Um pouco distante já se podia ver a grande multidão avançando, marchando lentamente rumo à cidade de Jericó. Na empoeirada estrada, era possível distinguir milhares de pessoas. À frente daquela multidão, ia o Messias enviado por Deus, o Salvador do mundo, Jesus Cristo.
À beira do caminho, um homem num estado calamitoso pergunta o que está ocorrendo, pois ouve um crescente ruído de pessoas se aproximando. Fica sabendo que Jesus Cristo ia passar por ali. De repente, começa a gritar com todas as forças que ainda lhe restavam: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”
Esse fato ocorrido durante o ministério do Senhor Jesus é bem conhecido. Gostaríamos de refletir com você sobre ele e também sobre o que se seguiu ao mesmo, a não menos conhecida história de Zaqueu.
Aquele pobre mendigo que clamou tão desesperadamente o nome de Jesus se encontrava numa situação miserável, difícil até de imaginar em nosso contexto atual. Não esqueçamos que estamos falando de uma época onde não existia previdência, auxílio invalidez, aposentadoria, órgãos de caridade, secretarias governamentais de auxílio à pobreza, etc. Não havia nada disso.
Era um cego deixado à beira do caminho e que sobrevivia com as esmolas que lhe jogavam. Sem dúvidas, um homem mal vestido, mal cheiroso e de aspecto repugnante. No entanto, ele teve a iniciativa de clamar ao Messias com um coração sincero, quando soube que Ele passaria por ali. Essa é uma característica de Cristo. Ele sempre está disposto a ir aonde estão as mais desprezadas pessoas da sociedade…
Imediatamente, a multidão começou a repreender o pobre e insignificante cego. Grande parte às vezes, a multidão é assim. Ela se levanta contra expressões de genuíno arrependimento, humildade e sincera busca da Graça divina. Levanta-se contra seres aparentemente inferiores. Talvez, o principal argumento usado por aqueles que se opuseram ao clamor do cego foi que ele estaria importunando o Mestre com questões insignificantes, atrapalhando as elevadas pretensões do Rabi. Jesus estava indo a Jerusalém e havia uma expectativa oculta em grande parte daquela multidão, uma expectativa da qual falaremos um pouco mais adiante…
As críticas daquelas pessoas não foram um empecilho suficiente para o cego. Aquela multidão desprezou o cego da mesma forma que as grandes instituições desprezam os pequenos grupos de cristãos que desejam seguir Jesus Cristo retamente conforme a Verdade do Evangelho e de acordo com o que Jesus e os apóstolos ensinaram e viveram. O pobre homem não deu ouvidos às vozes oriundas da multidão e continuou clamando ainda com mais afinco: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” E o Senhor Jesus, que ouve a todo aquele que clama pelo Seu nome com sinceridade, sem nenhum tipo de acepções, parou e pediu para que lhe trouxessem aquele homem.
Naquele momento, o mendigo que não podia ver teve um encontro com o Rei dos reis. Ele foi curado e salvo. Começou a enxergar física e espiritualmente, pois a primeira pessoa que ele viu foi o próprio Cristo. Que privilégio! A partir daquele maravilhoso instante começou a seguir o Mestre, saindo da beira do caminho para entrar no Verdadeiro Caminho, que é Jesus Cristo.
O Senhor não se deixou impressionar pela grande multidão nem pelas suas opiniões ou prioridades, mas se compadeceu de um coração sincero. Sempre será assim. Os valores do Reino de Deus são diferentes dos valores do mundo… Após esse glorioso momento, o Mestre prossegue sua caminhada rumo a Jerusalém. Porém, antes teria que passar pela cidade de Jericó…
Estamos abordando neste artigo os momentos que antecedem a gloriosa entrada de Jesus Cristo em Jerusalém, onde dias após seria crucificado. Consequentemente, milhares de pessoas O seguiam. A multidão, no entanto, tinha que passar pela cidade de Jericó. É difícil compreender o alvoroço que um grupo composto de milhares de pessoas gerou ao entrar numa pequena cidade da Palestina de 2.000 anos atrás. Sem dúvidas, as estreitas ruas da histórica cidade ficaram superlotadas. Havia uma grande comoção e praticamente todos naquela localidade ficaram sabendo que o Messias estava entrando na cidade.
Um homem, conhecido amplamente naquela cidade e também por todos aqueles que têm lido a Bíblia desde então, ficou sabendo que por ali passaria o Mestre. Estamos falando do pequenino Zaqueu.
Quando comparamos a situação do cego que havia sido curado e salvo momentos antes e a situação de Zaqueu, podemos pensar que são duas situações muito diferentes, mas na realidade são bem parecidas. Os dois homens queriam ver Jesus. Um tinha uma limitação física, a qual foi curada. O outro também tinha uma limitação física e, como havia ocorrido à beira do caminho com o cego, teve que enfrentar a oposição da multidão. Agora não mais na forma de reprimendas orais, mas na forma de uma barreira física intransponível para um homem de baixa estatura.
O que fazer? Da mesma forma que o mendigo gritou com todas as forças que ainda lhe restavam em sua condição, desprovido de qualquer orgulho, o publicano Zaqueu, homem rico, influente e amplamente conhecido da “alta sociedade” daquela cidade, lançou fora o orgulho e a pose, subindo numa árvore e expondo-se ao ridículo na frente daquelas pessoas.
Se na disposição de ver o Mestre o mendigo e o rico se assemelham, eles diferiam radicalmente na condição social. O cego dependia de esmolas e migalhas lançadas pelos viajantes. O rico Zaqueu havia adquirido dinheiro e patrimônio através de um trabalho impiedoso contra o povo, um trabalho repleto de corrupção e injustiça. Ele era cobrador de impostos. Talvez, uma das profissões mais odiadas pelos judeus daquela época. Podemos dizer com toda certeza que Zaqueu era odiado por grande parte daquela população de Jericó, principalmente pelos mais pobres.
Porém, Jesus Cristo não faz acepção de pessoas. A multidão odeia, diminui, é rancorosa e preconceituosa. Jesus ama, perdoa e regenera. Todo aquele que invocar o nome Dele será salvo (Atos 2:21). Se havia curado e salvo o maltrapilho mendigo que clamou à beira do caminho, detendo por alguns momentos a sua caminhada rumo a Jerusalém, também se deteve para dirigir-se àquele pequeno homem que se equilibrava em cima de uma árvore para vê-lo passar. Pequeno homem nas estaturas física e moral.
Na verdade, a missão do Mestre era a de buscar e salvar o que se havia perdido (Lucas 19:10). O grande problema era que a maioria, principalmente composta dos religiosos da época, não reconhecia que precisava Dele tanto quanto o mendigo à beira do caminho ou o ladrão encima da árvore. Julgavam-se eles isentos da Graça… Não estavam dispostos a expor-se e reconhecer o quão carentes eram da Graça de Deus. Não queriam reconhecer o quão pecadores eram.
Sim. Em meio a toda aquela aglomeração de pessoas, o Mestre se deteve, olhou para cima e disse: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa” (Lucas 19:5). Sim. Em meio a bilhões de seres humanos, Ele quer entrar na casa de cada um em particular e a mais profunda casa é o coração. Assim Ele revelou a João em Patmos:
“Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo” (Apocalipse 3:20)
Zaqueu ouviu a maior convite de sua vida. Desceu e recebeu o Mestre em sua casa, recebendo também salvação e mostrando verdadeiros frutos de arrependimento e conversão (Lucas 19:8). Lembram da multidão? Daqueles que haviam reprimido o pobre homem à beira do caminho? Mais uma vez, a multidão expressa a sua verdadeira posição:
“E, vendo todos isto, murmuravam, dizendo que entrara para ser hóspede de um homem pecador” (Lucas 19:7)
Mas, afinal, o que queria essa multidão? O que desejavam essas pessoas tão afastadas do discernimento do verdadeiro Evangelho da cruz e da graça? Tão desconectadas do real propósito da vida e missão de Cristo, mas que mesmo assim seguiam a Jesus Cristo?
Se fôssemos transportados àquele dia em Jericó e perguntássemos a cada componente daquela multidão o que realmente estavam fazendo ali, todos responderiam: Estamos seguindo o Messias! De fato, eles seguiram o Senhor até Jerusalém e entraram na cidade prometida com o Mestre. Eles estavam fisicamente e exteriormente seguindo a Cristo.
Porém, tinham uma compreensão equivocada a respeito da real missão Dele. Eles esperavam que Jesus entrasse em Jerusalém, destronasse Pôncio Pilatos, eliminasse os exércitos romanos e até mesmo aniquilasse o próprio Império Romano. Afinal, isso não seria difícil pra o Messias! Ele, que havia curado cegos, levantado paralíticos, ressuscitado pessoas, multiplicado alimentos e andado sobre as águas, não poderia com um simples sopro destruir toda aquela opressão que caía sobre o povo de Israel? Não era isso que as profecias prometiam?
A história mostra que eles não discerniram o Espírito do Evangelho. Na verdade, o que eles desejavam era lícito, mas as intenções e o discernimento eram equivocados. Grande parte daqueles que estavam no caminho de Jericó, que passaram pela cidade de Zaqueu e entraram triunfalmente em Jerusalém com Jesus Cristo, quando viram que o tão esperado Messias e Rei dos judeus não estava assentado sobre o trono de Pôncio Pilatos, mas era açoitado, cuspido, ridicularizado e afrontado pelas forças do representante romano na Judéia, começaram a fazer coro com um grito: Crucifica-o! Crucifica-o!
Sim. A maior parte daquela multidão seguia o Mestre motivada apenas pelos seus próprios interesses. Pensava que Jesus Cristo estava submisso ao sistema de valores deste mundo. Aquelas pessoas sonhavam em assumir, quem sabe, um alto escalão na nova administração do Messias, receber a posse de terras, sentar-se como juízes contra Roma e seu Império, receber riquezas, ocupar altas patentes no exército do Messias, etc…
Se uma multidão de milhares seguia a Jesus nos momentos já citados, no Gólgota, diante da cruz, vemos apenas uns poucos… Se na entrada triunfal em Jerusalém milhares faziam festa, na ascenção, no Monte das Oliveiras, apenas poucas dezenas de galileus se encontravam ali para ver o Senhor subir aos céus. Aquela multidão professava seguir a Cristo, mas o coração dela seguia um Jesus fabricado nas próprias mentes sedentas de poder, afirmação social, fama e bem-estar já neste mundo. Aquelas pessoas não haviam discernido a mensagem do Evangelho de Cristo. Se fizermos uma viagem de volta a nossos dias, encontraremos ainda aquela multidão. Sim! Pode acreditar. Ela não desapareceu…
O grande erro da multidão é achar que, por ser multidão, é um fim em si mesma. É enxergar na imponência numérica o grande propósito. É basear seu prestígio na grandeza institucional. É pensar segundo os valores deste mundo e não de acordo com os valores do Reino. Esse é o mesmo espírito que ficou em evidência quando a multidão censurou o sincero clamor do mendigo à beira do caminho ou a verdadeira vontade do corrupto encima da árvore. É o mesmo espírito que acusa o mendigo de “atrapalhar” os grandes propósitos e metas do Mestre…
É a mesma multidão que, apesar de exteriormente expressa que crê na Graça de Deus, faz acepção de pessoas, classificando-as entre “aptas” e “não-aptas” para receberem o Mestre em suas casas. É a petulância de achar que, por um grupo de pessoas não estar inserido na multidão, então esse grupo de pessoas não merece a atenção do Mestre. A multidão tende a pensar que, se alguém não está andando de acordo com ela, então esse alguém está equivocado. A multidão é corporativista, fisiologista e institucionalista. Troca a Verdade pelos propósitos que ela própria criou em seu coração.
A multidão pensa que o Senhor Jesus se impressiona com quantidades, formas, títulos, nomes e com opulência, quando na verdade Ele prometeu fazer-se presente onde dois ou três estivessem reunidos em Seu nome (Mateus 18:20). Quem caminha segundo os princípios da multidão pode ser salvo, conhecer os ensinamentos do Senhor, ver milagres ocorrer em seu meio, pessoas serem salvas e curadas no mesmo lugar onde ela está, mas, mesmo assim, está longe de andar bem e direitamente conforme a Verdade do Evangelho (Gálatas 2:14).
A multidão afirma que, para ser Igreja é preciso ter um CNPJ, suntuosos templos, aparência externa, liturgias, um nome para servir de denominação, títulos eclesiásticos, representantes políticos, grandes negócios e uma atitude de constante conquista material e política. A multidão olha para os lados e diz: Vejam quanta influência política e social temos! Somos milhões de pessoas! Podemos definir as eleições e podemos ocupar os melhores lugares deste mundo, é um direito nosso! Somos um segmento importante! Já podemos destronar Pôncio Pilatos e o próprio César! Se formos analisar sem preconceitos, esse é o mesmo espírito daquela multidão que seguia a Jesus nos dias do mendigo e do ladrão.
A multidão precisa discernir que o Reino de Deus não pertence a este sistema mundano, o qual está com os dias contados. Precisa entender que o Reino apenas se manifestará de forma concreta e física na Terra quando o Rei dos reis voltar. Necessita discernir que a Graça de Deus é multiforme (I Pedro 4:10) e, portanto, não pode ser uniformizada através do institucionalismo.
Precisa discernir que há vários estágios na caminhada cristã e que devemos sempre desejar andar bem e direitamente conforme a Verdade do Evangelho. Precisa entender que Igreja não é um lugar aonde a pessoa vai ou um nome que se lhe dá, mas é um estado espiritual de pertencer a Cristo e o momento em que essa comunhão em Cristo se expressa entre os irmãos. Igreja é uma caminhada. É um corpo. É comunhão com os irmãos e com o Pai.
Enquanto mais afastados da multidão e mais próximos de Jesus estivermos, estaremos mais perto dessa retidão na caminhada. O mendigo cego deixou de viver em sua deplorável condição de mendicância e cegueira. Foi curado e salvo. O ladrão corrupto e insensível deixou sua vida de enganos e também foi curado e salvo. No entanto, a multidão continuou sendo apenas multidão…
A boa notícia é que a Graça de Deus alcança àqueles que, mesmo em meio à multidão, clamam pelo Seu nome. Contudo, o propósito do Senhor vai além de salvar o homem da perdição eterna. Ele quer se relacionar como homem e procura verdadeiros adoradores que estejam dispostos a abrir mão das falsas premissas e sofismas da multidão, sempre tão presa aos grilhões das tradições humanas, aos lugares especiais de culto, aos “homens especiais” e ao institucionalismo. Ele procura adoradores que O adorem em Espírito e em Verdade.
“Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (João 4:19-24).