O advogado adventista Luigi Braga, conhecido em nosso maio por suas palestras em igrejas de todo o Brasil e por prestar serviços à Divisão Sul-Americana como advogado geral, participou no último dia 15 de junho do 2º Seminário Internacional Liberdade Religiosa para Todos, realizado em Brasília.
Na ocasião, relembrou em vídeo sua atuação como representante da ANAJURE (Associação Nacional dos Juristas Evangélicos), perante o STF, cujos ministros analisavam o pedido da aplicação da Lei 7.716/1989 (Lei do Racismo) aos casos de homotransfobia, até que o Legislativo edite norma para regulamentar a matéria, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e o Mandado de Injunção (MI) 4733.
Após a apresentação do vídeo que postamos acima, o Dr. Luigi Braga falou de suas preocupações quanto à aplicação da Lei de Racismo às escolas, hospitais e outras instituições da Igreja Adventista, ao entender a apresentação do posicionamento bíblico sobre o homossexualismo como discriminatório e discurso de ódio, apreeendendo e impedindo a menção de textos bíblicos e até, eventualmente exigindo, por exemplo, que sejam aceitos como membros, funcionários ou alunos indivíduos assumidamente homossexuais.
Quem participou do evento, percebeu aparente boicote ao conteúdo apresentado, com cortes e muitas falhas no apoio audiovisual — e isso chegou a ser mencionado em tom de brincadeira pelo palestrante!, incidente que omitimos em parte e tentamos corrigir na medida do possível na reedição do vídeo:
Nota esclarecedora
Veja abaixo a nota publicada pela ANAJURE, após a conclusão do julgamento, que criminalizou a homotransfobia, entendida como expressão de racismo, sem alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa.
Ao ler a nota, observe que o STF entende a liberdade religiosa como liberdade de pregar e divulgar livremente o seu pensamento; liberdade de externar suas convicções em conformidade com os seus livros sagrados; liberdade de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica; liberdade de buscar e conquistar prosélitos; liberdade de praticar atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, seja coletiva ou individualmente.
Perceba que se trata de uma definição muito mais ampla e abrangente que a adotada pelo movimento ecumênico, do qual a IASD participa, denominando-o “diálogo inter religioso”.
Contudo, obviamente, segundo a decisão do STF, “as manifestações religiosas não devem configurar discurso de ódio, isto é, incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.
Íntegra da Nota
NOTA PÚBLICA SOBRE A TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DA ADO 26, RELATIVA À CRIMINALIZAÇÃO DA HOMO/TRANSFOBIA
O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE – no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor aos órgãos e entidades públicas e à sociedade brasileira sua posição acerca da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733.
O STF concluiu ontem (13/05) o julgamento da ADO 26 e do MI 4733, reconhecendo a mora do Congresso Nacional no tocante à criminalização de atos de homofobia e transfobia. Os Ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes se posicionaram pela aplicação da Lei 7.716/1989 (Lei do Racismo) aos casos de homotransfobia, até que o Legislativo edite norma para regulamentar a matéria, sendo essa a posição majoritária e vencedora. Manifestaram-se contrariamente os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, defendendo a necessidade de lei aprovada pelo Legislativo que tipifique a conduta. O Ministro Marco Aurélio não reconheceu a mora[1].
Concluído o julgamento, a tese[2] prevalecente foi a seguinte:
- Criminaliza-se a homotransfobia, entendida como expressão de racismo, com base nas disposições da Lei n. 7.716/1989, até que sobrevenha legislação emanada do Congresso Nacional que regulamente o assunto;
- A repressão penal à homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, garantindo-se aos fiéis e ministros os direitos de: (1) pregar e divulgar livremente o seu pensamento; (2) externar suas convicções em conformidade com os seus livros sagrados; (3) ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica; (4) buscar e conquistar prosélitos; (5) praticar atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, seja coletiva ou individualmente. As manifestações religiosas não devem configurar discurso de ódio, isto é, incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.
- Reformulação do conceito de racismo para englobar, além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, a dimensão social, partindo-se da perspectiva de que condutas racistas fundam-se numa construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico. Assim, acrescenta-se ao âmbito do termo a discriminação face às pessoas LGBT. (destaques nossos)
Desde o início dos debates acerca do tema, a ANAJURE tem se posicionado no sentido da necessidade de se proteger o direito fundamental à liberdade religiosa. Assim, desde a petição inicial de amicus curiae, passando pelos memoriais, notas públicas e sustentação oral no processo, deu o realce devido à mencionada garantia, explicando que seu campo de abrangência não inclui apenas a convicção interna do crédulo, mas também a sua dimensão pública, por meio do ensino, pregação, prática e ritos. Desse modo, não se poderia configurar homo/transfobia, por exemplo, a afirmação da incompatibilidade entre os padrões éticos e morais sustentados por uma confissão de fé e aqueles subscritos por quem mantém práticas homossexuais. Trata-se, na verdade, de consequência do pluralismo religioso e ideológico do nosso país (art. 1, V, CF) e, mais ainda, um desdobramento da liberdade de consciência e de religião.
Põe-se em relevo, nessa seara, que não são englobadas no âmbito da liberdade religiosa, nem se pretende que sejam, as condutas que imponham a qualquer indivíduo, seja homem ou mulher, heterossexual, homossexual ou transexual, situação humilhante, vexatória ou que busque sua exploração, escravização ou eliminação, visto que não se compatibilizam com o princípio norteador do sistema constitucional brasileiro: a dignidade da pessoa humana.
Portanto, neste aspecto, de resguardar a liberdade religiosa, “independentemente do espaço, público ou privado, seja coletiva ou individualmente”, a tese firmada pelo STF foi condizente com os fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro. Consideramos, por outro lado, que a tese deixou de abranger aspecto essencial, a objeção de consciência dos indivíduos que, por motivos de consciência religiosa, entendem não ser apropriado oferecer serviço ou produto que contrarie suas convicções. Fazemos referência, aqui, aos casos de confeiteiros, fotógrafos, floristas e outros profissionais que, baseados em convicção religiosa e de forma pacífica, se recusam a oferecer produtos ou serviços para cerimônias que contrariam às convicções de fé que possuem. Ressalta-se que, consoante ao que foi julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no famoso caso Jack Philips[3] (SCOTUS, Masterpiece Cakeshop V. Colorado Civil Rights Commission, 2018) nessas situações, não temos discriminação contra indivíduos ou homo/transfobia, apenas a recusa em oferecer determinado produto ou serviço, não sendo levados em consideração a religião, idade, orientação sexual ou identidade de gênero do cliente, mas aquilo que se requer do profissional.
Ressalva-se, ainda, elemento para o qual a ANAJURE já havia chamado a atenção em outras oportunidades[4], que é a criminalização de determinada conduta pelo Judiciário. Isso porque o texto constitucional é claro ao fixar que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (Art. 5º, XXXIX, CF/88). Assim, a edição de normas penais está sujeita ao princípio da reserva legal, e lei, em sentido estrito, é somente a norma produzida pelo Poder Legislativo competente – no caso, o Congresso Nacional, pois é competência privativa da União legislar sobre Direito Penal (art. 22, inciso I, CF/88[5]). Desse modo, importa considerar que a conduta do STF extrapolou sua área de atuação, em violação à Separação dos Poderes, ao legislar sobre matéria que se encontra em exame no Poder Legislativo[6], que, nos termos da nossa Constituição, é competente e dotado de legitimidade, conferida pelo escrutínio democrático, para estabelecer tipos penais.
Ante o exposto, a ANAJURE (i) reafirma sua posição no sentido de que a competência típica e privativa de legislar sobre direito penal pertence ao Congresso Nacional; (ii) reconhece que, apesar de ter adentrado em competência do Legislativo, o STF buscou, no julgamento da ADO 26, conforme análise da tese prevalecente, resguardar e proteger a liberdade de consciência e religião, englobando a pregação e livre divulgação do pensamento religioso; a expressão das convicções em conformidade com livros sagrados; a autonomia do ensino firmado em orientação doutrinária e/ou religiosa; o exercício do proselitismo; a prática de culto e respectiva liturgia; e as manifestações públicas e privadas, coletiva ou individualmente; (iii) enfatiza que continuará a trabalhar para que qualquer inovação legislativa, no âmbito do Congresso Nacional, que trate da criminalização da homofobia, inclua a devida proteção à liberdade de consciência, religião e de expressão, em todas as suas formas de expressão, individuais e coletivas[7]. (iv) repudia quaisquer atos de violência, preconceito e discriminação contra a população LGBT+, inadmissíveis em um contexto plural, de honra à dignidade da pessoa humana e de respeito às liberdades individuais, como prevê a Constituição Federal e as demais leis brasileiras.
Brasília, 14 de junho de 2019
Dr. Uziel Santana
Presidente da ANAJURE
[1] Portal STF – http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010
[2] STF – http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/tesesADO26.pdf
[3] Cf. Supreme Court Of The United States, Masterpiece Cakeshop, Ltd., Et Al. V. Colorado Civil Rights Commission Et Al. June 4, 2018. https://www.supremecourt.gov/opinions/17pdf/16-111_j4el.pdf
[4] ANAJURE – https://www.anajure.org.br/nota-publica-sobre-o-julgamento-da-ado-26-referente-a-criminalizacao-da-homofobia-e-transfobia/;
ANAJURE – https://www.anajure.org.br/nota-publica-sobre-voto-parcialmente-prolatado-do-ministro-celso-de-mello-durante-o-julgamento-da-ado-26/;
ANAJURE – https://www.anajure.org.br/wp-content/uploads/2018/12/Memorias.ADO26.Protocolada.pdf
[5] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
[6] São exemplos disso os Projetos de Lei n. 7.582/2014, 672/2019, 309/2004, 515/2017, 134/2018, 860/2019, dentre outros.
[7] ANAJURE – https://www.anajure.org.br/anajure-apresenta-emenda-ao-novo-projeto-de-lei-em-tramite-no-senado-que-criminaliza-homofobia/