DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO

Vou fazer alguns comentários sobre um assunto sobre o qual normalmente evito debater, não só por ser um assunto árido, penoso, mas também por ver muito farisaísmo, pretensa defesa de princípios, legalismo, extremismos para ambos os lados da questão. De um lado, uma certa tolerância doentia de situações escandalosas, do outro muito desamor e intolerância. Em muitos casos é muito mais uma compreensão distorcida e pouco equilibrada da questão dos princípios.

Refiro-me ao assunto do divórcio e do novo matrimônio. Infelizmente esse é o clima que eu sinto em todas as discussões neste sentido, pelo elevado índice de animosidade que as pessoas manifestam quando discutem assuntos como esse.

Tenho amigos vivendo uniões sólidas, abençoadas, e eles são gratos a Deus, e por isso sempre dão gloria, porque não é virtude deles, da qual possam se orgulhar, mas obtenção e aceitação do favor divino, algo que devem sempre agradecer. Mas também tenho diletos amigos que passaram e ainda passam pelo vale das tristezas e lamentações de um casamento desfeito, separação, distanciamento de filhos, novas uniões e relacionamentos. E todos são pessoas sinceras, cristãos em busca do lar eterno, lutando com suas deficiências, dependendo da graça, da mesma forma que eu, você ou qualquer outro de nossos queridos em Jesus.

Conheço também pessoas que, à sombra do amor e perdão divinos, vivem uma vida leviana em seus casamentos, usando esses conceitos para justificar suas posturas descuidadas. E conheço também os que mantêm uniões absolutamente desgastadas e desonrosas, por força de não quererem “quebrar” princípios bíblicos. Mas lembrem-se, não estou julgando-os e nem acusando-os, pois também a estes a misericórdia de Deus é capaz de alcançar.

Infelizmente em nosso meio, os pecados e erros humanos têm sido considerados mais importantes que o próprio homem, por quem Cristo morreu. Brandindo princípios do Poder Civil, Manuais de Igreja, textos de escritores(as) e a Bíblia (nessa ordem), acusam, ofendem, machucam e afastam as pessoas de Deus, ao invés de buscá-las e entender suas lutas.

Jesus nunca aprovou a transgressão, mas também jamais expôs as ovelhas transgressoras e seus erros, simplesmente amou-as verdadeiramente, perdoando-as, por conhecer os seus corações, suas angústias e lutas não vencidas. E imagino o quanto sofria por ver a miséria humana.

Uma das coisas que mais me impressiona nas pessoas acusadoras e “defensoras” agressivas dos princípios, é que elas esquecem que elas próprias e seus mais diletos amigos e familiares, estão também sujeitas, amanhã ou depois, a passar pelo mesmo vale de tristezas. E o que normalmente acontece é que, quando isso ocorre, seu pensamento muda ou, pelo menos, abranda-se enormemente. Tornam-se mais tolerantes, e evitam expor os problemas de seus queridos, ao contrário do que fazem normalmente com terceiros. Isso é, no mínimo, para dizer suavemente, espírito de corpo (não confundir com espírito de porco), ou melhor em francês, Esprit de Corps. Algo que os nossos políticos e algumas classes profissionais manifestam no dia a dia.

Se procurarmos ver a maneira como a Divindade agiu com Davi, Salomão, Manassés, Raabe, Maria Madalena, a mulher Samaritana, a mulher pecadora, e tantos outros personagens, aprenderemos a diferença do amor que busca, que alcança, que recupera, que protege e que salva. Tão diferente de muitos de nós.

E não venha ninguém dizer que com isto estou aqui estimulando a leviandade e a destruição de lares e matrimônios. Nem me darei ao trabalho de responder tal coisa, porque lendo o meu texto, só dirá isso quem não tiver um mínimo de compreensão de nossa língua escrita. A aceitação de Deus manifestada aos personagens bíblicos citados acima, não nos dá o direito de sair errando “consciente e planejadamente”, mas dá sim, aos angustiados, aflitos, deprimidos, esquecidos, desamados, rejeitados, feridos, unidos em novos matrimônios decentes e estáveis, a certeza de que Deus os ama, os quer sempre, e os perdoa, pois conhece os motivos e segredos do coração. E o pecado que cometeram não é maior que aquele contra o Espírito de Deus, e por isso, estão na área de alcance desse amor maravilhoso.

Afirmo e reafirmo aqui a posição de Deus em relação ao casamento e ao divórcio. O casamento monógamo é e sempre será instituição divina. E o divorcio é sim, algo que Deus rejeita e detesta. A Bíblia está cheia dessas declarações.

No entanto, infelizmente, muitos, levados por suas deficiências, pelo afastamento de Deus, pelos erros, fraquezas, e por que não dizer, também em muitos casos, leviandade e devassidão, afastam-se de Deus, e consequentemente erram nesse particular, como em muitos outros (lembrem-se que não existe gradação de pecados, isso é uma espúria doutrina católica).

E apesar de todos os reclamos e orientações divinos, descasam-se, desencontram-se, sofrem, choram, tentam novas uniões, algumas das quais também acabam mais adiante, enquanto outras permanecem e geram filhos, que também são criaturas de Deus e ao alcance da salvação.

E o que fazer com essas pessoas? Puxa, alguém iluminado sugeriu que é simples, basta que abandonem seus erros e sua situação de “adultério”. Que declaração infeliz! Esquecemo-nos que estamos falando de problemas na vida de um ser humano, um militante filho de Deus, não na vida de uma planta ou um animal.

Como “sair de um erro”, se isso significa abandonar uma família atual, algumas já com anos de estabelecimento, com filhos, netos, relacionamentos de todo tipo, e voltar para uma família anterior, soluções que são humanamente inviáveis? Ouçam aqueles que não sabem, Deus jamais pediu isso, Jesus não pediu isso à mulher samaritana que estava no sexto relacionamento.

Isso significa ter uma visão bisonha e absolutamente simplista, não só da questão dos princípios, mas da própria vida e da humanidade. Só sugere isso quem jamais passou por tal problema e só se baseia em teorias pobremente entendidas. Jesus não aprovou o divórcio, mas também não disse o que fazer com quem se divorciasse e casasse novamente. Ele, provavelmente, não fez isso porque deixou para que exercêssemos nossa compreensão das mazelas humanas, nosso amor, nosso julgamento orientado pelo seu Espírito.

Se fosse fácil dar soluções eclesiásticas, não precisaríamos ter irmãos sacerdotes no rebanho, para buscar a ovelha machucada, e “pensar as suas feridas”. Que expressão bíblica profunda! Seria muito melhor ter num computador eficientemente programado, de um lado os princípios frios, do outro os nomes dos membros com a descrição de suas falhas. O programa checaria uma coisa contra a outra e faria um trabalho rápido e automático de eliminação sumária dos faltosos. Detalhe: não sobraria ninguém para contabilizar o saldo.

Aqueles que tanto usam as orientações do Poder Civil, Regimentos da Igreja e orientações de escritores considerados profetas ou profetisas, acima da própria Bíblia, deveriam saber que esse é o lado impetuoso e contrário à lei do espírito, entendendo que mais salutar errar pela misericórdia do que pela justiça e que se errarmos, que seja pela misericórdia, mais do que do lado da condenação e do procedimento áspero”.

Amigos, é muito fácil “legislar” sobre o problema do nosso próximo. É muito fácil encontrar soluções e aplicar disciplina na vida do irmão ao lado. É extremamente fácil brandir textos soltos dos escritos sagrados, sem considerar todo o contexto de amor do evangelho de Jesus.

Mas, para nossa bênção, todos os seres humanos serão julgados por Deus, e não por cada um de nós. Já dizia Davi, “melhor coisa é cair nas mãos do Deus vivo”. Nossas limitações são muitas, nossa paixão é exacerbada, nosso julgamento é pífio. Temos a orientação divina para agir com amor. Jesus veio a esse mundo em busca de relacionamentos, viveu entre o povo mais desprezado e vil, preocupou-se com suas mazelas, aproximou-se de quem tinha problemas, e que problemas!

Muitas vezes, na igreja, de qualquer denominação, sentimos que ela é muito mais um museu para santos do que um hospital para doentes, como deveria ser. Desejamos muito mais estar perto e ser amigos de quem tem empregos onde não há problemas com sábado, de quem não estuda em faculdades “mundanas”, de quem não tem problemas em seus matrimônios, de quem não padece ou não tem queridos padecendo de doenças “malditas” como a Aids, de quem não luta pessoalmente ou na família contra vícios como bebida, fumo e drogas, enfim, de pessoas sem problemas físicos, sociais, econômicos e espirituais aparentes. Como se isso fosse possível.

Olhemos para dentro de nós mesmos, entendamos que, como disse Davi, “somos pó”, vamos despir essa vestimenta cretina de justiça própria, e reconhecer que todo ser humano tem problemas pendentes de solução, tem falhas pessoais, tem ajustes a fazer em sua vida, é carente da graça de Deus.

É notório perceber quando há uma posição consciente, realista, que em hipótese alguma compactua com o erro, que reafirma a santidade das instituições divinas, mas que entende que todos sofremos as mazelas do pecado, e que temos que dar soluções a elas, ao invés de, comodamente nos escudarmos em princípios, abandonando o pecador à própria sorte, eliminando-o do nosso meio como um cancro incurável que a todos contamina e prejudica a santidade da unidade cristã.

Como sempre digo: vamos pensar, pensar, pensar não dói, e nos faz crescer. Não nos apeguemos às soluções prontas, óbvias e fáceis. A vida nos apresenta situações muito mais complexas e difíceis do que supõe a nossa pobre tendência religiosa. Temos a Bíblia e o Espírito de Deus para nos orientar. Temos o exemplo de Cristo e as histórias bíblicas. Temos um Deus de amor e um Cristo Salvador. Amém!

João Rangel Cunha – Juazeiro(BA), 20/09/2014

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