O Kalupetekismo: Entre herois e mártires de uma causa promovida pela ignorância de todos nós
Por Albano Pedro, jurista angolano
Luanda – O PROBLEMA: Em países em que os talentos e a dignidade da pessoa humana são admirados e respeitados, um homem como José Kalupeteka, capaz de mobilizar mais de 3 mil almas para uma causa religiosa que arranha todos os marcos do cepticismo comum nos homens, seria visto como um verdadeiro génio. Tendo surgido nos ecrãs dos médias — telas da mídia — com os inusitados eventos que vem promovendo envolvendo os fiéis da seita religiosa (Igreja do 7º dia Luz do Mundo) que fundou há mais de 10 anos, seria chamada a dar entrevistas em jornais, apresentar palestras em conferências e, até mesmo a ser convidado a escrever um livro ou a permitir que um escritor qualquer rabiscasse algumas notas da sua estranha e fulgurante trajectória de missionário a título biográfico. Seria repentinamente uma pessoa notável cujas ideias seriam facilmente difundidas entre os seus concidadãos dando possibilidade de serem condenadas por uns e defendidas por outros.
Ou seja, se fosse nos EUA, José Kalupeteka já teria amealhado alguns milhões de dólares pela fama repentina desde que a TPA, RNA e Jornal de Angola começaram a campanha de difamação contra sua genial figura. Em Angola, indivíduos assim, não passam de dementes que até são condenados por especialistas em criminalística, psicologia e todos os “ofícios”, em nome de um fanatismo partidário qualquer, sem chegarem se quer a perceber a pessoa ou a estudar os fenómenos sociais que desencadeiam e assim matam-se os talentos inatos que muito contribuiriam para o desenvolvimento desde país.
O fenómeno José Kalupeteka só não está a ser devidamente percebido, e por isso está a ser gravemente manipulado, por duas principais razões: A primeira razão, está no facto das pessoas não conhecerem os meandros da DOUTRINA ADVENTISTA que sustenta a acção missionária de José Kalupeteka e a obediência aparentemente “cega” dos seus fiéis, muito longe de se confundirem com valores religiosos comuns aos católicos e outras igrejas cristãs. E disto vem a ignorância sobre as motivações dos fiéis pelas pessoas que vão acompanhando os eventos pelos meios de comunicação social. A segunda razão, está no facto de as pessoas que vão precipitadamente condenando as acções dos fiéis e do seu líder, não perceberem que a ordem pública ou os bons costumes só podem ser violados pela via da Lei. Ou seja, só violando a Lei é que José Kalupeteka e seus seguidores podem estar agir contra a ordem pública ou social contrariando os bons hábitos e os bons costumes.
E o que é certo é que antes das mortes dos agentes da PN (polícia Nacional) e da “carnificina” que vem assolando os fiéis (incluindo os indivíduos estranhos à seita visto como suspeitas de seguirem José Kalupeteka – e fala-se em mais de 700 fieis já mortos em retaliação), nenhum especialista que se emprestou as manipulações da imprensa foi capaz de explicar que leis foram violadas por José Kalupeteka e seus sequazes. A irresponsabilidade de tais especialistas apurou apenas os mesmos “lugares comuns” que podem ser veiculados por kitandeiras e roboteiros em conversas de praça. Ou seja, sabem apenas falar de condutas indecorosas ou contra os bons costumes (e sem fundamento na lei) muito longe de perceberem que contribuíram criminosamente para o ambiente de INTOLERÂNCIA RELIGIOSA que levou a condenação da Igreja do 7.º Dia Luz do Mundo pelos cidadãos por essa Angola fora e a agressão dos agentes da Polícia.
Houve atrevidos cotados no mercado da bajulação como “experts” em vender serviços de culambismo que não tiveram dificuldades de comparar a pequena seita de Kalupeteka ao gigantesco e multinacional grupo de guerrilheiros islamistas conhecido como BOKO HARAM, num claro exagero que só demonstra desconhecerem este último grupo. Nos argumentos assoberbados e sem “iluminação científica” de um outro que entendeu rotular Kalupeteka de psicopata deu para ver um amontoado de inveja e “mau-olhado” pela fama repentina desse líder religioso. Para estes especialistas, sem brilho para ganharem fama e prestígio no meio de um simples grupo duas pessoas, tudo foi mais fácil chamar José Kalupeteka de maluco.
Os absurdos nesse episódio que me ajudaram a descobrir o genial e modesto Kalupeteka foram tais que a própria administração do Município da Cáala “conseguiu” encerrar uma Seita (a própria Igreja Adventista do 7º dia A Luz do Mundo) que afinal nem é legalizada. Como é que a administração pública encerra algo que não foi reconhecida pelo Estado? Ou já é possível ILEGALIZAR algo que é ilegal?!!!
OS FACTOS
A verdade é que os factos não estão claros para todos que estão fora do campo de batalha entre os fiéis e as forças da ordem pública. A ocultação e a manipulação dos factos que ocorrem, pelas autoridades e pela comunicação pública, em nada ajudam a descobrir a verdade dos factos. A primeira vez que ouvi falar do caso Kalupeteka nos mídias, fazia-se referência ao abandono e venda de moradias por parte de cidadãos identificados com a seita Kalupeteka no Bié. As imagens da TPA mal chegaram a apresentar uma quantidade de casas que justificasse a quantidade de populares que alegadamente tinha abandonado o local.
A segunda vez, a situação já era em Luanda. Uma rádio luandina relatou o acontecimento convocando vários populares que condenavam o genial Kalupeteka por alegadamente estar a levar as pessoas a abandonar os empregos, as escolas e as próprias moradias. Uma das senhoras entrevistadas lamentava o facto de o seu filho ter deixado de frequentar a escola (já estava na 7ºa classe) pela acção persuasiva de Kalupeteka. A estes acontecimentos seguiu-se uma onda de agitação promovida pela comunicação social pública misturando depoimentos dramáticos de cidadãos que mal percebiam o problema e as opiniões infamatórias de alegados especialistas chamados a analisar a situação.
Esta incitação a condenação da seita de Kalupeteka promovida pela imprensa abriu brechas para manipulações políticas. A dada altura surgiram depoimentos alegando que Kalupeteka estava ligado a interesses de partidos da oposição. O que se seguiu a tudo isso, foi o contacto entre agentes da PN e fiéis que acabou num ambiente dramático onde a quantidade de mortos continua a somar até ao momento. Já não consegui perceber o que os agentes da PN (ainda por cima oficiais) foram fazer – sem mandato ou ordem de captura – no monte em que se encontravam os pacatos cidadãos?
E depois vem a estranha versão de que os agentes da PN interpelaram os fiéis sem armas e estes ripostaram violentamente quando é certo que os órgãos de comunicação oficial parecem ocultar as mortes produzidas entre aos fiéis até que os agentes da PN acabaram abatidos a golpes de vários instrumentos contundentes ou cortantes. Para justificar (ou minimizar) a agressão que os fiéis vão sofrendo, a mesma imprensa pública veicula um comunicado oficial condenando a seita pelas mortes dos agentes da ordem pública.
No meio disso a TPA vem mostrar imagens em que “descobre” que Kalupeteka maltratava os fiéis chamando-lhes por KAPANGA numa clara descontextualização do credo religioso praticado pela seita, quando a palavra SERVO DO SENHOR (o mesmo que escravo do senhor) passa vezes sem contas nos programas religiosos oficiais apresentados pela mesma televisão pública sem quaisquer comentários pejorativos (inclusive nos tais cultos em que chamam os fiéis de SERVO aparecem figuras proeminentes da nossa sociedade que em situação normal jamais aceitariam ou tolerariam que alguém os chamassem em tom pejorativo.
Para sublinhar a situação vem o próprio Presidente da República em comunicado oficial a condenar as acções da seita, numa estranha contribuição ao ambiente inflamado, quando nem sequer se pronunciou quando os nossos concidadãos do Lobito foram vitimados pela calamidade natural ocorrida recentemente. Portanto, não é difícil perceber que o caso Kalupeteka vai resvalando para um caso de TERRORISMO DE ESTADO contra os cidadãos no pleno exercício das suas liberdades (no caso, religiosas) por acção de uma manifesta manipulação política.
AS QUESTÕES RELIGIOSAS (DOUTRINA)
No contexto da religião cristã de cariz protestante, o ADVENTISMO tem a suas particularidades. É a única que observa INTEGRALMENTE os 10 mandamentos da Bíblia Sagrada (é a única que observa o Sábado como dia santo, daí ser Adventista do 7º Dia); os seus fiéis obedecem parcialmente o Antigo Testamento (por uma lado não comem certas carnes e certos peixes tal como vem escrito nas escrituras sagradas e por outro lado não apedrejam os adúlteros embora as mesmas escrituras recomendem essa conduta).
Entretanto, a principal marca do ADVENTISMO consiste na crença de que Jesus, o salvador, está as portas. A qualquer momento vem para resgatar a humanidade da destruição que vai ocorrer em todo o universo através do fim-do-mundo. O próprio Jesus pressagia esse advento “NÃO RESTARÁ PEDRA, SOBRE PEDRA”. Tal é percepção ecuménica da destruição do mundo (universo). Porém, essa destruição será antecedida de sinais evidentes que levarão os fiéis a prepararem o encontro com Jesus Cristo, o salvador.
O livro do Apocalipse fala na manifestação do ANTICRISTO. Esse é o ponto fulcral da doutrina adventista que é de certeza aquela que entre as doutrinas cristãs que melhor explora os recursos que serão utilizados para a perseguição daqueles que amam e seguem a Deus. Por entenderem serem os únicos que observam integralmente os 10 mandamentos, os adventistas crêem serem os verdadeiros filhos de Deus aos quais Jesus Cristo virá salvar. Portanto o resgate da humanidade não é mais do que o resgate dos adventistas do 7º dia.
E como é que o ANTICRISTO se vai manifestar antes da chegada de Cristo? O estudo dessa doutrina revela que o Anticristo será o próprio Estado com as suas forças de acção e imposição sobre os cidadãos. Ou seja, o Anticristo (DEMÓNIO, DIABO, SATANÁS, BELZEBÚ) vai incorporar os próprios agentes do Estado para manifestar-se (aqui quem tem criatividade pode pensar na saga de filmes MATRIX).
Acredita-se que num futuro indefinido no tempo acontecerá que o mundo terá uma nova ordem política e económica que envolverá todos os Estados. Essa nova ordem mundial vai ser dominada por uma economia onde a moeda será uma e única (nesse sentido a União Europeia, Comunidade Francófona de África e outras regiões económicas do mundo em que existe já uma moeda única para os países membros são antecâmaras para essa nova ordem que se vai instalar). Nessa nova ordem, as pessoas serão marcadas pelo número da Besta que é simbolizada pelo número 666 (diferente do número divino 777) para serem considerados cidadãos de pleno direito.
Essa marca é feita de diferentes formas como sejam, pelo registo da Identidade civil das pessoas, pelo controlo das transacções entre os homens, etc. A aplicação de código de barras em todos os documentos de identificação e nas próprias pessoas (pele) será comum no controlo eficaz de toda a humanidade. Esse mecanismo será então a arma do ANTICRISTO para dominar os homens (controlando aqueles que vai levar consigo para o fogo eterno) e perseguir os filhos de Deus. Estes serão aqueles que tudo farão para não serem CONTROLADOS.
Ou seja, os verdadeiros cristãos tudo farão para não serem marcados em quaisquer formas de registos, para não usarem dinheiro em transacções; em resumo: para não interagirem com o resto da sociedade. Nesse caso, os cristãos devem fugir da dominação do Estado controlado pelo ANTICRISTO, abandonando as grandes e pequenas concentrações urbanas ou comunitárias, como condição para a salvação e reencontro com Jesus Cristo. O livro do Apocalipse, e outros evangelhos, trazem então os avisos do próprio Deus para que os verdadeiros cristãos escapem da acção dominadora do ANTICRISTO cuja finalidade é levar a humanidade para o inferno em que foi condenado o Diabo a arder para todo o sempre.
É aqui em que reside a força da crença dos fiéis da Igreja Adventista do 7º dia que os levará a empreender as acções de retiro às matas deixando de estar sob o controlo da sociedade quando o ANTICRISTO se manifestar. Mas todos os adventistas crêem num cenário pior: os cristãos serão perseguidos, maltratados e massacrados. Apenas aqueles que resistirem até ao fim, cumprindo os mandamentos serão salvos.
Contudo, Deus não permitirá que o ANTICRISTO extermine todos os seus filhos. Levantará então um exército que vai travar a batalha final dos tempos contra as forças controladas pelo ANTICRISTO. É o conhecido ARMAGEDÃO que consiste na batalha final entre as forças do bem e do mal. Acontecerá então que as forças do bem, sendo a minoria, estarão no limiar da extinção perante a esmagadora força controlada pelo ANTICRISTO. É nessa altura que Deus enviará os seus anjos (exército celestial) e, nisso desce Jesus Cristo em companhia do Anjo Gabriel e outros anjos para arrasar com todos os exércitos do mal que perseguem os filhos de Deus. Pois, o próprio Deus vai levantar-se contra as investidas do seu adversário intemporal quando sentir que os seus verdadeiros filhos serão completamente eliminados.
Diz-se que quando o Anticristo tocar na menina dos olhos de Deus (os verdadeiros cristãos) então descerá fogo dos céus que devorará as forças do mal colocando fim a toda a humanidade. É o fim-do-mundo. Aqui pode alojar-se o cerne das acções violentas protagonizadas pelos agentes da Policia e os fiéis, se tudo não tiver sido provocado pelas próprias forças da ordem pública que acederam ao local do retiro.
O que José Kalupeteka fez com os fiéis da seita (Igreja Adventista do 7º Dia A luz do Mundo) que dirige foi tão só precipitar estes eventos dramáticos que estão por acontecer num tempo indefinido. Para José Kalupeteka o Anticristo já está entre nós (incorporou o Estado angolano). As suas acções revelaram-se já com o registo da população angolana através do Censo de 2014. As próprias campanhas de vacinação, são formas subtis de registo e controlo para o alcance dos cristãos pelo Anticristo. Mais do que isso é preciso já não integrar a própria sociedade controlada pelo Anticristo. É preciso vender os bens, deixar o emprego, a escola e retirar-se para longe da presença do Estado já dominado pelo diabo, o SATANÁS.
José Kalupeteka, profeta de Deus, tem a plena convicção de que já lhe foi revelado o dia e a hora da chegada de Jesus Cristo que é afinal este ano (Dezembro de 2015). Se o fim do mundo está tão próximo assim, para quê ter casa para morar? No céu todos terão casas quando forem arrebatados pelo Jesus Cristo que virá das nuvens. Para quê estudar ou trabalhar? As necessidades terrenas já não existirão no paraíso em que os cristãos viverão ao lado de Jesus Cristo. Aqui é que está o cerne do KALUPETEKISMO.
Para José Kalupeteka, um orador que incorpora a mensagem de Deus, não é difícil ter sucesso nessas acções de retiro da sociedade. O que está a fazer em tão só, pôr em acção a doutrina Adventista que pressagia esses eventos desde que foi fundada. Afinal não há doutrina religiosa (que eu conheço) que melhor explora os acontecimentos futuros descritos no Livro do Apocalipse. Aliás, o ADVENTISTA, é aquele que espera pela vinda do senhor. Numa frase lapidar: aquele que aguarda pelo fim-do-mundo.
AS QUESTÕES DE DIREITO (LEGAL)
Depois de percebido os eventos, o que é que se pode ver de ilegal nas acções de José Kalupeteka? Existirão certamente vários motivos que levaram a exaltação do KALUPETEKISMO como escândalo social que arrastou os angolanos a condenarem as acções identificadas com os seus fiéis. Mas analisando aquelas que se tornaram evidentes nos meios de comunicação social interessa examinar as seguintes:
Seita ilegal – Diz-se que a Seita Igreja Adventista do 7º Dia a Luz do Mundo não é reconhecida pelas autoridades administrativas e, por conseguinte é ilegal. Ainda bem que o caso Kalupeteka destapa esse problema completamente “maltratado” na ordem jurídica angolana. Há uma confusão engendrada pelas autoridades nesse caso que leva a limitar direitos e liberdades consagradas constitucionalmente. Simplesmente porque se confunde deliberadamente a liberdade de religião e culto com a instalação de igrejas (espaços em que se exercem a religião e o culto).
Na verdade, o Estado sendo laico, portanto separado da igreja, não pode intervir na liberdade de religião e culto. Intervindo nesta esfera, o Estado deixa de ser laico para fazer prospecções sobre as boas ou más doutrinas religiosas capazes ou não de entrar em choque com os interesses do Estado. Não deve e, nem pode, intervir na forma como as pessoas praticam a religião e fazem os seus cultos. O que o Estado faz é o chamado CONTROLO EXTERNO da liberdade de religião e culto. O que significa que o Estado controla as acções das pessoas prevendo aquelas que violam ou não a lei. Aqui, a consequência jurídica de um acto religioso é o que interessa. Portanto, é pela violação da lei que o Estado deve estabelecer parâmetros de controlo da liberdade de religião e de culto.
Não há problemas nenhuns em termos Muçulmanos entre nós, se há interesse em encerrar as suas mesquitas, basta que os seus cultos e prácticas religiosas violem alguma lei. Aqui os argumentos de que os bons costumes estão a ser violados pelas práticas religiosas sem que ofendam efectivamente a Lei não fazem qualquer sentido (há até governantes que veiculam orgulhosamente esse disparate). É claro que mesmo por essa via não seria fácil apanhar José Kalupeteka cuja ficha missionária não parece entrar em contradição com a lei.
Abandono e Venda de casas (moradias) pelos moradores – Do ponto de vista jurídico as pessoas são livres de disporem dos seus bens. Em matéria de direitos reais (direito de propriedade imobiliária, no caso), o Direito romano ia ao ponto de permitir que os seu titular usasse, abusasse e destruísse livremente o seu bem. Contando que fosse provada a autenticidade da sua titularidade. Dizia-se então, que o Direito de Propriedade compreendia o Ius utendi, Ius fruendi e ius abutendi, i.é, o direito de usar, abusar e destruir.
Modernamente, em nome da chamada economia dos bens eliminou-se da maioria das ordens jurídicas a ideia da possibilidade de destruição de um bem pelo seu legítimo proprietário. Já não se admite o direito de propriedade num sentido tão absoluto em que seja possível um bem ser destruído voluntariamente pelo seu proprietário. Não se admite que alguém ateie fogo a sua própria moradia ou viatura para provar aos outros que não depende deles para sobreviver numa clara demonstração de poderio financeiro. Já é visto como violador dos bons costumes e da própria ordem pública. Quem assim proceder entra em contas com a justiça por simples desordem social que a sua conduta demonstra.
É claro que a destruição que venha a ocorrer pelo uso imprudente do bem não será condenada por ser uma mera consequência de uma outra acção. A ordem jurídica angolana não é diferente a isso. Portanto, os cidadãos identificados como fiéis do KALUPETEKISMO são livres de vender ou abandonar as suas moradias. É certo que se forem moradias alheias (tomadas por arrendamento), deverão fazer entrega aos respectivos donos antes de as abandonarem. Que desordem social se pretende ver nesta conduta? Ou já foi inventado o CRIME DE ABANDONO DE CASAS? (com a moda dos Atipismos na nossa ordem jurídica nada me espantaria é claro!)
José Kalupeteka é tido como useiro e vezeiro na incitação de desordem social tendo sido acusado de ter incitado os fiéis de não participarem em campanhas de vacinação pública e no censo geral da população e habitação de 2014. O que os analistas esquecem (por simples ignorância ou vontade de manipular os factos) é que a Lei Constitucional – LC (constituição, segundo o legislador) prevê a LIBERDADE DE OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA que consiste na liberdade de qualquer um não exercer direitos e liberdades que estejam contra a sua própria consciência (sua moral ou sua fé).
A LC diz que: “ É garantido o direito a objecção de consciência, nos termos da lei” (art.º 41.º, n.º 3). O que é certo é que não se conhece uma Lei que limite a objecção de consciência. Nos anos 80, as Testemunhas de Jeová estavam entre as poucas seitas que fundamentavam a recusa de cumprimento do serviço militar obrigatório com base na consciência religiosa segundo a qual era proibido usar armas contra outros homens.
As testemunhas da Jeová chegavam a ter sucesso no exercício dessa liberdade num contexto em que o Estado não considerava a igreja em nome da doutrina marxista. Ou seja, mesmo perante um Estado que não admitia legalmente a objecção de consciência, as Testemunhas de Jeová chegaram a exercer essa liberdade. Hoje que é uma liberdade consagrada constitucionalmente (e ainda por cima sem limites legais) há quem acha que os fieis insurgiram-se contra a ordem social por se recusar de serem vacinados ou constar das estatísticas do censo populacional e habitacional? É ignorância ou vontade de manipular os factos para colocar em perigos pessoas inocentes?
É certo que o confronto entre os fiéis e os agentes da PN parece ser o ponto fulcral das acções criminosas imputadas a José Kalupeteka. Entretanto, falta-nos elementos de facto para apurar em concreto como se desenrolaram os confrontos para apurar o quadro de imputabilidade criminal que se deve desenhar. Porém, podemos avançar com algumas hipóteses:
(1) Supondo que os agentes da PN tenham acedido ao local interpelando violentamente as pessoas, a legitima defesa, pode ser invocada se houver uma acção claramente ilegal dos agentes da PN (por exemplo, agiram contra as normas jurídicas instituídas, designadamente colocando as pessoas em perigo de vida ameaçando-os de morte, e sem qualquer intimação). Pois, via de regra, não se invoca legitima defesa quando não esteja em risco a própria vida.
A LEGÍTIMA DEFESA pode ser invocada contra quem quer que seja (agentes da autoridade ou não) desde que se verifique perigo eminente contra a vida do defendente. Apenas teríamos que justificar o modo de exercício da legítima defesa na base da proporcionalidade dos meios empregues. Ou seja, para termos a acção justificada teríamos que provar que empregamos meios menos capazes do que aqueles que o agressor utilizou (agressor usa arma de fogo e nós usamos cassetetes ou quaisquer outros instrumentos menos letais) ou provar que empregamos os mesmos meios usados pelo agressor (arama de fogo contra arma de fogo).
O que não justifica a legítima defesa é o defendente usar meios superiores àqueles que foram empregues pelo agressor. Não se admite legitima defesa contra indivíduos em mãos vazias quando tenhamos empregue instrumentos contundentes ou cortantes em nossa defesa. Embora, seja de verificar em concreto o caso. Já que é razoável que uma mulher magra e indefesa use de meios matérias para aparar a agressão de um individuo encorpado e visivelmente capaz de provocar danos irreversível pondo em causa a vida dela. Portanto, que age em legítima defesa não comete crime.
(2) Na hipótese em que os agentes da PN tenham interpelado os civis sem empunharem quaisquer armas ou outros instrumentos letais e, em consequência tenham sido mortalmente agredidos, as mortes já podem ser responsabilizadas criminalmente aos seus autores – essa é sem dúvidas a hipótese mais absurda por denunciar uma clara manipulação dos factos. Ainda assim teríamos que averiguar se José Kalupeteka teria dado ordens directas aos seus seguidores para agredirem mortalmente os agentes da PN para lhe ser imputada a autoria moral do crime.
Nesse caso, tanto José Kalupeteka quanto os fieis que agiram seriam culpados pelos crimes cometidos, havendo que verificar se houve outras formas de participação criminosa dos restantes fieis. Ora sabendo, como os agentes da PN actuam quando se trata de manifestações – infiltrando indivíduos nos grupos que activam a violência para justificarem as suas acções violentas contra os manifestantes pacíficos – (em Luanda isso tornou um modus operandi comum dos agentes da PN quando se trata de controlar e dispersar as manifestações promovidas pelos jovens revolucionários, ou “revús” – aqui os indivíduos que agiram violentamente teriam que ser individualmente criminalizados, visto que não terão agido se quer a mando de José Kalupeteka.
De qualquer modo, capturado o líder da seita e entregue as autoridades, o que leva as forças da ordem a manter a perseguição mortal sobre os fieis que afinal não têm interesse em alimentar os desmandos que deram lugar as mortes dos agentes da PN? O que é que nos está a ser ocultado pelas autoridades, afinal?
Finalmente, o que há de perigo social num conjunto de indivíduos que decide livremente abandonar a sociedade para embrenhar-se nas matas? Onde é que está a Lei que proíbe essa conduta? Ou também já inventaram o CRIME DE FUGA? Portanto, para um analista sem “contaminações político-partidárias” parece difícil perceber onde é que as autoridades se apegam para condenarem as acções missionárias de José Kalupeteka.
SOLUÇÃO PARA O CONTROLO DO KALUPETEKISMO
Foi por perceber que nós, os angolanos, estamos a correr o risco de condenar pessoas inocentes, violentando suas vidas particulares, por estarmos envolvidos em ânimos incentivados com fins manipuladores, que entendi emprestar a voz para o caso Kalupeteka. É um acto de irresponsabilidade monumental que devia envergonhar os chamados intelectuais que não perderam tempo em se ridicularizar investindo contra os seus concidadãos.
A NOSSA CONSCIÊNCIA NÃO DEVE DESCANSAR (ou acobardar-se) diante das violações injustas sofridas pelos nossos compatriotas só porque a maioria PATETICAMENTE manipulada se vê no direito de condenar os outros por representarem minorias indefesas. Não podemos viver numa sociedade em que as pessoas são condenadas pela comunicação social (através de bocas alugadas – inocentes ou invejosas) antes de serem ouvidas em Tribunal, violando o PRÍNCIPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA de que gozam as pessoas suspeitas de cometerem crimes. O que significa que ninguém deve ser considerado criminoso sem ser julgado e condenado em tribunal. Assim viola-se o Estado de Direito e promovemos um ambiente de incerteza e insegurança jurídica generalizada.
Os angolanos que se precipitaram a condenar os “feitos miraculosos” de Kalupeteka não fizeram mais do que negar o Estado de Direito. Porquê é que o Presidente da República não deixou as autoridades judiciais intervirem no caso antes de se pronunciar oficialmente contra a seita? Qual é o crime provado contra José Kalupeteka e seu seguidores se o próprio Tribunal nem sequer apreciou a situação? Que sociedade ou valores éticos e morais sãos estes que estamos a promover afinal?
Os agentes da PN, os quais lamentamos as mortes e nos solidarizamos com a dor dos seus ente-queridos, foram vítimas da acção irresponsável das próprias autoridades públicas que não souberam lidar com a situação, sem verem fantasmas “revolucionários” contra os interesses ditos públicos que defendem. Mas as mortes dos agentes da PN não são as únicas a lamentar.
Entristece-me que os Estado através dos meios de comunicação social pública (os mesmos que exaltaram e promoveram criminalmente o caso Kalupeteka) não considerem as centenas de civis que vão perdendo vidas na sequência das agressões que se seguiram a morte dos agentes da PN e a captura de José Kalupeteka. Onde está o interesse público que o Estado angolano está a defender nesse caso? Onde está a protecção da vida que o Estado garante aos cidadãos? Aqui dirijo a minha sentida homenagem a essas vítimas de INTOLERÂNCIA POLÍTICA (aparentemente religiosa) do próprio Estado.
O que se percebe com a exaltação do KALUPETEKISMO é a simples tendência de manipulação de um facto meramente social protagonizado por um conjunto de cidadãos no puro interesse de servir ganhos políticos. Há certamente “mensageiros de desgraças” que entenderam ver perigo de OUTROS TIPOS em acções inocentes e livremente protagonizadas por pacatos cidadãos. Não sei se terá aparecido um fiel devoto desta seita que se apresentou as autoridades para denunciar maltratos e alienação mental induzidos por José Kalupeteka, mas o que se percebe é que cada fiel foi a mata sem ter uma arma apontada na cabeça.
Se um cidadão é perseguido e condenado por mobilizar mais de 3 mil pessoas, devemos admitir que a sociedade angolana tornou-se subitamente perigosa para a convivência social das pessoas e nisso a paz já não vale o sabor que lhe é atribuído por aqueles que a defendem contra os “inimigos do povo”. Se hoje, é um devoto religioso que é perseguido, será difícil num futuro próximo perseguir alguém que tenham organizado uma simples festa que envolva centenas de milhares de indivíduos ou que tenha organizado um torneio de futebol com números assustadores de jogadores repartidos em grupos? Em que sociedade é que estamos afinal, em que tudo o que é reunião e manifestação que não agrade os senhores do poder é desmantelado e os seus promotores perseguidos, maltratados e até mortos? Não terão razão os adventistas de orientação KALUPETEKISTA pensarem que o ANTICRISTO é o próprio Estado angolano?
A pior coisa que pode acontecer é combater alguém que acredita piamente estar cheio de razão naquilo que defende e acredita. No campo da fé essa situação torna-se ainda mais radical quando se sabe que as pessoas estão sob protecção de Deus. Engana-se quem pensa que os fiéis de Kalupeteka desaparecerão com a “ilegalização” da Igreja Adventista do 7º Dia a Luz do Mundo. Foi assim, que os Judeus tentaram acabar com a missão de Jesus Cristo levando-o a crucificação. O que aconteceu a seguir a morte do messias foi a exaltação do Cristianismo como uma das maiores religiões do mundo actual. O drama vivido pelo Messias vem inspirando milhões de almas ao longo dos séculos.
Para os fiéis de Kalupetaka, o resto dos angolanos estão contra o seu projecto de salvação, foram controlados e estão a ser manipulados pelo ANTICRISTO. O comunicado oficial da condenação da seita vinda do próprio Presidente da República acaba confirmando aos fieis que o Estado angolano esta absolutamente controlado pelo poder do Demónio que os persegue. Tal como a maioria de nós se ri dos actos aparentemente doentios de tais fiéis, estes também nos vêem como os mais assassinos e atrozes seres que se encontram no planeta. Não acreditam que qualquer de nós, que não esteja no meio deles, seja realmente lúcido e humano o suficiente para acolhê-los. Somos todos demónios porque estamos sob um controlo diabólico (mais ou menos como Zombis, ou mortos-vivos) pretendendo apanhá-los para entregá-los ao Anticristo, nosso amo. Estão, portanto, numa luta exasperante para se verem livres de todos nós.
Ou seja, se entendermos correctamente o fundamento da fé dos fiéis da Igreja Adventista do 7º Dia a Luz do Mundo, e a causa SUPREMA identificada com a sua salvação que estão a defender, não será difícil concluir que estes fiéis, cidadãos angolanos de pleno direito, estão dispostos a morrer em cumprimento das profecias bíblicas. Eles percebem que a perseguição das autoridades policiais é a perseguição do próprio Anticristo, e portanto é um evento de PROVA DE FÉ. Quanto mais forem perseguidos, maltrados e até mortos mais confirmam a fé e o próprio advento da vinda de Jesus Cristo. Mais se confirma que efectivamente, o mundo vai terminar neste ano.
Portanto, a melhor solução para debelar o problema, será certamente deixar os fiéis nos seu “monte sagrado” em que aguardam pela vinda do Senhor e dar o tempo necessário para que confirmem a sua profecia. O que a Polícia Nacional devia fazer nesse caso, seria suspender as atrocidades contra os cidadãos, instalar um cordão de segurança na área (se necessário) e aguardar até que os eventos ecuménicos se produzam levando ao arrebatamento aos céus daqueles que neles acreditam. Se, até 31 de Dezembro deste ano, os fiéis não se virem arrebatados pelo seu salvador, eles mesmos, um por um, irão abandonar o monte e remeterem-se ao convívio social e não tardará notarmos que os discursos de José Kalupeteka desapareceram da memória dos fiéis devido as promessas não realizadas. Com essa atitude, a PN preserva vidas e salva os fiéis de eventuais manipulações fanáticas.
A violência travada entre os fiéis e as forças da ordem confirma exactamente os eventos profetizados por José Kalupeteka, e para exaltar mais ainda o KALUPETEKISMO basta que as mortes produzam mártires religiosos. Seguramente, a seita atrairá novos adeptos, revitalizando inclusive aqueles que terão “desertado” no passado. Quanto mais publicidade dramática se oferecer ao KALUPETEKISMO mais gente vai atrair.
Aqui o principal erro das autoridades será certamente o de, na tentativa de promoverem heróis desta sanha, levarem a morte o próprio José Kalupeteka. Assim nasceria um mártir tal como foi o Jesus Cristo morto por acções do próprio Estado (a crucificação de Jesus Cristo aconteceu com o beneplácito de Pôncio Pilatos, Governador Romano). O que confirmaria terminantemente o uso do Estado pelo Anticristo e a eminência do arrebatamento dos fiéis da Igreja Adventista do 7º dia a Luz do Mundo. Então o choque entre as autoridades e os fiéis não passaria mesmo de um verdadeiro ARMAGEDÃO atraindo para a inevitável batalha todos os crentes, antes cépticos com a materialização dos eventos, e levando a que todos os devotos aceitem a morte com toda a naturalidade que a fé impõe a própria consciência. Oxalá, a morte simulada nas redes sociais desse líder incontestavelmente carismático, seja isso mesmo: pura mentira. Dixit.