A igreja é o império
Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la. Mateus 16:18
O cristianismo começou como um caminho de salvação, a descoberta de uma nova faceta de Deus, um estilo de vida santo, um chamado para amar Jesus, o desejo ardente de servir ao povo. A igreja era o lugar de ouvir o evangelho, receber a misericórdia divina e viver o amor. Porém, esse perfil não durou para sempre. A vitória do cristianismo sobre seu rival, o paganismo, criou um império alternativo. A ambição pelo poder brilhou nos olhos dos líderes mais graduados.
Inicialmente, todas as igrejas tinham quase o mesmo status, com destaque para Jerusalém. Com o tempo, surgiu uma pentarquia sob o comando de cinco patriarcas de cidades importantes: Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. No início do 2° século, Inácio de Antioquia mencionou a “presidência no amor” exercida por Roma. Ao interferir na rotina das demais igrejas, essa igreja começou a se destacar. Finalmente, o bispo de Roma adotou os títulos e símbolos dos pontífices romanos, e a igreja da capital assumiu os poderes e as pompas de uma igreja imperial.
No livro Igreja: Carisma e Poder, que o levou a ser silenciado pelo Vaticano, Leonardo Boff reflete sobre a hierarquia “piramidal”, “personalizada”, “cósmica e sagrada” da igreja de Roma, em que a voz do superior é a voz de Deus. Para o teólogo, esse modelo eclesiástico herdou sua estrutura do poder romano e do poder feudal. A união de sacerdócio e reino inaugurou a “ditadura do papa”.
Será que hoje uma igreja evangélica pode adquirir um caráter imperial, mesmo sem estar na capital do império e nos tempos medievais? Sim, essa é uma tentação para toda igreja de sucesso. E como saber se uma igreja tem a vocação de refletir o império, e não Jesus?
Na igreja imperial, (1) os líderes acham que são sinônimos da igreja, e sua palavra é a voz de Deus; (2) os sublíderes queimam incenso para os superiores, que parecem celebridades e preferem ficar distantes do povo comum; (3) a estrutura é mais importante do que a missão, a tradição vale mais do que a verdade, o ritual tem precedência sobre o espírito e o clero se distancia dos leigos; (4) os métodos são ditatoriais e os símbolos de poder são cultivados de modo deliberado; e (5) as vozes que desagradam as autoridades são silenciadas ou banidas para a periferia do império. £ óbvio que a igreja imperial tem inúmeros ícones religiosos, mas que não passam de falsos substitutos para o Salvador verdadeiro.
Apesar de tudo, as portas do inferno e as seduções do poder imperial não vencerão a igreja de Jesus Cristo.
(Marcos de Benedicto)
A Igreja (Adventista) é o Império!
Achei muito interessante o texto do Pr. Marcos de Benedicto, postado acima. Ele descreve o surgimento da “igreja imperial” e algumas de suas características.
Tive vontade de fazer uma auto-crítica em função de algumas das ideias dele, ao que me dedicarei no que se segue.
Instintivamente, a maioria dos adventistas quando leem aquele tipo de texto do Pr. Marcos, imaginam uma igreja católica apostólica romana malvada e terrível e se sentem aliviados por fazerem parte de uma igreja muito diferente. Ufa!!!
É bem verdade que existe muita coisa diferente entre a ICAR e a IASD (sendo, inclusive, que a ICAR é bem MELHOR em muitos aspectos), mas também é fato que algumas claras “tentações imperiais” têm seduzido muitos adventistas, na prática.
O Pr. Marcos diz que na “igreja imperial”, (1) “os líderes acham que eles são sinônimos da igreja, e sua palavra é a voz de Deus.” É muito interessante perceber que muitos líderes adventistas pensam que suas opiniões e decisões são opiniões e decisões da igreja e de Deus, em pessoa. Essa mentalidade é tacitamente lançada sobre a membresia.
Com certeza, muitos membros de igreja ficariam confusos ao serem confrontados com o FATO de que muitas opiniões de líderes adventistas simplesmente passam longe de ser opiniões da “igreja”. Muita coisa do que os pastores Ivan Saraiva, Luis Gonçalves, Arilton Oliveira, Erton Kohler, e muitos outros, dizem, não representa nem de longe o pensamento da “igreja”, mas indica apenas suas convicções pessoais. E ainda que tais convicções sejam aplaudidas e partilhadas por muitos fiéis seguidores dentro da igreja, isso não torna tais opiniões em posições da igreja.
O Pr. Marcos também diz que (2) “os sublíderes queimam incenso para os superiores, que parecem celebridades e preferem ficar distantes do povo comum”. A cultura empresarial e midiática na qual a igreja adventista se posiciona no mundo hoje, pelo menos aqui na DSA, gera inúmeras interações e intenções complexas de seres desmascaradas e avaliadas.
A igreja tem uma estrutura organizada poderosa em muitos sentidos e é capaz de criar celebridades e pode fornecer poder a líderes selecionados sobre pessoas e sobre dinheiro.
Nas ante salas do poder existem servidores leais (geralmente pastores, mas não somente), mostrando serviço aos superiores com intenções que só Deus conhece, de fato. Mas pela postura desses subalternos em muitos momentos pode-se perceber, em alguns casos, que o desejo de ascender ao poder e à fama às custas da bajulação às maravilhosas ideias dos líderes (não importa o quão ruins essas ideias realmente sejam) é bastante comum em nosso meio.
O Pr. Marcos também diz que nesse tipo de igreja imperial (3) “a estrutura é mais importante do que a missão, a tradição vale mais do que a verdade, o ritual tem precedência sobre o espírito e o clero se distancia dos leigos”.
Certamente, a igreja vive numa certa tensão entre manter e ampliar seu poder econômico e realmente investir na missão. Isso sem questionar o que realmente é investir na tal da missão.
Também é fato que ao pregarmos aos outros, frequentemente usamos uma argumentação pesada contra a tradição delas, dizendo que as pessoas precisam se desvencilhar de tradições familiares, sociais e religiosas em nome de certos textos bíblicos que selecionamos, enquanto nós mesmos não largamos nossas próprias tradições, mesmo aquelas sem base bíblica alguma…
A importância que se dá à liturgia em comparação com a espontaneidade no culto frequentemente engessa a adoração e a torna repetitiva e cansativa para muitas pessoas.
Além disso, a sensação de distância entre pastores e membros é cada vez maior. Ou estou errado?
O Pr. Marcos também diz que (4) “os métodos são ditatoriais e os símbolos de poder são cultivados de modo deliberado”.
Sim, existem muitos ditadores nas comissão da igreja em muitos níveis, pessoas que fazem sua vontade pessoal acima de qualquer decisão dos próprios membros das comissões. Há milhares de histórias de eleições manipuladas para servir a interesses inconfessáveis.
Por fim, se diz que (5) “as vozes que desagradam as autoridades são silenciadas ou banidas para a periferia do império”. Perseguição e exclusão por razões de discordância simples em torno de pontos periféricos são reais e já ocorreram com muitas pessoas. Esse é um modus operandi relativamente comum, infelizmente.
Um pouco de auto crítica não faz mal a ninguém. Expor essas realidades não as resolve, mas estimula a transparência e o diálogo. Nós, como líderes da igreja, precisamos encarar a realidade dos fatos de frente diante de nossas comunidades, mesmo que isso implique em confessar nossos pecados, mas a boa notícia é que se o fizermos, seremos curados (Tg 5:16).
Defender a igreja não é sinônimo de fechar os olhos para seus problemas, mas envolve a disposição de tratar das coisas que precisam ser tratadas.
Feliz sábado!
(Ezequiel Gomes)