, o qual eles estão sempre ansiosos por usar. Enquanto esse artigo era escrito, Louisiana elaborou uma lei que obriga que as doutrinas “científicas” dos criacionistas sejam ensinadas nas escolas públicas, junto com a teoria da evolução. (Em 22 de novembro de 1982, essa lei da Louisiana foi derrubada porque a legislação do estado não tem autoridade para determinar o currículo escolar). Agitação significante tem ocorrido em outros estados (dos EUA).
Algumas doutrinas dos “cientistas bíblicos” evoluíram, mas em outros aspectos eles continuam presos num círculo vicioso, e muitos querem dar às suas doutrinas bíblicas, força de lei.
Referências
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Gardner, Martin. 1957. Fads and Fallacies in the Name of Science. NY: Dover.
Gish, Duane T. 1978. Tape of a lecture to the Lutheran Evangelistic Conference in Minneapolis, 23 Jan 1978.
Hampden, John. 1886. The Earth: Scripturally, rationally, and practically described. A geographical, philosophical, and educational review, nautical guide, and general student’s manual, #8. 11 December.
_____ 1887. ibid, #17, 1 November.
Hanson, James N. 1979. Tape of geocentric lecture delivered in Texas.
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Morris, Henry M. 1963. The Twilight of Evolution. Grand Rapids: Baker Books.
_____ 1974a. Many Infallible Proofs. San Diego: Creation-Life Pub.
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Parallax (Samuel Birley Rowbotham). 1949. Zetetic Astronomy: a description of several experiments which prove that the surface of the sea is a perfect plane and that the earth is not a globe! Birm, England: W. Cornish.
_____ 1873a. Earth Not a Globe. London: John B. Day.
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Rectangle (Thomas Winship). 1899. Zetetic Cosmogony; or conclusive evidence that the world is not a rotating, revolving globe, but a stationary plane circle, 2nd ed. Durban, South Africa: T.L. Cullingworth.
Scott, David Wardlaw. 1901. Terra Firma: The Earth not a Planet. London: Simpkin, Marshall, and Co.
Sloan, Robert. 1980. Personal communication.
Whitcomb, John C. and Morris, Henry M. 1961. The Genesis Flood. NJ: Presbyterian and Reformed Pub.
White, Andrew D. 1955. A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom, vol 1. NY: George Braziller (orig 1900).
O texto acima, em tradução livre efetuada por mim, encontra-se em sua fonte original, em inglês, no link seguinte:
The evolution of “Bible-Science – Young Earthers, Geocentrists & Flat Earthers
Fonte da tradução: Conheça a História do “Ciencía-Bíblica”: Criacionistas da Terra Jovem, Geocentristas e Terra-planistas.
Olá. Fiquei muito feliz por conhecer essa página. Sou cristã, creio no criacionismo, creio que existe um único e verdadeiro Deus o Todo-Poderoso Jeová.Creio na Bíblia sagrada e creio que a terra seja plana sim do jeito que a Bíblia diz. E tenho certeza que o homem nunca pisou na Lua e nem vai pisar. E sinceramente, não espero que a ciência comprove o que está na Bíblia para que eu creia nela. Cada um crer como quer. Fiquem na paz, Abraço. Parabéns pelo artigo.