Por Que Ellen White Não Condena o Batismo “em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”?

Crédito da foto: Batismo de Santo Agostinho por Santo Ambrósio, “Em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”: Cathédrale Saint-Pierre-et-Saint-Paul de Troyes (1549). Fotografia de Vassil (3-29-08)

Ellen White errou ao admitir a passagem de Mateus 28:19 como inspirada, ou ela e a passagem não foram inspirados por Deus?

“Simboliza o batismo soleníssima renúncia do mundo. Os que ao iniciar a carreira cristã são batizados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, declaram publicamente que renunciam ao serviço de Satanás, e se tornaram membros da família real, filhos do celeste Rei.” — Testemunhos Seletos, Vol. II, p. 389.

Resposta do editor:

O texto abaixo foi formado a partir de comentários nossos já publicados no site e aqui reunidos, mas convém ressaltar que a citação mencionada nada afirma acerca da existência de uma trindade composta por três pessoas divinas, co-iguais e co-eternas. Refere-se apenas ao batismo realizado “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”, conforme Mateus 28:19. Por isso, concentraremos nossa atenção principalmente no entendimento correto dessa passagem.

Em primeiro lugar, embora existam muitas evidências em contrário, consideremos Mateus 28:19 como uma frase que realmente faça parte do texto original do Evangelho de Mateus. Leiamo-la desprovidos de qualquer idéia anterior: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Agora, respondamos com sinceridade às seguintes questões:

1. Afirma esse texto que o Pai, Seu Filho e o Espírito Santo formam uma trindade divina, que criou e dirige o Universo? R. Não.

2. Diz o texto que o Pai, Seu Filho e o Espírito Santo são três pessoas ou seres divinos, coiguais, coeternos e unidos em um só propósito? R. Também não.

3. Qual é, então, o significado de Mateus 28:19?

R. Significa apenas que Deus, o Pai, Seu Filho, Jesus Cristo, e o Espírito Santo existem e que estaríamos autorizados a batizar em nome deles. Era assim que os pioneiros adventistas entendiam essa passagem: “Nós somos batizados no nome do Pai, Filho e Espírito Santo. Através disto, expressamos nossa crença na existência de um único Deus verdadeiro, na mediação de Seu Filho e na influência do Espírito Santo.” (Uriah Smith, 1858, The Bible Students Assistant, págs. 21-22.) Fonte: http://www.restorationministry.com/books/wdtpb/Uriah_Smith.htm

Acreditamos ter sido essa, muito provavelmente, a compreensão da Sra. White em relação à fórmula trinitariana de batismo, o que não depõe contra sua inspiração. (Aliás, cremos ser necessário uma melhor compreensão entre os adventistas acerca da inspiração divina aos profetas, fenômeno que ocorria de modo ocasional e não vitalício, não significando que tudo que o profeta tenha dito ou escrito tenha sido produzido por inspiração divina e esteja completamente isento de erros.)

4. Mateus 28:19 ensina que o Pai, Seu Filho e o Espírito Santo estão em idêntico nível hierárquico?

R. Não necessariamente, porque esses personagens, ou poderes, citados em seqüência, podem estar sendo apresentados em ordem decrescente de importância. Afinal, o próprio Senhor Jesus Cristo disse: “O Pai é maior do que eu.” João 14:28. Outro exemplo de personalidades citadas num mesmo verso, em ordem reversa de importância, o que não os torna todos divinos nem idênticos em poder, é o encontrado em Mateus 24:36: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai.”

5. As expressões Pai, Filho e Espírito Santo podem referir-se a pessoas? R. Pai e Filho, obviamente sim, mas Espírito não pode significar pessoa, uma vez que, conforme aprendemos na Lição da Escola Sabatina do segundo trimestre de 1999, edição de Adultos/Professor, pág. 49:

“No Novo Testamento, a palavra grega pneuma é igualmente traduzida como ‘espírito’ ou ‘respiração’. Também significa ‘atitude’ ou ‘estado de espírito’ (Rom. 8:15; 1 Cor. 4:21; II Tim. 1:7; 1 João 4:6). Da mesma forma que ruach, algumas vezes é traduzida como ‘Espírito do Senhor’ (1 Cor. 2:11 e 14; Efés. 4:30; Heb. 2:4; 1 Ped. 1:12; II Ped. 1:21). Nem no Antigo nem no Novo Testamentos ruach ou pneuma se referem a alguma entidade inteligente capaz de existir independentemente do corpo.”

Portanto, embora não creiamos na mentira da trindade, reiteramos neste espaço nossa crença no Espírito Santo como o poder capacitador prometido e enviado pelo Pai para dotar os discípulos de ousadia e coragem para pregar em nome de Jesus, mesmo diante do risco de perseguição, prisão, sofrimento e morte. Esse poder sobrenatural procede do Pai, mas nos é enviado em nome de Jesus, como está escrito em João 14:26: “O Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.”

Atendo-nos, portanto, unicamente ao significado direto de Mateus 28:19, sem nos aprofundar na pesquisa de seu contexto imediato no livro de Mateus, ou no teor geral dos Evangelhos e do Novo Testamento, consideramos válidos ou aceitáveis os batismos realizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, mas discordamos veementemente da obrigatoriedade de que o interessado afirme crer na Trindade para que possa ser batizado, pois esse não é o ensino bíblico nem foi a prática apostólica.

Ilustração

Se Saul houvesse dito a Davi: “Vai e enfrenta o gigante Golias, derrotando-o no nome de Jeová, e do rei e de todo o Israel”, teríamos então uma trindade composta por Jeová, Saul e o povo de Israel? Significaria isto que Jeová, o rei e Israel são seres coiguais e coeternos? Jeová, Saul e Israel formariam, juntos, um deus triúno?

Como podemos interpretar Mateus 28:19 como prova da personalidade do espírito santo e da existência da trindade, se a passagem nada diz em relação a isso? A frase que teria sido dita por Cristo — “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” — significa apenas que deveriam batizar por ordem do Pai, sob a autoridade do Filho e no poder de Seu espírito.

Do mesmo modo como Saul pode não ter dito a primeira frase acima, pois não está registrada na Bíblia, existem evidências de que Cristo não é o autor dessa fórmula trinitariana de batismo. E a principal delas é que o Espírito prometido aos apóstolos lhes ensinaria toda a verdade e lhes faria lembrar de todas coisas que Jesus lhes dissera. Isso aconteceu em profusão no Pentecostes. Mesmo assim, todos os batismos registrados no livro de Atos foram feitos apenas em nome de Jesus!

Portanto, sobre Mateus 28:19 — “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” –, parece-nos razoável acreditar que:

1. Quando Cristo supostamente disse o que está registrado em Mateus 28:19, havia discípulos presentes. E obviamente, o que Ele disse foi ouvido e entendido por eles.

2. Assim sendo, um discípulo como Pedro, por exemplo, poderia nos dizer exatamente como foi que entendeu a ordem do Salvador.

3. Deveriam eles, a partir de então, batizar em nome de uma trindade, composta por três pessoas divinas que misteriosamente formam um único Deus? Em Atos 2:38, vemos Pedro conclamando seus ouvintes a se arrependerem para serem batizados em nome de Jesus e não em três nomes, ou no nome dos três. Pedro explicou ainda que os batizados em nome de Jesus receberiam Espírito Santo como presente.

4. Suponhamos, porém, que Pedro nessa ocasião houvesse esquecido a ordem de Mateus 28:19 e deixado de batizar em nome da trindade… Teria a Bíblia uma outra evidência de como Pedro entendera a última ordem de Jesus? Atos 10:48 afirma que ele ordenou que Cornélio e os seus que deveriam ser batizados em nome de Jesus.

5. Assim, vemos que, como bem argumenta o irmão David do site www.present-truth.net, “Pedro deve ter entendido o imperativo de Jesus diferentemente do que a maioria dos trinitarianos compreendem hoje.”

6. Será que Pedro estava sozinho em seu entendimento? Não. Em Atos 8:16, ele e João foram a Samaria encontraram um grupo que havia sido batizado em nome de Jesus por Felipe. Faltava-lhes apenas receber o divino presente de batismo, que era o Espírito Santo. Por isso, Pedro e João lhes impuseram as mãos e oraram por eles.

7. E o apóstolo Paulo, que dizia não ter recebido o Evangelho de nenhum homem, mas do próprio Cristo (Gálatas 1:12), batizava ele em nome da trindade? Quando visitou Éfeso, Paulo encontrou irmãos que conheciam apenas o batismo de João. Pois bem, Paulo, depois de instruí-los, batizou-os somente no nome do Senhor Jesus. Depois, colocou a mão sobre eles para que recebessem Espírito Santo. E eles falaram em línguas conhecidas e profetizaram!

8. O que estamos dizendo é que não existe na Bíblia qualquer registro de batismo realizado em nome de uma trindade. Diante disso, como ressalta o irmão David do Ministério Verdade Presente (já citado), restam-nos três opções apenas: (a) os discípulos se rebelaram contra Jesus e desobedeceram Sua ordem de batizar em nome da trindade; (b) os discípulos entenderam a ordem de um jeito diferente do proposto pelos trinitarianos; (c) Jesus nunca ordenou que batizassem em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

9. Nos sete primeiros itens deste pequeno esboço, demonstramos que a ordem de Mateus 28:19 foi entendida pelos discípulos de modo diferente do que hoje defendem os trinitarianos, pois batizavam apenas em nome de Jesus. Poderia a terceira opção ser também verdadeira, ou seja, poderiam os discípulos ter entendido a ordem de maneira diferente porque, de fato, foi dada de modo diferente?

10. Estudiosos não comprometidos com a Igreja Católica e seus dogmas e mistérios, afirmam que Mateus 28:19 pode ser fruto de um acréscimo posterior ao texto bíblico. Uma das evidências citadas por esses estudiosos são os escritos de Eusébio de Cesaréia, do quarto século. Dezessete vezes nos textos que escreveu antes do Concílio de Nicéia, Eusébio cita Mateus 28:19 como: “Portanto, ide e ensinai todas as nações em Meu nome”, sem mencionar a fórmula trinitariana. Nos escritos pós-Nicéia de Eusébio, a fórmula trinitariana é encontrada cinco vezes apenas!

Os arquivos de imagem miniaturizados e transformados em link acima, levam você a uma reprodução de um trecho de uma das obras de Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, já traduzida para o português. Clique para ampliar a imagem e depois retorne com o comando “voltar” (back) de seu navegador.

11. O contexto imediato de Mateus 28:19 adequa-se muito melhor a essa construção repetida tantas vezes por Eusébio de Cesaréia. Veja:

“Seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes designara. E quando O viram, O adoraram; mas alguns duvidaram. Jesus, aproximando-Se, falou-lhes, dizendo toda autoridade Me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide e ensinai a todas as nações em Meu nome, ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século.” Mateus 28:16-20.

a) Parte dos onze se ajoelhou perante Cristo, enquanto outros tiveram dúvida se deveriam fazê-lo, pois sabiam que só deveriam se ajoelhar diante de Deus.

b) Diante da dúvida, Jesus lhes explica que havia recebido de Deus toda a autoridade no céu e na terra e que, portanto, poderia ser adorado de joelhos.

c) A concessão da autoridade divina a Cristo, possibilitou-Lhe ainda ordenar aos discípulos que fossem a todas as nações, fizessem discípulos e os batizassem em Seu nome, ensinando-os a guardar tudo que lhes dissera. (Veja Lucas 24:45-47.)

d) O Filho de Deus, com a autoridade e poder que recebera do Pai, promete então que estaria espiritualmente com eles todos os dias até o fim do mundo. O Evangelho de Marcos confirma que Ele cumpriu essa promessa: “De fato o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e assentou-Se à destra de Deus. E eles, tendo partido, pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra por meio de sinais que se seguiam.” Marcos 16:19-20.

Portanto, fica demonstrado, segundo o raciocínio dos leigos adventistas, que acrescentar outros personagens à última declaração de Cristo registrada por Mateus fere o contexto, tornando o texto confuso, pois lhe desvirtua o sentido.

12. Para encerrar, uma declaração da Sra. White que nossos teólogos prefeririam que não existisse, porque coloca em dúvida Mateus 28:19 e outras passagens que parecem favorecer o dogma da trindade:

“Vi que Deus havia de maneira especial guardado a Bíblia, ainda quando dela existiam poucos exemplares; e homens doutos nalguns casos mudaram as palavras, achando que a estavam tornando mais compreensível quando, na realidade, estavam mistificando aquilo que era claro, fazendo-a apoiar suas estabelecidas opiniões, que eram determinadas pela tradição. Vi, porém, que a Palavra de Deus, como um todo, é uma cadeia perfeita, prendendo-se uma parte à outra, e explicando-se mutuamente.” Primeiros Escritos, págs. 220-221.

Ora, um dos únicos textos da Bíblia do qual até os teólogos trinitarianos têm plena certeza de que se trata de um inegável acréscimo é aquele que se encontra entre colchetes em I João 5:7-8 e favorece a trindade:

“Pois há três que dão testemunho [no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito; e estes três são um. E três são os que testificam na terra]: o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes num só propósito.”

Se havia tanta certeza da autenticidade bíblica da doutrina da trindade, por que falsificar um texto para introduzi-la no cânon sagrado?

Diante disso, se neste caso favoreceu-se a trindade e o Espírito de Profecia, através da irmã White, fala “nalguns casos”, é muito provável, lógico até mesmo para os “leigos”, que outros trechos que favorecem a trindade, como Mateus 28:19 e a chamada “bênção apostólica”, sejam também apócrifos.

13. A mais recente edição da Bíblia de Jerusalém, Nova Edição, Revista e Ampliada, lançada em agosto de 2002 pela Igreja Católica, em nota de rodapé a Mateus 28:19, admite que a frase “batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, tenha sido acrescentada posteriormente ao Livro de Mateus:

“É possível que, em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar “no nome de Jesus” (cf At 1,5+;2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade…” — Robson Ramos, em setembro de 2003.

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Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

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