Ellen G. White: Os sonhos, as visões e os primeiros escritos (1844 -1851)

Texto publicado há 18 anos aqui no Adventistas.Com (Dezembro de 2001)

Análise dos escritos da irmã Ellen G. White durante o período 1844 a 1851. As primeiras experiências espirituais, crenças, sonhos e visões. Os escritos que depois foram suprimidos e a sua importância para entendermos o crescimento espiritual e a manifestação do dom de profecia hoje. Denúncia da manipulação dos textos, supressões e falsificações desnecessárias e pecaminosas. Não de um modo particular mas geral. — Ernesto Sarmento.

Esta 2a. parte trata, entre outras coisas, do episódio que ficou conhecido como “a descoberta de dado histórico adventista do século”, o episódio de Israel Dammon segundo registros policiais e judiciais da época do caso.

No período que foi de 1844 a 1851 podemos constatar que prevaleceu entre os adventistas do 7º dia certa euforia mística que não só afectou a igreja, mas principalmente o crescimento da profeta, a qual acabou por enveredar numa atitude infantil e sofrer as suas consequências. Todavia quem conhece o percurso da irmã White pode confirmar como nela se operou o dom de profecia e como cresceu pouco a pouco rumo à maturidade espiritual.

Aqueles que pensam que os profetas não erram ou que tudo o que diz é absoluta verdade, equivocam-se e acabarão ou por cair no fanatismo ou repudiar os testemunhos. Vamos pois analisar esse período inicial e atribulado em que se sustentaram doutrinas tão absurdas como aquela que afirmava que o tempo da graça havia terminado e portanto qualquer esforço missionário era descartado, ou que a segunda vinda de Cristo aconteceria em 1851.

Devemos enfrentar os problemas e explicá-los, em vez de enfiar a cabeça na areia – qual avestruz – e incorrer no pecado de negar conscientemente os factos. Muitos preferem não estudar estas coisas, mas Deus requer de nós inquirição e honestidade. Incluso certos pastores mentem descaradamente quando são confrontados com questões deste tipo, quando deveriam ser os primeiros em conhecê-las para poder pastorear o rebanho, especialmente prestar ajuda àqueles que crescem na fé e fazem perguntas que demandam sempre uma resposta espiritual, bíblica e do Espírito de Profecia. Não enxergam a tremenda responsabilidade que assumiram ao ser pastores, continuando a agir como apenas tivessem que prestar contas de si mesmos, apesar de serem, de facto (sublinhe-se) responsáveis por todo o rebanho que está entregue ao seu cuidado – ora, isso é uma tremenda responsabilidade, uma obra exigente e sagrada, uma tarefaque apenas poderemos descrever com estas palavras de Jacob: terribilis est locus iste.

Depois do desapontamento de 22 de Outubro de 1844 prevaleceu entre a comunidade de Ellen certa expectação da vinda de Cristo. Não entraremos aqui em discussão acerca do verdadeiro dia de expiação em 1844, mas registe-se que é necessário reconhecer que houve um erro na sua identificação, pois nesse ano o Yom Kipur ocorreu no dia 23 de Setembro. Isto não é problemático e deve aceitar-se sem prejuízos ou preconceitos, como também outros equívocos da mesma natureza. Seja como exemplo, a contagem dos 1260 anos desde ano 538 dC. De facto, em 527 Justiniano ascendeu ao poder, em 531 intensificou a sujeição de toda a igreja ao bispo de Roma (Papa), e em 533 conferiu-lhe o título de Rector Ecclesiae, pelo que nessa data o papismo já estava estabelecido. E se contarmos desde esta data (533), chegamos até 1793, quando começam os 3 anos proféticos, os quais Ellen confundiu, ao escrever: “Segundo o profeta, portanto, um pouco antes de 1798…” (CS, p. 134), quando o texto diz exactamente o revés (depois): “Quando acabarem o seu testemunho,…” (Ap. 11:7), quer dizer, depois dos 1260 anos (segundo a cronologia tradicional, depois de 1798, mas 1793 está antes!). Ora, nos Primeiros Escritos, a irmã White mostra claramente como a Deus, essas cronologias exactas, de facto não lhe interessam muito, ao escrever: “Vi o povo de Deus, com alegria, em expectação, aguardando o seu Senhor. Mas era intento de Deus prová-los. Sua mão ocultou um engano na contagem dos períodos proféticos. Aqueles que estavam esperando pelo seu Senhor não descobriram este erro, e os homens mais doutos que se opunham ao tempo também deixaram de o ver.” (p.236).

Refere-se aos primeiros cálculos, que levavam a 1843, em vez de a 1844, e muito certamente também ao primeiro cômputo nesse ano (Março de 1844) e obviamente podemos considerar também 22 de Outubro. Hoje sabemos que o dia exacto do Yom Kippur em 1844 foi 23 de Setembro, no Outono. E isto deveria assumir-se, sem qualquer problema, até porque geralmente a serva do Senhor coloca a ênfase na estação, mais do que no próprio dia e escreve: no Outono de 1844; evidentemente também ela não sabia que 22 de Outubro não coincidia com o Dia da Expiação, em 1844. Além do mais, o Dia de Expiação em que vivemos é um processo que já leva anos, e neste sentido conhecer o dia exacto do Yom Kippur em 1844, não era coisa importante, mas sim fazer o povo passar pela prova do desapontamento (essa era a intenção do Pai celestial, como se pode ler no texto supra). Por outro lado, os eventos da economia da salvação (soteriologia), são processos complexos, que não sucedem in abrupto, mas onde o elemento temporal serve apenas de orientação (são marcos ao longo da sequência profética), principalmente tratando-se de eventos celestiais (no céu, na eternidade). Mas voltemos ao assunto principal.

Depois do noivo tardar, como se entendeu, prevaleceu a ideia de que o clamor da meia-noite tinha sucedido nessa ocasião e que o Esposo veio à “ceia das bodas” em 22 de Outubro de 1844. O texto de Mateus reza: E saindo elas [as virgens insensatas] para comprar, chegou o noivo, e as que estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta!” Mat. 25:10.

Sustentavam que isso se cumpriu em 22 de Outubro de 1844, quando Cristo se levantou no santuário celestial e passou do Lugar Santo ao Lugar Santíssimo, fechando-se assim a porta da salvação para todos, excepto para “as virgens prudentes,” ou seja, os crentes adventistas que participaram no movimento de Guilherme Miller em 1844 e continuavam fiéis. Jesus agora estava “encerrado” com seu povo especial, e a sua tarefa consistia em prepará-los e purificá-los por meio de uma série de provas e tribulações para que fossem dignos de receber o Seu reino. Cristo estava ministrando só a Israel – os crentes adventistas.

Ensinavam que era tempo de prova, o que envolvia certos pontos da verdade, como o sábado, e que portanto o ministério de Cristo em favor da salvação dos perdidos tinha terminado. Ninguém mais se salvaria. O tempo da graça havia chegado ao fim.

Em Dezembro de 1844, Miller ainda escrevia que: “Ao advertir os pecadores e tentar despertar uma igreja formal, cumprimos nossa obra. Em sua providência, Deus fechou a porta; só podemos instar-nos mutuamente a ser pacientes.” Advent Herald, 11 de dez. de 1844.

Em 19 de Fevereiro de 1845, Miller escreve o seguinte: “Não vi nenhuma conversão legítima desde então [22 de outubro de 1844].” Voice of Truth, 19 de fev. de 1845.

Pelo final de 1848 muitos dos crentes na porta fechada, incluindo Miller, haviam abandonado essa doutrina estranha e herética; mas havia uns poucos adventistas que persistiam na doutrina da porta fechada. Dentre os quais destacava-se Joseph Bates. Ele ensinava que haveria um período de sete anos durante o qual Cristo provaria Seus filhos (baseava-se no ritual das sete aspersões que pertencia ao Yom Kippur). Acreditava que no final desse período, em 1851, aconteceria a segunda vinda de Cristo. Assim, em 1847 escreveu o seguinte: “A porta aberta de Paulo, então, era a pregação do evangelho aos gentios. Feche-se esta porta, e a pregação do evangelho não terá nenhum efeito. Isto é exactamente o que dissemos que ocorre. A mensagem do evangelho terminou no tempo assinalado com a terminação dos 2300 dias [em 1844]; e quase todos os crentes honestos que estão observando os sinais dos tempos o admitirão.” Joseph Bates, Second Advent Waymarks, 1847, pp. 97-110.

Também Tiago e Ellen White eram ardentes partidários da doutrina da porta fechada. De facto, em 1845, Ellen recebeu visões (não esqueça isto) que mostravam que a porta da salvação estava fechada. Lucinda Burdick, também do Maine, diz: “Ouvi falar pela primeira vez da Srta. Ellen G. Harmon (depois Sra. Ellen G. White) em princípios do Inverno (Janeiro ou Fevereiro) de 1845, quando meu tio Josiah Little veio à casa de meu pai e informou que havia visto uma tal Ellen Harmon no ato de ter visões que ela assegurava receber de Deus. Meu tio disse que ela afirmava que Deus lhe havia revelado que a porta da misericórdia tinha-se fechado para sempre, e que de agora em diante não havia mais salvação para os pecadores. Isto me causou grande inquietude e angústia mental, porque eu não havia sido baptizada e meu jovem coração se preocupou muito pelo que sucederia com a minha salvação se a porta da misericórdia estivesse realmente fechada.” Carta de Lucinda Burdick, Bridgeport, Connecticut, 26 de set. de 1908.

Ela recorda que: “Ellen estava tendo o que se conhecia como visões: Dizia que Deus lhe havia mostrado em visão que Cristo Jesus se levantou no dia décimo do sétimo mês de 1844 e fechou a porta da misericórdia; que havia abandonado para sempre o trono mediador; que o mundo inteiro estava condenado e perdido, e que jamais se salvaria qualquer outro pecador.” Miles Grant, An Examination of Mrs. Ellen White’s Visions, Boston: Advent Christian Publication Society, 1877.

Note que a mensagem de Ellen White era de que não restava qualquer obra por fazer a favor dos não-adventistas. O mundo estava irremediavelmente perdido.

O ministro adventista Isaac Wellcome recorda o seguinte: “Amiúde, estive em reuniões com Ellen G. Harmon e Tiago White em 1844 e 1845. Várias vezes a sustive enquanto caía ao solo – às vezes quando desmaiava durante uma visão. Ouvi-a relatar suas visões destas datas. Várias foram publicadas em panfletos, dizendo que todos os que não apoiavam o movimento de 1844 estavam perdidos, que Cristo havia abandonado o trono da misericórdia, que todos os que seriam selados o haviam sido, e que ninguém mais se arrependeria. Ellen e Tiago ensinaram isto por um ou dois anos. Recentemente, em suas visões publicadas, chamadas ‘Testemunhos,’ suas visões diferem amplamente, e contradizem suas visões anteriores directa e patentemente.” Ibid.

Não podemos desconsiderar esses testemunhos da época. São deveras verdadeiros documentos e qualquer investigador sério deve tê-los em linha de conta. Algumas mentalidades tacanhas, incluindo pastores, têm o desplante de manifestamente ignorar os factos. Ora, essa atitude é infantil, despropositada e desonesta. Sejamos prudentes e sinceros, senão viramos pocilga de pecados, omissões, falso testemunho, etc.

Em 1846, a irmã Ellen White escreveu algo que importa recordar, afirmando que a porta da salvação estava realmente fechada: “Enquanto em Exeter, Maine, ao estar reunida com Israel Dammon, Tiago, e vários outros, e muitos deles não criam numa porta fechada. Eu sofria muito no início da reunião. A descrença parecia estar por todo lado. Havia uma irmã ali que era considerada muito espiritual. Tinha viajado e fora uma poderosa pregadora pela maior parte do tempo durante vinte anos. Ela havia sido verdadeiramente uma mãe em Israel. Mas uma divisão havia surgido no grupo sobre a questão da porta fechada. Ela tinha tido grande misericórdia, e não podia crer que a porta estava fechada. (Eu nada soubera da diferença entre eles). A irmã Durben levantou-se para falar. Sentia-me muito, muito triste. Minha alma parecia em agonia o tempo todo, e enquanto ela falava, caí de minha cadeira ao chão. Foi então que tive uma visão de Jesus erguendo-se de Seu trono de Mediador e indo para o Lugar Santíssimo, como o Noivo indo receber o Seu reino. Todos estavam profundamente interessados na visão. Todos disseram que era algo inteiramente novo para eles. O Senhor operou com grande poder estabelecendo a verdade em seus corações. A irmã Durben sabia o que era o poder do Senhor, pois havia-o sentido muitas vezes; e pouco tempo depois que eu caí, ela foi atingida, e caiu ao chão, clamando para que Deus tivesse misericórdia dela. Quando eu saí da visão, meus ouvidos foram saudados com o cântico e clamores da irmã Durben em alta voz. A maioria deles recebeu a visão, e ficaram estabelecidos quanto à porta fechada.” Ellen White, Manuscript Releases, Vol. 5, p. 97

Muitos ainda não estavam convencidos. Por isso e sentindo a responsabilidade, os White começaram a viajar para anunciar e convencer os outros adventistas, como o Irmão Stowell, de que a porta da salvação estava fechada. Ellen escreve: “O primeiro sábado que passamos em Topsham [24 de Março] foi doce e interessante. Parecia que Jesus mesmo passava pelo meio de nós e espalhava sua luz e sua glória sobre nós. Todos bebemos um grande sorvo do poço de Belém. O Espírito veio sobre mim e fui arrebatada em visão. Vi muitas coisas importantes, algumas das quais as descreverei antes de fechar esta carta. Vi que o irmão Stowell, de Paris, vacilava sobre a questão da porta fechada. Pareceu-me que devia visitá-los. Embora o lugar ficasse a cinquenta milhas de distância e o caminho estivesse em condições muito más, cria que Deus me daria forças para fazer a viagem. Fomos e encontramos a necessária força. Não tinha havido uma reunião no lugar por mais de dois anos. Passamos uma semana com eles. Nossas reuniões foram muito interessantes. Tinham fome da verdade presente. Tivemos com eles reuniões livres e poderosas. Deus me deu duas visões enquanto estive ali, para grande consolo e fortaleza dos irmãos e irmãs. O Irmão Stowell foi firmado na doutrina da porta fechada e em toda a verdade presente de que havia duvidado.” Ibid., p. 93.

Leia outra vez o texto atentamente.

Veja o que Otis Nichols escreveu a William Miller em Abril de 1846 elogiando a Irmã White por suas visões acerca da porta fechada: “Sua mensagem sempre era acompanhada pelo Espírito Santo, e onde quer que fosse recebida como de parte do Senhor, quebrantava e derretia seus corações como se fossem criancinhas, e alimentava, consolava, e fortalecia os débeis, e os animava a apegar-se à fé, e ao movimento do sétimo mês; e que nossa obra para a igreja nominal e o mundo estava terminada, e o que restava fazer era a favor da casa da fé.” DF 105, de Otis Nichols para Guilherme Miller, 20 de abril de 1846. (Extraída de The Early Years, Vol. 1, pp. 75-76).

Outro testemunho da época, provêm de John Megquier, que vivia em Poland, Maine. Foi em sua casa que Ellen teve muitas das suas primeiras experiências carismáticas. Ele disse: “Conhecemos bem a trajectória de Ellen G. White, a vidente, enquanto esteve no estado do Maine. Algumas das primeiras visões que teve ocorreram em minha casa de Poland. Dizia que Deus lhe havia dito em visão que a porta da misericórdia se havia fechado, que não havia mais oportunidade para o mundo, que ela podia dizer quem tinha manchas em sua veste, e que essas manchas eram obtidas pondo em dúvida se suas visões eram do Senhor ou não. Então ela dizia o que fazer, o que cumprir, para recuperar outra vez o favor de Deus. Então Deus lhe mostrava, por meio de uma visão, quem estava perdido, e quem estava salvo em diferentes partes do estado, segundo houvessem aceitado ou rechaçado as visões.” Ibid.

O sentimento e a certeza dessa doutrina era tão forte que em 1847, Tiago publicou um documento intitulado A Word to the Little Flock (Uma Palavra ao Pequeno Rebanho), no qual ele e Ellen promoviam a doutrina da porta fechada. Nesse livrito, Ellen descreve uma visão que muitos recordarão. O texto diz assim: “Enquanto orava no altar da família, o Espírito Santo veio sobre mim, e parecia que estava sendo transportada mais e mais para o alto, bem acima do escuro mundo. . . Ergui os olhos, e vi um caminho recto e estreito que se estendia muito acima do mundo. Nesse caminho o povo do Advento estava viajando para a cidade, que se situava na sua extremidade. Tinham por detrás e no princípio do caminho uma luz brilhante que um anjo me assegurou ser o clamor da meia-noite. Essa luz brilhava ao longo do caminho inteiro e fornecia luz para os seus pés de modo a que não tropeçassem. Se mantivessem os olhos fixos em Jesus, que estava à frente deles, conduzindo-os para a cidade, estariam seguros. Mas logo alguns… negaram grosseiramente a luz atrás deles e disseram que não fora Deus quem os conduzira até tão distante. A luz por detrás desses extinguiu-se deixando-lhes os pés em total escuridão, e tropeçaram e perderam de vista o marco e a Jesus, e caíram para fora do caminho, mergulhando para o mundo escuro e ímpio em baixo. Era tão impossível para eles alcançar o caminho novamente e seguir para a cidade, como também para todo o mundo ímpio que Deus havia rejeitado.”A Word to the Little Flock, 1847.

Já leu isto em Primeiros Escritos, não é verdade? Compare e veja se nota algo de diferente.

No mesmo documento, Tiago acrescentou os seus próprios pensamentos sobre a doutrina da porta fechada. Escreveu o seguinte: “Jesus está claramente representado na Bíblia em seus diferentes caracteres, ofícios, e obras. Na crucifixão, foi o manso cordeiro que foi morto. Desde a ascensão até que a porta se fechou em Outubro de 1844, Jesus continuou com seus braços de amor e misericórdia abertos, pronto para receber e advogar a causa de cada pecador que viesse a Deus por meio dele. No dia décimo do mês sétimo de 1844, entrou ao Lugar Santíssimo, onde desde então tem sido um misericordioso ‘Sumo sacerdote sobre a casa de Deus.’” Ibid., pp. 1-2.

Lá por volta de 1848 muitos começaram a discutir a veracidade da teoria, mas os White e Bates continuaram insistindo e pregando a doutrina da porta fechada. Tiago iniciou uma nova revista mensal intitulada Present Truth, onde o tema central era o da porta fechada ou o fim da graça.

Ellen insistia com zelo inaudito que o dia da salvação para os perdidos tinha terminado. Em Agosto, Ellen publica na Present Truth o que o seu anjo acompanhante lhe tinha dito: “Meu anjo acompanhante me convidou a buscar ver o trabalho pelas almas dos pecadores, como antes existia. Olhei, mas não pude vê-lo, porque o tempo da salvação deles havia passado.” Present Truth, Ago., 1849.

A pregação daquele tempo dizia que Jesus devia regressar no Outono de 1851. Ora, em 1850 havia uma preocupação generalizada, a saber, que seus seguidores somavam apenas centenas e eles necessitavam de 144.000 para o Outono do próximo ano. Numa carta escrita a alguns amigos em Fevereiro, a irmã White anunciava alguns novos conversos à mensagem adventista: “As almas estão encontrando a verdade por toda parte aqui. São os que não ouviram a doutrina adventista, e alguns deles são os que saíram a encontrar o Esposo em 1844, mas que desde esse tempo foram enganados por falsos pastores até ao ponto de não saberem nem onde estavam nem no que criam.” Carta 4, 1850, pp. 1, 2.

Eis aí o primeiro indício de que os que não eram parte do movimento de 1844 podiam salvar-se. Note todavia como a irmã White cuida em dizer que essas pessoas eram cristãos que nunca haviam ouvido falar da doutrina adventista. Nenhuma esperança para os não cristãos e os cristãos que tinham rejeitado a mensagem de Miller de 1844.

Em Abril de 1850 debateu-se o tema da conversão e salvação dos filhos dos santos. Tinham-se passado quase seis anos desde o grande desapontamento, e muitas crianças nasceram entretanto. Poderiam salvar-se essas crianças apesar de não terem participado do movimento de 1844? A questão foi decidida na revista Present Truth: “Como elas estavam então (em 1844) num estado de inocência, tinham tanto direito a que seus nomes fossem registrados no peitoral do juízo como os que haviam pecado e tinham sido perdoados; portanto, estão sujeitos à presente intercessão de nosso grande sumo-sacerdote.” Present Truth, abril, 1850.

Em Maio de 1850 Tiago escreveu: “Mas o pecador, a quem Jesus havia estendido seus braços todo o dia, e que havia desprezado a oferta da salvação, ficou sem advogado quando Jesus saiu do Lugar Santo e fechou essa porta em 1844.” Present Truth, maio, 1850.

Particularmente interessante foi o que sucedeu pelo final de 1850.Herman Churchill, um homem que havia sido inconfesso em 1844 foi admitido na Igreja, contrariando a teoria. A decisão de Herman Churchill de unir-se aos crentes adventistas em Agosto de 1850 causou tamanha comoção entre os crentes da porta fechada, que Tiago escreveu estupefacto: “Um irmão (Herman Churchill), que não havia estado no Advento, e não havia feito profissão de religião até 1845, mostrava-se forte e claro na verdade inteira. Nunca se opusera ao Advento, e é evidente que o Senhor lhe havia estado guiando, embora sua experiência não tinha sido como a nossa. Os que, como ele, vêm para a verdade à hora undécima, podem esperar grandes provas.” Tiago White, AR, Ago., 1850, Early Years, p. 191.

Notemos que se trata do primeiro converso, em quase seis anos depois de 1844. Os adventistas ficaram deveras surpreendidos de que alguém, que não era parte do movimento de 1844, estivesse interessado em unir-se a eles. Naquele tempo isso foi qualquer coisa de inédito. Talvez seja conveniente citar aqui a George Butler, presidente da Associação Geral. Ele escreveu na Review and Herald de 7 de abril de 1885 sobre a conversão de Churchill: “O seu foi um dos primeiros casos de conversão do mundo à verdade presente, que ocorreram depois de 1844… Lembro-me bem quando chegou a Waterbury, Vermont, e assistiu às reuniões na casa de meu pai, onde uns poucos se reuniam de quando em quando. A princípio, ficaram bastante surpresos de que alguém que havia sido incrédulo manifestasse interesse na doutrina adventista. Não foi rejeitado, mas bem acolhido. Era fervoroso e zeloso, e ao discernir sua sinceridade, aceitaram-no como a um verdadeiro converso.” George Butler, Review and Herald, 7 de Abril de 1885.

Agora bem, em 1851 começou a ser mais e mais evidente para todos, que Cristo não iria regressar nesse ano. Por fim, não houve mais remédio do que repudiar a crença estapafúrdia e esdrúxula que até aí haviam defendido com tanto empenho.

Ellen havia caído na trampa e com a infantilidade de uma criança subscreveu precipitadamente essa doutrina herética. Mas Ellen ainda não havia crescido, não tinha experiência na utilização do dom que desabrochava nela. Com o tempo foi caminhando rumo à maturidade e já via as coisas não como menina mas com certo sentido de adulta; além do mais sabemos que na época as reuniões eram barulhentas, com muitas manifestações desorientadas e atrevidas, excessos e extremismos próprios da infantilidade espiritual (onde se gritava, andavam de gatas, proferiam sons e imitações esquisitas). Sobre isto falaremos abaixo.

Ellen teve então uma atitude sensata e mudou-se de região. Assim, em meados da década de 1850, os White foram para o Michigan. Lucinda Burdick escreve acerca da perda da influência deles na área da Nova Inglaterra: “Pouco tempo depois disso, a confiança e o interesse nesse fanático casal desapareceu, pois as visões, não só eram infantis e vazias de sentido, como absolutamente contraditórias… Havendo perdido tanto sua influência quanto seu campo de trabalho no Maine, logo partiram para o oeste, onde tiveram êxito em despertar considerável interesse e levantar um grande número de seguidores por meio de seus ensinos relativos ao sábado.” “Carta de Lucinda Burdick”, Bridgeport, Connecticut, 26 de set. de 1908.

Deveras os crentes não souberam encaixar tanta insensatez e tomaram novo rumo. Não perceberam que incluso os dons espirituais estão sujeitos ao crescimento, ao desenvolvimento. Que diria Paulo dessas coisas? Leia o que se disse acerca do que aconteceu em Corinto.

A coisa agora complica-se, pois Tiago influenciou Ellen e sub-repticiamente exerceu o direito do escrutínio revisando e retendo o que era bom dos escritos e experiências visionárias anteriores. Contudo cometeu a insensatez e a desonestidade de o fazer às ocultas, e tão bem o realizou, que, como veremos abaixo, mais tarde o presidente George Butler incorre num erro gravíssimo mas sem ter culpa no cartório. Tiago revisou todos os artigos de sua esposa e eliminou as partes objectáveis que tratavam da doutrina da porta fechada. Acabou com a publicação da revista Present Truth e iniciou uma nova, chamada “Advent Review and Sabbath Herald.” Voltou a imprimir a versão das visões de Ellen em 1851 num folheto de 64 páginas intitulado A Sketch of the Christian Experience and Views of Mrs. E. G. White, mas já amputado, manipulado e depurado – o que não está mal em si mesmo, senão o modo fraudulento em que o fez, mascarando e enganando conscientemente como se verá.

Isso não foi do agrado de todos os irmãos; e quando saiu o novo folheto, faltava 19% do texto original. Muitos membros horrorizados, protestaram e demandaram explicações, mas infelizmente só responderam mentiras (falsas promessas). A irmã White descreve como Tiago acalmou a perigosa crise: “Certa ocasião nos primeiros dias da mensagem, o Pai Butler e o Ancião Hart se sentiram confusos em relação com os testemunhos. Muito angustiados, gemeram e choraram, mas durante algum tempo não quiseram dar as razões de sua perplexidade. Todavia, pressionados para que explicassem a causa de sua conversação e comportamento sem fé, o Ancião Hart se referiu a um pequeno folheto que havia sido publicado como as visões da Irmã White, no qual, disse ele que sabia com certeza, que algumas visões não tinham sido incluídas. Diante de um grande auditório, estes irmãos falaram vigorosamente dizendo que haviam perdido a confiança na obra. Meu esposo entregou o folhetinho ao Ancião Hart, e lhe pediu que lesse o que estava impresso na página do título. ‘A Sketch of the Christian Experience and Views of Mrs. E. G. White’ [Um Bosquejo da Experiência Cristã e Visões da Sra. E. G. White], leu. Por um momento, houve silêncio, e a seguir meu esposo explicou que havíamos estado muito destituídos de meios económicos, e que a princípio só pudemos imprimir um pequeno folheto, e prometeu aos irmãos que quando levantássemos os meios suficientes, as visões seriam publicadas mais completamente em forma de livro. O Ancião Butler ficou profundamente comovido, e depois de que se havia dado a explicação, disse: inclinemo-nos diante do Senhor.’ Seguiram-se orações, pranto, e confissões, como raras vezes temos ouvido. O Pai Butler disse: ‘Irmão White, perdoe-me; temia que nos estivesse ocultando algo da luz que devíamos ter. Perdoe-me, Irmã White.’ Então o poder de Deus desceu sobre a reunião de uma maneira maravilhosa.” Mensagens Escolhidas, Vol. 1, p. 53.

O problema é que Tiago nunca cumpriu a sua promessa de imprimir todas as visões quando tivessem mais dinheiro disponível. Não só mentiu ele, mas induziu Ellen a mentir, pois ela certamente também acreditou nas intenções de Tiago. A verdade é que nunca mais se esclareceram essas questões e se não tivesse sido pelos acontecimentos da década de 1880, ainda hoje estariam ocultos e enterrados forever.

Ainda sobre a porta fechada lemos em carta de 2 de outubro de 1848 escrita por Tiago ao casal Hasting: “Os principais pontos sobre que nos fixamos como verdade presente são o sábado do sétimo dia e a porta fechada”. Confirma-o também Joseph Bates em 1850 no livrito An Explanation of the Typical and Anti-Typical Sanctuary, by the Scriptures: “O sábado e a porta fechada constituem, pois, a ‘Verdade Presente’ desta terceira mensagem angélica”. (p.16).

Sumiram todos os escritos inoportunos de Ellen White publicados no Word to the Little Flock e Present Truth. Por muitos anos a Igreja permaneceu na ignorância dessas coisas. Tão bem feito tinha sido a trafulhice (pelo Tiago), que ninguém questionava nada, salvo uns quantos.

Assim, em 1866, dois ministros adventistas de Iowa imprimiram um livro polémico. Isto causou uma divisão na igreja de Iowa e esses ministros foram criticados severamente pelos White (notem que escrevemos no plural, pois Tiago sempre influenciou Ellen).

A discussão começou a aquecer e em princípios da década de 1880, o presidente da Associação Geral, George Butler pretendia encarar o tema honestamente e resolver a questão de uma vez por todas. O ministro adventista D. M. Canright conta como Butler se acercou dele e de Tiago White e falaram acerca de voltar a publicar os primeiros escritos da Sra. White: “Por esse tempo Butler era presidente da Associação Geral, presidente da Associação Publicadora, etc. Um dia em 1880, veio ao escritório onde estávamos o Ancião Smith e eu. Com muita alegria, disse: ‘Esses rebeldes do Oeste dizem que suprimimos algumas das primeiras visões da Irmã White. Vou fechar-lhes a boca, voltando a publicar tudo o quanto ela escreveu naquelas visões O Pr. White se inclinou para a frente, baixou bastante a voz, e disse: ‘Butler, é melhor ir um pouco devagar nisso.’ Foi tudo. Não entendi o que significava essa advertência, tampouco Butler. Pouco depois falecia o Pr. White – em Agosto de 1881. Butler então seguiu adiante com o projecto, e em 1882 emitiu a edição actual de Primeiros Escritos.” D.M. Canright, The Life of Ellen White, cap. 8, 1919.

Note a advertência de Tiago, meia velada e nada explícita. Deveras, Tiago calou-se e manteve-se na retaguarda. Butler animado de um bom sentimento foi em frente e publicou Primeiros Escritos para silenciar os críticos de Ellen White. Depois que publicou o livro, Butler escreveu um artigo anunciando-o nos seguintes termos: “Estes são os exactos primeiros escritos da Irmã White publicados… Muitos desejaram grandemente ter em sua posse tudo o que ela escreveu para publicação… Tão forte era o interesse em ter esses primeiros escritos reproduzidos que há vários anos a Associação Geral recomendou por voto que fossem republicados. O exemplar sob consideração é o resultado desse interesse. Vem ao encontro de um desejo há muito sentido… Os inimigos desta causa, que não pouparam esforços por despedaçar a fé de nosso povo nos testemunhos do Espírito de Deus e no interesse manifesto pelos escritos da Irmã White, tiraram o maior proveito possível do fato de que seus primeiros escritos não estavam disponíveis. Eles falaram muitas coisas a respeito de termos “suprimido” esses escritos, como se nos envergonhássemos deles. Alguns tentaram fazer parecer que haveria algo objectável nesses primeiros escritos, que temíamos que viessem à luz do dia, e que cuidadosamente os mantivemos às ocultas. Essas insinuações mentirosas serviram ao propósito de enganar algumas almas desprevenidas. Eles agora aparecem em seu carácter verdadeiro com a publicação de vários milhares de exemplares deste livro “suprimido”, sobre o qual nossos inimigos insinuam termos estado ansiosos por ocultar. Alegavam estarem muito ansiosos por obter esses escritos para revelar seu suposto erro. Agora eles têm a oportunidade disso.” Advent Review, 26 de dez. de 1882.

Como George Butler disse mais acima, o livro foi escrito para silenciar os críticos de Ellen White. Butler não sabia da veracidade das acusações dos críticos, pois Tiago não teve a honestidade de contar para ele o que havia feito. Butler acreditava que estava verdadeiramente a publicar os primeiríssimos escritos (daí a escolha do título). Também no prefácio, os publicadores afirmam: “Tem-se despertado um grande interesse em todas as suas obras, especialmente nestas primeiras visões, e o clamor para que se publique uma segunda edição é imperativo.” ” Nenhuma alteração da obra original foi feita na edição actual, excepto o emprego ocasional de uma palavra nova, ou uma mudança na construção de alguma sentença, para melhor expressar a ideia, e nenhuma porção da obra foi omitida. Nenhuma sombra de mudança foi feita em qualquer ideia ou sentimento da obra original, e as alterações verbais foram realizadas sob as vistas da autora, e com sua plena aprovação”.

Esta trafulhice carente de intencionalidade por parte de Butler, envolve hipocrisia de Ellen, quase certamente induzida pelo esposo Tiago, mas Ellen também foi responsável porque sabia o que se tinha passado, e em vez de pedir ao marido explicações, perguntando-lhe porque não havia feito o que prometeu (ut supra), anuiu e foi conivente (de facto, uma marioneta). O livro causou controvérsia, como não seria de esperar outra coisa.

Imediatamente depois de que se publicou Primeiros Escritos, o Pr. A. C. Long publicou um tratado de dezasseis páginas intitulado “Comparison of the Primeiros Escritos of Mrs. White with Later Publications” (Comparação dos Primeiros Escritos da Sra. White com Publicações Posteriores). O Pr. Long mostra, linha após linha, que partes dos escritos da irmã White foram eliminadas. Os Primeiros Escritos contém apenas os escritos de Ellen White tomados do folheto publicado por Tiago em 1851 (uma trafulhice) e intitulado “Experience and Views.” A publicação de 1851, repetimos, não continha os primeiros escritos de Ellen White. A publicação de 1851 suprime todas as embaraçosas afirmações acerca da porta fechada. Na realidade, os primeiros escritos foram A Word to the Little Flock e os artigos de Present Truth publicados entre 1847 e 1850. Essa é a verdade. Tudo o resto, é preciso admiti-lo, são falcatruas, mentiras, omissões, manipulação, fraude, vigarice e desonestidade.

Considere-se este exemplo (as palavras suprimidas estão em maiúsculas): “Enquanto orava no altar da família, o Espírito Santo veio sobre mim, e parecia que estava sendo transportada mais e mais para o alto, bem acima do escuro mundo… Ergui os olhos, e vi um caminho recto e estreito que se estendia muito acima do mundo. Nesse caminho o povo do Advento estava viajando para a cidade, que se situava na sua extremidade. Tinham por detrás e no princípio do caminho uma luz brilhante que um anjo me assegurou ser o clamor da meia-noite. Essa luz brilhava ao longo do caminho inteiro e fornecia luz para os seus pés de modo a que não tropeçassem. Se mantivessem os olhos fixos em Jesus, que estava à frente deles, conduzindo-os para a cidade, estariam seguros. Mas logo alguns… negaram grosseiramente a luz atrás deles e disseram que não fora Deus quem os conduzira até tão distante. A luz por detrás desses extinguiu-se deixando-lhes os pés em total escuridão, e tropeçaram e perderam de vista o marco e a Jesus, e caíram para fora do caminho, mergulhando para o mundo escuro e ímpio em baixo. ERA TÃO IMPOSSÍVEL PARA ELES ALCANÇAR O CAMINHO NOVAMENTE E SEGUIR PARA A CIDADE, COMO TAMBÉM PARA TODO O MUNDO ÍMPIO QUE DEUS HAVIA REJEITADO. Logo ouvimos a voz de Deus como muitas águas…” Primeiros Escritos, &Word for the Little Flock).

Imaginem a surpresa de Butler. Agora ele entendia a advertência hipócrita (velada) de Tiago o falsificador e o silêncio de Ellen.

A irmã Ellen, em 1884 incorre no erro de escrever aquilo que alguém lhe sussurrou aos ouvidos e mente descaradamente: “Durante algum tempo após o desapontamento de 1844 eu de fato mantive, em comum com o corpo de adventistas, que a porta da misericórdia fora então para sempre fechada para o mundo. Esta posição foi assumida antes de minha primeira visão ter-me sido dada. Foi a luz concedida a mim por Deus que havia corrigido o nosso erro, e nos capacitou a ver a verdadeira posição.” Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, Vol. 1, p. 63.

A verdade é que Ellen teve visões antes. E isso qualquer adventista ilustrado no Espírito de Profecia e na História da Igreja o sabe. Ellen estava a mentir (o que não choca quando consideramos que era mortal e pecadora e portanto sujeita a “levar a sardinha para a sua brasa”).

Afirma que deixara de assim pensar por divina iluminação, e isso é possível, mas não constitui motivo para negar as visões anteriores. No trecho omitido de sua primeira visão (como se leu) Ellen viu que Deus tinha “rejeitado todo o mundo ímpio”, além dos adventistas que “tropeçaram” ao renunciarem a sua fé no nascente movimento.

Igualmente já se citou aqui textos daquele tempo, onde Ellen confirma o contrário do que aqui nos diz. Quem a manipulava? Dado que existem provas (veja ut supra) que Tiago influiu nessa decisão, cabe ponderar certa manipulação de Ellen (nesse e noutros assuntos). Acima vimos como Tiago tinha prometido repor o material em falta, mas isso foi coisa que ele jamais fez. Por chocante que possa parecer, Ellen foi de facto manipulada e o que escrevia controlado.

Recentemente, um estudante de um Seminário Adventista fez uma descoberta espantosa sobre o famoso caso Israel Dammon, que dissipou qualquer dúvida sobre a sua veracidade. Vejamos os factos que lançam nova luz sobre os primórdios do adventismo. Para a discussão crítica da credibilidade e fidelidade deste tema leia The Camden Vision Genuine de Gilbert Valentine (Anexo 1). Aconteceu em Março de 1986. Bruce Weaver, estudante de pós-graduação do Seminário da Universidade Andrews descobriu um informe jornalístico (no Piscataquis Farmer) acerca da detenção e julgamento de Israel Dammon, um dos adventistas e amigos de Ellen White. Ele descobriu que o artigo do jornal divergia da versão dada pela irmã White. Ellen tinha dado uma perspectiva adaptada dos acontecimentos, uma leitura parcial, omitindo muitos detalhes. No meio de tanta confusão é certo que não presenciou todos os detalhes. É igualmente possível que propositadamente tenha calado muitos pormenores. Vamos reconstituir os factos.

Regressamos a 1845. Logo após o desapontamento gerou-se entre os adventistas grande confusão religiosa, o fanatismo e o culto emocional. O culto era principalmente doméstico (em lares privados), e as reuniões incluíam fenomenologia “carismática”, onde se destacavam o “ósculo santo” como saudação, gritos latidos e cantos em voz alta, prostrações físicas (rebolar-se pelo chão, gatinhar, dar pulos, arrastar-se, etc.), baptismos múltiplos por imersão, visões (principalmente eram as mulheres que as experimentavam).

Sucedeu que no sábado, 16 de Fevereiro, Ellen chega à cidade, procedente de uma reunião em Exeter, no Maine, onde suas visões ajudaram a convencer a Irmã Durben de que aceitasse a doutrina da porta fechada (como já se referiu acima). Na tarde de sábado, os crentes adventistas reuniram-se na casa de Ayer em Atkinson, Maine. Israel Dammon dirigiu a reunião. Estavam presentes as visionárias Dorinda Baker e Ellen Harmon. O Pr. Tiago White também estava presente. O que aconteceu nessa tarde de sábado?

Privilegiamos in limine o depoimento de William Crosby, um advogado de 37 anos, o qual no tribunal dois dias mais tarde disse: “Às vezes falavam todos de uma vez, gritando a todo pulmão… uma mulher jazia de costas no solo, com uma almofada sob a cabeça; de quando em quando se levantava, e contava uma visão que lhe havia sido revelada… Foi a reunião mais ruidosa a que jamais assisti – não havia ordem nem regularidade, nem nada que se parecesse com alguma outra reunião que eu tivesse frequentado… ” Piscataquis Farmer, 7 de mar. de 1845 (in Bruce Weaver, Adventist Currents, “The Arrest and Trial of Israel Dammon”, Vol. 3, No. 1, 1988).

Outro testemunho é o do diácono Tiago Rowe: “Estava na casa de Ayer por um pouco no domingo passado à noite … Fui jovem, e agora sou velho, e em todos os lugares em que estive, nunca vi tal confusão, nem sequer numa farra de bêbados.” Ibid.

Loton Lambert, que esteve presente na reunião deu o seguinte testemunho juramentado no tribunal: “Estavam cantando quando eu cheguei – depois de cantar sentaram-se no solo – Dammon disse que uma irmã tinha uma visão para contar – então uma mulher no solo relatou sua visão. Dammon disse que todas as denominações eram de ímpios – mentirosos, libertinos, assassinos, etc.; também criticou a todos os que não eram crentes como ele. Ordenou que saíssemos. Ficamos. Dammon e outros chamavam Imitação de Cristo à mulher que jazia no solo relatando visões. Dammon nos chamou de porcos e diabos, e disse que se fosse o dono da casa nos expulsaria – a mulher a quem chamavam Imitação de Cristo disse à Sra. Woodbury e a outros que deviam abandonar todos os seus amigos ou ir para o inferno. Imitação de Cristo, como a chamavam, permanecia no solo um pouco, depois se erguia, chamava a alguém, e dizia que tinha uma visão que contar-lhe, o que então fazia. Havia uma garota que diziam dever ser baptizada naquela noite ou iria para o inferno. Ela chorava amargamente, e queria ver primeiro a mãe; disseram-lhe que tinha que abandonar sua mãe ou iria para o inferno – uma voz disse: Deixem que se vá para o inferno. Ela finalmente foi baptizada. Imitação de Cristo contou sua visão a uma prima minha, de que devia ser baptizada naquela noite ou iria para o inferno – ela objectou porque já havia sido baptizada uma vez. Diziam que Imitação de Cristo era uma mulher de Portland.” Ibid.

Tiago Ayer, confirmou ante o tribunal que a visionária a quem Lambert se referia como “Imitação de Cristo” era Ellen Harmon: “Vi a mulher com uma almofada sob a cabeça – o seu nome é Srta. Ellen Harmon, de Portland. Não a ouvi nem a qualquer outra pessoa dizer algo acerca de Imitação de Cristo.” Ibid.

A outra visionária era Dorinda Baker, a qual tinha uma saúde muito precária (como Ellen). A testemunha Joshua Burnham diz acerca dela:”Conheço a Srta. Dorinda Baker desde que ela tinha cinco anos – tem bom carácter – agora tem vinte e três ou vinte e quatro anos de idade. É uma moça muito doentia, seu pai gastou U$1.000 com médicos. Eu estive na reunião do sábado à noite – foi convocada para que a jovem contasse suas visões.” Ibid.

Tão desmesurado era o ruído, o caos e o barulho infernal da reunião, que a vizinhança ofendida com o evento decidiu chamar as autoridades para que a interrompessem. Vamos ler o que escreveu sobre isso a irmã Ellen White, quer dizer, a sua versão do que sucedeu quando o delegado chegou para deter a Israel Dammon: “… enquanto eu falava, dois homens espiavam pela janela. Estávamos seguros de suas intenções. Entraram e passaram rapidamente a meu lado até alcançar o Ancião Damman [sic]. o Espírito do Senhor posou sobre ele, e sua força desapareceu, e caiu ao solo indefeso. O oficial exclamou: ‘Em nome do estado do Maine, agarrem este homem!’ Dois homens o agarraram pelos braços, e outros dois pelos pés, e tentaram tirá-lo da habitação arrastado. Só o moveram uns poucos centímetros e logo saíram da casa. O poder de Deus estava nessa habitação, e os servos de Deus, com seus semblantes iluminados por sua glória, não ofereciam resistência. Os esforços para tirar o Ancião D. se repetiam com o mesmo resultado. Os homens não podiam suportar o poder de Deus, e era um alívio para eles sair da casa. O número deles aumentou até doze, e ainda o Ancião D. foi retido pelo poder de Deus por uns quarenta minutos, e nem sequer toda a força daqueles homens podia movê-lo do piso onde jazia indefeso. No mesmo momento, todos sentimos que o Ancião D. tinha que ir-se, que Deus havia manifestado seu poder para sua glória, e que o nome do Senhor seria glorificado mais se deixássemos que fosse levado dentre nós. E aqueles homens o levantaram tão facilmente como se levanta uma criança, e o levaram.” Ellen White, Spiritual Gifts, Vol. 2, pp. 40-41, 1860.

Ellen entendeu tudo como uma impressionante intervenção sobrenatural, mas é bem provável que na altura, no meio da confusão, e estando ela própria baixo influências espúrias entende-se as coisas desse modo. Ela não foi uma testemunha idónea do sucedido, pois, repetimos, estava na altura influenciada pelo caos e a desordem ali instaladas. O seu dom espiritual fora abafado e descontrolada repetia coisas insensatas.

Devemos compreender que Ellen estava então na mamadeira espiritual, era uma criancinha inexperiente, que começava a dar os primeiros passos. Envolvida num clima emocionalíssimo e descontrolado é perfeitamente admissível que tenha incorrido em extremismos e delírios extravagantes. Aliás, quando lemos pela primeira vez os testemunhos idóneos daqueles que testemunharam perante o tribunal da época, imediatamente percebemos que se tratava de uma situação muito semelhante ao que sucedera nos dias de Paulo com os crentes de Coríntio. Se não entendermos que até mesmo o exercício dos dons dependem da maturidade dos sujeitos que os experimentam, que se exige um auto-controle, certo domínio e portanto aprendizagem, como vamos entender aquilo que Paulo disse sobre situação similar aos coríntios? Quando os críticos explicarem que outra coisa disse Paulo, nós escutaremos atentamente. É lamentavelmente certo que a maioria dos crentes e até (e isto sim que arrepia!) muitos pastores (mas mesmo muitos) são absolutamente ignorantes destas coisas ou incapazes desta análise teológica, e contudo incorrem no erro de omitir, esconder, suprimir, negar, solapar, sonegar e deturpar os factos, mas semelhante atitude é infantil, despropositada, desonesta, tacanha, ignorante, desmiolada e esdrúxula. O grande problema reside numa apreciação incorrecta dos dons, os quais são encarados como algo de sobrenatural, de divino, do outro mundo. Ora, não é nada de isso. Existe o elemento divino mas através do instrumento humano e pecador, limitado e patológico (patos). Até Jesus teve de crescer em sabedoria e conhecimento, adquirir a experiência da vida, experimentando assim o desenvolvimento espiritual. Porquê Jesus apenas levou a cabo o seu ministério quando tinha aproximadamente 33 anos? E Jesus viveu sem pecado. Quanto mais uma pecadora como Ellen!

O conselho do apóstolo é para reter o bem e que a Igreja julgue, exerça o escrutínio à luz da Bíblia. Lamentavelmente essa tarefa importantíssima tem sido mal assumida pela Igreja Adventista, a qual tem cometido todo o tipo de atropelos e agido como um hipócrita (com letra grande) sempre que transparece uma coisa e faz outra, nomeadamente a manipulação dos assuntos, doutrinas, textos (pois tudo isso ela já praticou). Para não falar das suas duas caras, quando perante o mundo evangélico se transfigura, para dar uma outra face de si mesma, não importando sequer que tal implique a traição doutrinal. Neste contexto, que fez a Igreja com as doutrinas da natureza de Cristo e da expiação? Enrolar o mundo evangélico e ocultar dos crentes adventistas essas coisas. Nós até admitimos que as doutrinas possam ser analisadas e superadas, mas façam-no em diálogo com os crentes, com o seu conhecimento e jamais às escondidas. O pecado que isso envolve é enormíssimo. Foi cristão o modo como trataram o Pastor Andreasen? Um adventista dedicado, um teólogo benquisto e reconhecido que não merecia o desprezo que lhe deram, por se manter fiel a doutrinas reconhecidamente adventistas. Que respondam os responsáveis, esses fariseus hipócritas que frequentam a “sinagoga” em dia de Sábado, que falam de Jesus e dos mandamentos, mas na prática são pocilgas imundas!

O testemunho de Joseph Moulton, o delegado encarregado de prender Dammon, também é digno de nota. Ele disse em tribunal: “Quando fui prender o prisioneiro, fecharam-me a porta. Vendo que não podia alcançá-lo desde fora, forcei a porta. Cheguei até onde estava o prisioneiro, o tomei pela mão, e lhe informei a que viera. Várias mulheres saltaram e o rodearam – elas se agarraram a ele, e ele a elas. Tão grande foi a resistência que eu e três ajudantes não pudemos tirá-lo. Permaneci na casa e pedi mais ajuda; depois que esta chegou, fizemos uma segunda tentativa, com o mesmo resultado – novamente pedi reforço – depois que chegou, os vencemos e o tiramos detido. Tanto os homens como as mulheres ofereceram resistência. Não posso descrever o lugar – era uma gritaria constante.” Piscataquis Farmer, 7 de mar. de 1845 (citado in Bruce Weaver, Adventist Currents, “The Arrest and Trial of Israel Dammon”, Vol. 3, No. 1, 1988).

O testemunho juramentado de Moulton indica claramente que foram a mulheres e os homens que saltaram para ajudar a Dammon e o retiveram – e não o poder de Deus como entendeu Ellen. E os testemunhos são unânimes nesta apreciação, pelo que não restam dúvidas sobre o que deveras ocorreu. Se fosse o poder de Deus a cena não teria acabado como terminou.

Depois de passar o fim de semana na cárcere, Dammon compareceu a juízo na segunda-feira. A irmã White diz o seguinte acerca de Dammon no julgamento:

“Na hora do julgamento, o Ancião D. estava presente. Um advogado ofereceu seus serviços. A acusação contra o Ancião D. era de que havia alterado a ordem. Muitas testemunhas foram trazidas para sustentar a acusação, mas em seguida seus testemunhos foram desmentidos pelos dos conhecidos do Ancião D. que estavam presentes e que também foram chamados a depor. Havia muita curiosidade por saber no que criam o Ancião D. e seus amigos, e se lhes pediu para apresentar um resumo de sua fé. Então ele lhes falou em tom claro de sua crença a partir das Escrituras. Também sugeriu-se que cantassem algum de seus hinos, e a ele foi pedido que cantasse um. Havia um bom número de vigorosos irmãos presentes que o haviam apoiado durante o julgamento, e o acompanharam a cantar ‘When I was down in Egypt’s land, I heard my Savior was at hand.’ [Quando eu estava na terra do Egito, ouvi que meu Salvador estava perto].Foi indagado ao Ancião D. se tinha uma esposa espiritual. Ele respondeu que tinha uma esposa legal, e que podia dar graças a Deus de que ela havia sido uma mulher muito espiritual desde que a havia conhecido. Creio que as custas do processo lhe foram cobradas e foi posto em liberdade.” Spiritual Gifts, Vol. 2, pp. 41-42, 1860.

O jornal Piscataquis Farmer apresenta uma versão do processo um pouco diferente: foi Dammon que “pediu permissão” para cantar. Durante a etapa de sentença do juízo, foi permitido a Dammon falar em sua defesa. Note o que ele disse e sublinhe bem as crendices daquela época (que foram igualmente as de Ellen White como já se viu): “Ele [Dammon] argumentou que o dia de graça havia passado, que o número de crentes era reduzido, mas que havia muitos ainda, e que o fim do mundo se daria dentro de uma semana. Depois de consultar, o tribunal sentenciou ao prisioneiro passar dez dias na Casa de Correção…” Piscataquis Farmer, 7 de mar. de 1845.

Israel Dammon, pelo final de 1846 abandonou sua crença na porta fechada: “Estivemos relacionados com o Sr. e a Sra. White, e por um tempo tivemos confiança nas visões dela, mas por muitos anos não a temos tido em absoluto. Quando vimos que se contradiziam entre si, renunciamos a elas por completo, e nos aplicamos à Palavra de Deus. Passaram-se vinte anos ou mais desde que estivemos associados com a Sra. White. Recordamos perfeitamente, porém, que suas primeiras visões ou sua primeira visão foi contada tanto por ela mesma como por outros (especialmente pela Sra. White) em relação com a prédica da ‘porta fechada,’ e a fomos respaldar. Enquanto estava sob essa influência, e pregando as visões, ela, em visão, viu N. G. Reed e I. Dammon em estado imortal, coroados, no reino. Depois disso, ela os viu finalmente perdidos. Como podiam ser verdade as duas coisas? Penso que uma era tão verdade quanto a outra, e que Deus nunca lhe disse tal coisa.” Miles Grant, An Examination of Mrs. Ellen White’s Visions, Boston: Advent Christian Publication Society, 1877.

Ellen White não menciona que ele usou a “porta fechada” e o iminente regresso de Cristo como parte de sua defesa. Dammon foi encarcerado. Ellen não refere nada acerca da gritaria, das prostrações físicas, das demonstrações de humildade voluntária (arrastar-se, latidos), etc. Sabemos porém que esse era o ambiente das reuniões naqueles dias. Lucinda Burdick foi testemunha de muitas dessas reuniões ou cultos. Ela diz-nos: “Quando os conheci pela primeira vez [Ellen e Tiago White], eram exageradamente fanáticos – costumavam sentar-se no solo em vez de em cadeiras, engatinhar pelo piso como criancinhas. Tais extravagâncias eram consideradas sinais de humildade.” Miles Grant, An Examination of Mrs. Ellen White’s Visions, Boston: Advent Christian Publication Society, 1877.

Note bem os excessos e as extravagâncias da época, mas não esqueça que o mais importante é que ouve posterior desenvolvimento espiritual e abandono dessas infantilidades. Existiu crescimento espiritual. Se não somos capazes de entender as coisas nesta perspectiva ou modelo (paradigma) bíblico, então devemos obrigatoriamente renunciar a tudo o que Ellen jamais escreveu, e francamente, isso seria uma atitude tola, precipitada e despropositada. Infelizmente, isso é o que fazem os críticos. Mas, lamentavelmente a Igreja tampouco tem uma postura clara, honrada e digna sobre o tema, pelo que muitos bons crentes descarrilam ao aperceber-se de tudo isto. Incluso os críticos privam-se de atitudes mais moderadas porque a Igreja tem atitudes infantis, pouco éticas e desonradas.

John Doore testemunhou no tribunal que tinha”visto homens e mulheres gatinhar pelo solo sobre mãos e pés.” George S. Woodbury disse: “Minha esposa e Dammon passaram pelo piso gatinhando sobre mãos e pés.”

O irmão Bruce Weaver explica o que se passava nesses primeiros cultos adventistas:

“Um correspondente do Norway Advertiser oferece uma descrição do engatinhar que teve lugar na casa do capitão John Megquier em Poland, Maine: ‘Raras vezes se sentam em qualquer posição que não seja sobre o piso desnudo…. na reunião a que ele assistiu, uma mulher se pôs sobre as mãos e pés, e engatinhou por todo o piso como uma criança. Um homem, na mesma posição, a seguiu, chocando-se cabeça com cabeça várias vezes. Outro homem se estendeu de costas sobre a cama em toda sua extensão, e três mulheres o cruzaram com seus corpos.” Bruce Weaver, Adventist Currents.

Compare agora este texto que acabou de ler com este outro escrito pela irmã Ellen em 1894, e repare na maturidade desta última apreciação do culto cristão:

“Cada parte do serviço de Cristo se caracterizará pelo decoro e a reverência. A verdade de Cristo não pode limitar-se a um certo âmbito, mas será activa na criação do ambiente, da conduta, dos hábitos, e das práticas que estarão em harmonia com seu Autor. Tudo se fará decentemente e com ordem. Os métodos descontrolados, os caprichos estranhos, e a confusão não estão autorizados pelo Deus de ordem.” Ellen White, Signs of the Times, 27 de ago. de 1894.

Eis aí uma Ellen mais madura! Crescida, longe da infantilidade daqueles dias, mais perto do modelo bíblico. Neste assunto, porque noutros continuava defeituosa como pecadora que era. Tal é o caso das comidas e bebidas, em que mostrava um zelo excessivo, uma vontade enorme, e contudo manducava arenque, galinha, veado e especialmente ostras (carne impura) e o vício do vinagre (bomba alcoólica). Leia o nosso livrito Questões do Espírito de Profecia.

No princípio de sua carreira prevalecia a crença de que gritar era um método eficaz para lutar contra o diabo. Assim, em 1850, a irmã Ellen escreveu: “Vi que cantar amiúde afasta o inimigo, e gritar o faz retroceder.” Ellen White, Manuscript 5a, 1850; julho 1850, de East Hamilton, N.Y. Mas, mais tarde, por volta de 1900, a irmã White já tem um pensamento mais maduro e cristão acerca das reuniões ruidosas e escreve o seguinte: “Dou meu testemunho, declarando que esses movimentos fanáticos, esse barulho e confusão, foram inspirados pelo espírito de Satanás, que estava operando milagres para enganar, se possível, os próprios escolhidos.” Ellen White ao Irmão e Irmã Haskell, 10 de out. de 1900. Vê como ela evoluiu?

Este assunto abarca muito mais do que aquilo que à primeira vista transparece. De facto, ao vasculharmos o Espírito de Profecia verificamos que o relato que fora escrito pela irmã Ellen, acerca da detenção e julgamento de Dammon, foi publicado em 1860 no livro Spiritual Gifts. Contudo, quando esse livro tornou a ser publicado em 1877 com o título de Spirit of Prophecy, o incidente Dammon foi suprimido sem qualquer explicação, sub-repticiamente e de modo atrevido (tal como outros escritos, como já referimos). Ora, isso não é trabalho sério, mas sujo, abominável, diabólico, uma vez que foi feito no escuro, às escondidas.

O mais curioso deste “romance” é que a irmã White viu a Dammon no céu e mais tarde o viu perdido.

Conclusão

Os problemas levantados pelos críticos não são obviamente assuntos fantasma, mas temas reais e bem fundamentados. Referimo-nos àquela crítica que é feita com seriedade, credibilidade e fidelidade. Todavia parece-nos que tão absortos estavam em derrubar que acabaram por deixar prevalecer o preconceito e certo entendimento inadequado do papel dos dons espirituais na Igreja, bem como a autoridade e o dever desta proceder ao seu escrutínio apelando à Sola Scriptura, e quando não, ao bom senso.

Sucede porém que a Igreja tem desempenhado muito mal a sua função de supervisora e o que é mais grave, solapado, escondido, ocultado, manipulado, falsificado e omitido a torto e a direito. Tem feito tudo à merveille sem informar os seus membros, esquecendo que é um só corpo. Lamentável!

Por outro lado, para ler convenientemente o Espírito de Profecia urge aplicar certas regras básicas da hermenêutica e considerar o paradigma bíblico para entendermos os dons espirituais ou carismas.

Ellen não surgiu adulta e com maturidade espiritual, como resultado de algum toque mágico. No cristianismo não há lugar para magias. Ela foi criança espiritual como qualquer um de nós. Daí que enquanto estava na mamadeira tivesse incorrido em excessos, erros, extremismos, crendices, sandices e infantilidades mais frequentemente. Negar isso é trair o modelo paulino tal como foi exarado na epístola aos coríntios. Omitir como fazem alguns, negar a veracidade dos documentos (ignorantes!), serpentear as dificuldades (sofistas!), solapar os dilemas (hipócritas!), engrazular, falsificar e manipular os factos é atitude de vigarista e de mentiroso (algo diabólico!). O lastimável é que existem muitas cabeças onde serve estas carapuças!

Nesse período pretérito e inicial, digamos sem temer: infantil, cometeram-se muitos excessos e a irmã Ellen esteve envolvida nisso, evidenciando falta de controle do dom de profecia; mas quando entendemos que todas essas coisas mesquinhas foram depois ultrapassadas, superadas, e vemos como Ellen cresce rumo a certa maturidade espiritual, comprovamos que já vê as coisas de outro modo e baixo nova luz. Esta evolução, este desenvolvimento da personalidade e do carácter, esta aprendizagem (com altos e baixos) é uma garantia da sua fidelidade ao Evangelho (segundo o seu entendimento) e é bem visível pela leitura atenta daquilo que escreveu. O problema reside em não levar em consideração o contexto e a fase espiritual que havia alcançado quando disse certas coisas.

Não encontramos um modo mais apropriado para terminar este livrito do que lembrar estas palavras de Paulo:

“Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos, mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino, raciocinava como menino. Mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.”.

O que estava dizendo Paulo?

[email protected]

Fonte: https://www.nonsda.org/egw/port/egw1a.htm

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

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