Isaac Newton e a Trindade — 2: Isaac Newton poderia ter sido pioneiro adventista!

Jeova Sanctus Unus: Newton e a Alquimia

Por Rogério da Costa, Professor de Filosofia da UERJ e da PUC-Rio.
“Uma das maiores paixões de sua vida, como testificado por um vasto corpo de papéis que se estendem por trinta anos, um propósito o qual incluiu contato com círculos alquímicos como é atestado por suas cópias de tratados não publicados, permaneceu largamente escondido da visão do público e permanece como tal até hoje.” (tradução minha do original em inglês)

RICHARD WESTFALL, Never at Rest – A Biography of Isaac Newton, p.289
A relação de Isaac Newton com a alquimia ficou definitivamente comprovada com a divulgação de suas obras não-publicadas em 1942, por iniciativa do economista britânico John Maynard Keynes que havia comprado, seis anos antes, um lote de obras “not fit to be printed”, assim classificadas desde a morte do sábio inglês em 1727.
Desde então, os estudos acerca das influências alquímicas na obra de Newton já geraram clássicos acadêmicos como o The Foundations of Newtons’s Alchemy de Betty Jo Dobbs e a eruditíssima biografia Never at Rest de Richard Westfall, da qual reproduzo um trecho. O biógrafo, no capítulo dedicado aos estudos alquímicos de Newton, mostra como o físico dedicou-se avidamente aos experimentos e à leitura de obras de Alquimia.
A despeito de todo o estudo e de todos os esforços feitos até aquele momento, Westfall afirma que muitas lacunas importantes permaneciam abertas. As anotações de Newton trazem diversos nomes cujas identidades ainda são ignoradas, além de encontros com personagens misteriosos que Westfall especula (ele mesmo admite) se tratarem de eventos de “motivação alquimista”.
O que não é especulação, mas fato concreto, é que Newton inicia seus detidos estudos em Alquimia pelo ano de 1669. Sua extensa série de obras – grande número delas copiadas à mão pelo próprio Newton – sugere fortemente o contato com uma “sociedade de alquimistas ingleses largamente clandestina”(p. 286). A origem dessas obras é desconhecida.
É certo também que quando de sua morte, a coleção alquímica de Newton contava com cento e setenta e cinco volumes, entre livros e panfletos, perfazendo dez por cento de sua biblioteca. A referida coleção incluía volumes alquímicos anteriores ao século XVII e obras de autores contemporâneos como Sendivogius d’Espagnet e Eirenaeus Philalethes, objetos de atento estudo por parte do físico e matemático inglês.
Westfall, que teve acesso ao manuscritos alquímicos de Newton, estima que ele tenha devotado mais de um milhão de palavras à alquimia. Ainda segundo o biógrafo, Newton copiou e estudou, entre muitos outros, o Secrets Reveal’d de Philalethes, o Novum Lumem Chymicum eo Arcanum Hermeticae Philosophiae Opus de Sendivogius, Symbola Aurae Mensae Duodecim de Michael Maier, Opera de George Ripley, alquimista medieval, Triumphal Chariot of Antinomy de Basil Valentine, as coleções de tratados Theatrum Chemicum de Elias Ashmole, Turba Philosophorum, Ars Auriferae, Musaeum Hermeticum, além de citar em suas notas de estudo as autoridades de Morienus, Hermes Trismegistus, Tomás de Aquino, Bacon e outros.
Não obstante, adverte Westfall, o objetivo de Newton era precipuamente penetrar nos símbolos alquímicos e descobrir o processo comum a todas as transformações da Obra e, por isso mesmo, ele encarava a alquimia como referindo-se a mudanças em substâncias materiais. Por essa razão, seus estudos carregam a marca da experimentação contínua e do rigor matemático-racional, inclusive na aplicação de medições, não muito comuns na literatura ou na prática alquimista. Mostrava-se aí o método newtoniano – agora nas searas da alquimia – de deduzir leis fundamentais da observação atenta e aplicá-las extendo-as indutivamente a domínios diferentes do campo originalmente observado.
Jeova Sanctus Unus (anagrama de Isaacus Neuutonus), foi o pseudônimo alquímico utilizado por Newton durante seus estudos e experimentos que, longe de buscarem objetivos vulgares como transformar pedra em ouro, tinham como objeto a verdade por si mesma, a sabedoria. Para Westfall, foi essa busca incessante pela verdade que fez com que Newton logo se sentisse insatisfeito com os resultados do mecanicismo que ele mesmo postulara em seus tratados de Física.

Se no Principia ele advogava a ausência de “hipóteses não diretamente deduzidas dos fenômenos”, na Alquimia ele esposava princípios de uma ordem que ultrapassa o caráter inerme da natureza mecanicamente encarada.

“Na filosofia mecânica, Newton encontrou um enfoque da natureza que separou radicalmente o corpo do espírito, eliminou o espírito das operações da natureza e explicou-as somente pela necessidade mecânica das partículas de matéria em movimento. Alquimia, ao contrário, oferecia a incorporação quintessencial de tudo aquilo que a filosofia mecânica havia rejeitado. Ela olhava para a natureza como vida e não como máquina, explicava os fenômenos pela agência ativante do espírito e afirmava que todas as coisas eram geradas pela cópula dos princípios masculino e feminino.” (Westfall, p.299)

Influenciado pela alquimia e pelo “platonismo de Cambridge” (Henry More, em especial) e instigado pelo desejo de refutar o ateísmo que julgava depreender-se das idéias de Descartes sobre um universo físico constituído somente por extensão (matéria) e movimento obedecendo inflexivemente a leis mecânicas de choque e tração sem nenhuma intervenção divina, Isaac Newton, nos diz Westfall, teria buscado uma solução que ultrapassasse o fantasma do mecanicismo estrito. Isso constituiria a “rebelião” de Newton (título sugestivo do capítulo de Never at Rest dedicado às pesquisas alquímicas e teológicas newtonianas).
Philip Ashley Fanning, em seu livro Isaac Newton and the Transmutation of Alchemy defende que o teor positivista do Principia tinha como objetivo duplo encobrir e proteger as crenças alquímicas de Newton. Dessa forma, o físico poderia explanar uma teoria mecanicista e, ao mesmo tempo, advertir o leitor de que seu ponto de vista não significava uma afirmação acerca da natureza dos fenômenos físicos, senão uma descrição matemática de seu comportamento através de propriedades hauridas na observação direta.
No plano dos princípios matemáticos da filosofia natural tudo poderia ser apreendido pela observação meticulosa sem se fazer nenhuma tentativa de construir “hipóteses” sobre a natureza mesma daquilo que se observa. Que o comportamento das grandezas no mundo poderia ser explicado a partir de princípios matemático-mecânicos, isso estava fora de dúvida. Se o mundo era constituído somente de partículas materiais em movimento, isso já era outra questão a qual a filosofia natural parecia não poder responder sem ultrapassar seus limites metodológicos intrínsecos.
Todo esse discurso teria como fonte não uma retórica afetação de humildade, mas um desejo sincero de preservar o âmbito próprio daquilo que está para além do mecanicismo, como também ocultar uma série de opiniões que estariam em pleno desacordo com a ortodoxia científica que se formava.
Não é possível ignorar ou subestimar um elemento importante que pode ajudar a entender o caráter privado das convicções alquímicas de Newton: a natureza secreta de todo o hermetismo. Se Newton fez parte realmente de um grupo de alquimistas clandestinos, como quer Westfall, então nada seria mais natural do que um esforço calculado de ocultação ou mesmo de despistamento com o fim de evitar os olhares dos curiosos e, principalmente, dos incapazes de compreender a Obra.
A forma como a alquimia e as influências platônicas e teológicas influíram na obra científica de Newton ainda são objeto de discussão e demandam estudos mais aprofundados. O que está claro pela pesquisa histórica e pelo advento dos manuscritos de Keynes é que Newton tinha interesses que iam muito além do campo da física matemática e que adentravam em esferas consideradas irracionais pela tradição iluminista que, a partir do século XVIII, vai tomá-lo como patrono e profeta. Mas certamente confirma-se aqui a regra de que os mestres são sempre mais interessantes e sutis que seus discípulos e, principalmente, do que aqueles que se pretendem defensores de suas obras.

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

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