Isaac Newton e a Trindade – Parte 4: Teologia Ariana, igual à dos pioneiros adventistas

Newton teólogo: o discípulo de Arius

Por Rogério da Costa, Professor de Filosofia da UERJ e da PUC-Rio.

“Bem antes de 1675, Newton já havia se tornado um ariano no sentido original do termo. Ele reconhecia Cristo como o divino mediador entre Deus e o homem, que era subordinado ao Pai que o criou. Cristo recebeu o direito de ser venerado (embora não com a adoração devida ao Pai) por ter se humilhado e por ter sido obediente até a morte. O homem Jesus era para Newton não a união hipostática da divindade com a natureza humana em uma pessoa, mas o logos criado encarnado num corpo humano, de tal forma que ele, e não o homem, pudesse sofrer na carne. Por sua obediência, Deus o exaltou e o elevou ao lugar à Sua direita.” (tradução minha do original em inglês, itálico no original) — RICHARD WESTFALL, Never at Rest – A Biography of Isaac Newton, p.313

Além de seu comprovado envolvimento com a Alquimia, Isaac Newton dedicou-se durante toda sua vida intelectual às questões sutis da teologia. Seu interesse nessas matérias data de antes de 1672 e se estende pelo resto de seus dias.

Tais estudos, contudo, tinham um caráter privado e permaneceram desconhecidos do mundo acadêmico até a descoberta feita por Keynes na primeira metade do século XX. A razão para esse segredo foi facilmente compreendida quando os manuscritos teológicos de Newton foram estudados.

Ao contrário do que muitos poderiam esperar, influenciados pela máquina propagandística do Iluminismo dos philosophes franceses do século XVIII e de seus sucessores, o patrono das ciências não era indiferente às questões religiosas, mas sim um abnegado estudioso de teologia que gastou anos de sua vida pesquisando a história do cristianismo, bem como perscrutando as Escrituras e os escritos dos padres da igreja.

Os resultados de seus estudos, entretanto, o levaram a abandonar secretamente a ortodoxia e a abraçar a heresia ariana. Segundo Richard Westfall, Newton estudou privadamente quase todos os grandes autores da tradição cristã: “Atanásio, Gregório Nazianzeno, Jerônimo, Agostinho, Ireneu, Tertuliano, Cipriano, Eusébio, Eutíquio, Alexandre de Alexandria, Epifânio, Hilário, Teodoreto, Gregório de Nissa, Cirilo de Alexandria, Leão I, Vitorino, Rufino, Manêncio, Prudêncio e outros.”(p. 312)

Seu principal interesse residia nas controvérsias cristológico-trinitárias do quarto século que definiram a natureza divina de Jesus. Para Newton, uma grande fraude havia ocorrido nessa época e suas consequências funestas se estendiam até seus dias. A fraude começara quando Atanásio, o egípcio, venceu a polêmica contra Arius, introduzindo a doutrina da Trindade e, por conseguinte, a da divindade de Cristo.

Newton acreditava que o centro dessa doutrina estava na palavra grega homoousios – “mesma substância” – usada no Concílio de Nicéia para descrever a relação existente entre Deus e Jesus. Haveria uma Trindade consubstancial e indivisível e Cristo seria sua segunda pessoa, na qual o divino e o humano estariam unidos harmonica e hipostaticamente.

A palavra homoousios foi usada originalmente por Alexandre, bispo de Alexandria, na sua acusação de heresia contra Arius e retomada nas definições de Nicéia. Uma série de deturpações das Escrituras teriam sido levadas a cabo pelos hierarcas da Igreja – principalmente Atánasio – para tornar a doutrina trinitária aceitável. E como consequência, apontava Newton, o erro e a heresia se espalharam em formas variadas que iam desde a concentração de autoridade nas mãos dos eclesiásticos até a introdução da “perversa instituição” do monaquismo.

Entre 1672 e 1675 Newton define sua cristologia ariana na qual Cristo não é da mesma natureza que Deus Pai, mas sim o logos encarnado que, por sua obediência, é digno de receber a honra e a exaltação. As Sagradas Escrituras, segundo o cientista inglês, jamais usam o termo “Deus” referindo-se a nenhum outro a não ser ao Pai. Naquelas mesmas páginas sacras, o Filho sempre confessa sua dependência com relação a Deus, além de reconhecer que o Pai é maior que ele e atribuir-Lhe unicamente a presciência de todas as coisas. A união entre Jesus e o Pai é como aquela que existe entre os santos e nada mais.

Mas, e quanto às declarações cristológicas de São João? Newton responde:

“Quando, depois que alguns heréticos tomaram Cristo por um mero homem e outros o viram como o supremo Deus, São João, no seu Evangelho, quis determinar sua natureza [de Jesus], de tal modo que os homens pudessem ter a partir daí uma apreensão correta dele e evitar aquelas heresias, ele usou, para esse fim, chamá-lo palavra ou logos. Devemos supor que ele entendia esse termo no mesmo sentido em que era usado no mundo antes que ele o usasse, quando aplicado da mesma forma a um ser inteligente. Pois se os discípulos não usassem as palavras da forma como as encontravam, como poderiam esperar ser corretamente compreendidos [?]. Ora, o termo logos antes que São João escrevesse, era geralmente empregado no sentido dos platonistas, quando aplicado a um ser inteligente, e os arianos o compreenderam no mesmo sentido e, por conseguinte, deles é o verdadeiro sentido de São João.” (p.316)

Westfall assevera que Newton via Atanásio como o heresiarca-mor, aquele que havia corrompido o Cristianismo inoculando-lhe um veneno que até a Reforma fôra incapaz de extirpar. Essas opiniões, é claro, o físico as mantinha privadamente, de tal modo que, após sua morte, seu secretário pessoal não se furtava a louvar-lhe publicamente a perfeita ortodoxia em matéria de religião.

Fonte: http://oleniski.blogspot.com/2011/07/newton-teologo-o-discipulo-de-arius.html

Newton teólogo II: o ariano e o Apocalipse

Por Rogério da Costa, Professor de Filosofia da UERJ e da PUC-Rio.

Isaac Newton acreditava que o Cristianismo havia sido corrompido no quarto século pela introdução de uma doutrina herética segundo a qual Jesus seria da mesma natureza que Deus Pai (homoousios) e que, com o Espírito Santo, eles formariam uma trindade consubstancial e indivisível.

A doutrina trinitária trouxera para o seio da Igreja o maior dos pecados: o culto idolátrico. Cristo, então, se tornara um deus a ser cultuado com as mesmas honra e adoração devidas ao Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Um pecado de tal magnitude, Newton considerava, teve e ainda teria consequências funestas e terríveis.

Não é de se admirrar que esse evento se tornasse a pedra angular da interpretação newtoniana das profecias bíblicas. O físico inglês se dedicara ao seu estudo desde a década de 1670 e continuou a escrever inúmeros manuscritos sobre esses assuntos – e os revisou constantemente – pelos quase cinquenta anos que se seguiram. Após sua morte, um único volume conheceu publicação: Observations upon the Prophecies of Daniel and the Apocalypse of St. John.

Richard Westfall informa – em sua magistral biografia Never at Rest – que Newton considerava que a essência da Bíblia estava mais na profecia da história humana do que na revelação de verdades supraracionais sobre a vida eterna e que não havia em toda a Escritura “livro mais recomendado e mais guardado pela Providência ” que o Apocalipse joanino. (Westfall, p.319)

Com o intuito de perscrutar seus segredos, Newton recolheu toda a informação possível e disponível à sua época para esclarecer o sentido das linhas proféticas da Bíblia. Seu rigor matemático o levou a introduzir uma metodologia rígida na interpretação das profecias que intentava torná-la livre das fantasias alegóricas e pessoais e aproximá-la, o máximo possível, do ideal de uma ciência demonstrativa.

Entre suas regras estão: “atribuir um único sentido a uma passagem; manter um único sentido para as palavras dentro de uma visão; dar preferência ao sentido que estiver mais próximo do sentido literal da palavra, exceto onde uma alegoria é claramente exigida; aceitar o sentido que se segue mais naturalmente do uso e da propriedade da lingugem e do contexto; preferir interpretações que, sem deturpação, reduzam as coisas a uma maior simplicidade; as interpretações devem aplicar-se aos mais importantes eventos de uma era, e não aos obscuros.” (Westfall, p. 326)

Newton não concentrou-se em relacionar as profecias aos eventos de sua época, mas a julgar a história humana a partir de seu evento mais importante: a Grande Apostasia, iniciada no quarto século pela introdução da doutrina herética e idolátrica da divindade de Cristo, o que desviou os cristãos do culto do único e verdadeiro Deus.

A interpretação newtoniana é complexa e intrincada, extendendo-se por inúmeros manuscritos constantemente reescritos. Embora seja impossível reproduzí-la aqui em todos os seus detalhes, é possível apontar, por exemplo, que Newton interpretava a abertura dos sete selos no Apocalipse como sucessivas eras na história da Igreja. O sétimo selo revela o início da Grande Apostasia, em 381, quando Atanásio, apoiado pelo imperador Teodósio, consegue vencer os debates conciliares e estabelecer a doutrina trinitária.

Ali começa a adoração da Besta e de sua Imagem, ou seja, da Igreja e do Império. Iniciam-se as depravações, deturpações bíblicas, cultos heréticos, profanos e pagãos, nascem as superstições mais baixas, como a adoração das “relíquias carcomidas de desprezíveis plebeus” (Westfall, p.323), entre outras tantas abominações. Por causa desses pecados, seis ondas de invasões bárbaras assolam o Império, correspondendo às seis trombetas que soam depois do sétimo selo.

A verdadeira Igreja era daqueles que não se prostituíram na idolatria, um resto, pouquíssimas pessoas escolhidas por Deus, livres de interesse ou do assentimento submisso à educação recebida ou às autoridades temporais e que se põem diligentemente na busca pela verdade. Entretanto, a restauração final do verdadeiro culto a Deus não se daria ainda na sua época, mas duzentos anos depois, quando se completassem os 1260 anos de apostasia, cujo ápice se encontrava na quarta trombeta, no ano de 607 D.C.

Quando soar a sétima trombeta, Cristo retornará e porá fim ao período de apostasia, ressuscitando os mortos, recompensando os bons e castigando os réprobos. Os reinos do mundo serão dissolvidos e substituídos pelo verdadeiro Reino de Cristo, que dará fim à falsa igreja, institucionalizada, secularizada e idólatra. Arius e seus seguidores terão, enfim, vencido a luta contra a Grande Apostasia.

Newton, portanto, não via o “fim do mundo” como um evento cataclísmico que encerraria a história humana, mas como um restabelecimento da verdadeira e única religião em todo o mundo. Sua postura traz em si uma tintura milenarista, na qual o Reino de Cristo se instaura neste mundo.

Não se pode negar que a interpretação newtoniana só é de utilidade para aquele que compartilha de sua premissa central, a idéia de que a Grande Apostasia repousa na adoção da doutrina trinitária no quarto século. Para a maioria dos cristãos, romanos, ortodoxos, anglicanos e boa parte dos protestantes clássicos, esse partis pris é absolutamente inaceitável. A adoção do arianismo determina não só sua interpretação das profecias contidas nas Escrituras, mas também sua concepção de Deus e da escatologia final.

As consequências de suas crenças, contudo, não se limitam ao plano teológico-confessional. Uma das mais amargas foi a necessidade de permanecer privadamente herético num ambiente majoritariamente ortodoxo. Em outros termos, Newton teve sempre que disfarçar suas idéias arianas para viver no mundo protestante anglicano. Suas iradas invectivas contra os partidários do trinitarismo tinham que ficar restritas aos seus manuscritos pessoais ou, no máximo, serem proferidas na solidão de seu quarto.

Ironicamente, Newton pertencia ao Trinity College em Cambridge. Para assumir seu cargo como professor lucasiano em 1669, ele teve jurar conformidade com a Igreja Anglicana. Em 1675 ele foi instado pelas regras da faculdade a se ordenar clérigo. A situação era dramática para Newton, pois de um lado estavam suas inegociáveis convicções arianas e, de outro, a perspectiva de ser defenestrado da faculdade e perder todo o apoio material e financeiro que tornavam possíveis suas pesquisas.

Salvou-o, quase no último momento, um decreto real que dispensava da ordenação os professores do Trinity College. Assim, o físico e matemático permaneceu ali como professor, negando secretamente a mesma Trindade sob cuja proteção sua faculdade se colocava.

Fonte: http://oleniski.blogspot.com/2011/07/newton-teologo-ii-o-ariano-e-o.html

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

Além disso, veja também:

Terra Plana e a Queda das Estrelas no Final dos Tempo – Parte 2

junta-se @religiaopura no Telegram

Terra Plana – A Verdade nas Escrituras – Parte 1

junta-se @religiaopura no Telegram

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.