Perigos que Ameaçam o Movimento Leigo – 2a. Parte

2. PARTE:
O que importa é ser membro da igreja invisível
Sabemos que Lutero foi excomungado da Igreja Católica, devido a sua crítica ao papado e às reivindicações deste. Naquela época, ser excomungado era muito pior que ser excluído da igreja hoje, por causa das graves consequências sociais implicadas. Contudo, Lutero manteve-se firme, inabalável, na fé, e inspirado por um conceito novo de igreja, tornou-se o pai da Reforma. Para se entender o conceito de igreja de Lutero é preferível usarmos o termo “congregação cristã”, visto a palavra “igreja”, como é usada hoje, possuir conotação diferente do conceito de Lutero (e do Novo Testamento).
Para Lutero, a igreja (ecclesia, palavra usada no original grego do Novo Testamento e traduzida como “igreja”) é em primeiro lugar e principalmente a comunhão dos crentes. É o conjunto de todos na terra que têm fé em Cristo. Isto não se refere a uma associação externa com instituições e ofícios, mas a uma comunhão interna compartilhada por todos os que possuem fé comum e a mesma esperança. Como tal, a igreja é questão de fé. A forte ênfase de Lutero nesta comunhão espiritual, invisível, como formadora da igreja era algo novo. A igreja para ele não era a instituição governada pelo papa, mas a união dos fiéis produzida pelo Espírito Santo em resposta à pregação da palavra de Deus em Cristo (Heb. 1:1-3). Essa comunhão é invisível e independente de tempo e espaço. Pois ninguém pode ver quem tem fé verdadeira, ou saber onde esta fé pode ser encontrada.
Mas também se pode falar da igreja em outro sentido. Ela é também a comunhão externa, uma assembleia visível de pessoas que se reúnem num edifício especial, que pertencem a certa paróquia ou diocese, etc. Neste sentido a igreja possui regulamentos específicos, cargos, ministérios e costumes. Todos os que foram batizados, todos os que foram atingidos pela pregação da Palavra e confessam a fé cristã pertencem a esta cristandade exterior. Nela não se podem traçar uma linha demarcatória entre os que realmente creem e os hipócritas.
A comunhão mencionada em primeiro lugar se denomina cristandade ou igreja invisível, interna, espiritual, enquanto a outra é denominada cristandade visível, externa, física. Não devem ser separadas. Devem ser relacionadas tão intimamente como possível. Pois a comunhão invisível, interna, espiritual, é o elemento essencial da congregação visível, externa, física. É por causa desta comunhão espiritual que a congregação é mantida junta.
Segundo esse conceito, é errado identificar a igreja apenas com a instituição visível, como, por exemplo, com a IASD governada pela Associação Geral. Se você foi excluído da igreja visível, isto não significa que foi excluído da igreja invisível. Continuará sendo membro dessa comunhão essencial produzida pelo Espírito Santo, e que só Deus conhece os que participam dela, se tem fé verdadeira e realmente segue a Cristo. A final de contas, é isso o que realmente importa.
Nada o impede, portanto, de continuar no caminho da salvação e fazer como Lutero (também Jesus e Paulo): formar ou participar de uma outra comunhão visível, na qual a fé se apegue aos sinais externos, a saber, o batismo, a santa ceia e a pregação da Palavra, centrada nas instruções ou exigências de Jesus, conforme foram compreendidas e interpretadas por Paulo, o apóstolo que melhor entendeu o ensino de Jesus Cristo e, por isso mesmo, recebeu a missão de separar o cristianismo do judaísmo..

Preocupe-se, em primeiro lugar, em ser um templo vivo

Muito mais importante que frequentar uma igreja visível é ser igreja, isto é, nas palavras de Paulo, que você seja um templo do Espírito Santo (1 Cor. 3:16; 6:19 e 2 Cor. 6:16). Como está escrito, Deus não habita em templos construídos pela mão do homem, mas em pessoas por meio do Espírito. Se o Espírito habita em nós, então estamos unidos a Cristo e pertencemos à igreja invisível. E essa é a comunhão mais fundamental, sem a qual não tem valor a reunião dos crentes, tanto as que acontecem num edifício (que chamamos “igreja”), quanto as que acontecem numa organização religiosa (que também denominamos “igreja”).
E o Espírito Santo é para Paulo a dádiva por parte de Deus do poder de uma nova vida: a vida que Jesus Cristo veio trazer e é vital à carreira cristã: a vida de fé (2 Cor. 4:13; 5:5,7) e amor (Rom. 5:5). Pelo Espírito, Cristo se torna “espírito vivificante” (1 Cor. 15:45). É o poder através do qual o Glorificado age no presente, tornando-se ativo no homem e tornando o homem ativo em alternativa com Cristo (Rom.8:9-11) ou com Deus (1 Cor. 3:16). Porque é o Espírito do Cristo glorificado (Rom. 8:11), Paulo afirma “o Senhor é o Espírito” (2 Cor. 3:17) e “Cristo está em vós” (Rom. 8:10).
Verificamos que a palavra “espírito” (referindo-se ao ser humano ou de Deus) traduz, às vezes, os termos ruach (hebraico) e pneuma (grego), traduzidos mais frequentemente, nas várias versões da Bíblia, como “vida”; e também que é estranho às línguas grega e hebraica qualificar o Espírito de sujeito autônomo, de “pessoa”, o que Paulo não faz. Ele não tem a intenção de elucidar a estrutura interna da divindade, como fez a posterior doutrina da Trindade.
Penso que se entendemos o Espírito como a nova vida que recebemos de Deus em Cristo, conseguiremos evitar as especulações sobre sua natureza, principalmente como parte da Trindade, as quais não esclarecem a questão, mas a complicam ainda mais. Quem é capaz de entender e explicar os mistérios de Deus? Se conseguíssemos explicar tais mistérios, não precisaríamos de fé. Por essa razão o interlocutor humano do único Deus pode ser somente a fé. Que podemos pensar de pessoas que, em vez de receber a graciosa dádiva do Espírito —isto é, a nova vida em Cristo— como vital à carreira cristã, preferem torná-lo parte da especulação da Trindade? Para essas pessoas, o Espírito não é uma realidade, mas uma abstração: foi reduzido a uma questão doutrinária.
O melhor que você pode fazer é viver com intensidade a vida abundante que Jesus veio trazer (João 10:10 ú.p.). É através dessa vida nova, especial, que Deus realiza sua obra redentora em você, transformando-o num templo vivo de sua presença, numa testemunha viva de sua graça e amor. E se Deus habita em você pelo Espírito, livrando-o de toda condenação “da lei do pecado e da morte” —isto é, das normas da religião—, nenhuma punição eclesiástica por questão de opiniões tem sentido.
E quanto ao movimento leigo, o que ele pode fazer para não transformar-se numa religião punitiva? Note-se que não estou abordando as questões morais.
Há dois tipos comuns de expressão religiosa: a religião de autoridade (representada pela grande meretriz de Apoc. 17) e a religião do espírito (representada pela mulher vestida do sol de Apoc. 12). A primeira impõe arbitraria e diretamente aquilo que considera a vontade de Deus. Ostenta um sistema institucional e doutrinário com tal peso de autoridade (ao modo do poder político), que faz as pessoas acreditarem que sem ela não é possível a salvação. A segunda, procura dar testemunho, com a ênfase de Jesus, da religião do espírito, cujo coração é a tríade fundamental, impossível de ser institucionalizada, que aparece no ensino de Jesus e de Paulo: graça, fé e amor, como meios de comunhão com Deus e de criar fraternidade entre os homens. Nesse sentido, a religião do espírito, na visão do Apocalipse, sempre está para dar a luz a Cristo na nova vida gerada pelo Espírito naqueles que creem.
Para que o movimento leigo não se transforme em uma comunidade obscura, punitiva e restrita deve dar testemunho, com a ênfase de Jesus, da religião do espírito. Que assim seja!

3a. PARTE – PRÓXIMA SEMANA

Sobre João Rangel

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