Sola Scriptura e Cosmologia: O Cosmos segundo a Bíblia
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O estudo do cosmos, sua origem e significado, é muito importante para qualquer pessoa, pois é através da sua visão de mundo que ela irá julgar suas práticas, seu estilo de vida. Começando pelos conceitos comuns utilizados na discussão do tema entendemos melhor como surgiu esta matéria de estudo e como foi tida com grande valia até mesmo por civilizações muito antigas, principalmente na região do Antigo Oriente Próximo e Médio.
Carlos Flávio Teixeira — Pós-Doutorando em Teologia Bíblico-Sistemática na Andrews University (EUA), Pós-Doutor em Teologia Bíblico-Sistemática pela Escola Superior de Teologia (EST). Doutor em Ciências da Religião, na especialidade de Teologia Sistemática (UMESP). Mestre em Teologia Pastoral (UNASP) e Direito Constitucional (UNIMEP). Especialista em Docência Para o Ensino Superior (UNISUL). Graduado em Teologia (UNASP) e Direito (UNITRI). Membro da Adventist Theological Society. Docente nos cursos de graduação e pós-graduação do UNASP Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho, e na Faculdade Adventista de Teologia do mesmo Campus.
Luciano Geraldo Mateus da Silva — Graduando em Teologia na Universidade Adventista de São Paulo (UNASP-EC).
Não é simples, muito menos fácil explicar o mundo e sua origem. Não é por acaso que existem muitos métodos para tentar se entender o mundo. A Bíblia fornece uma alternativa e, apesar de ser parecida com alguns relatos antigos da origem do cosmos, ela é singular ao apresentar a realidade da criação, principalmente na relação Deus-homem. Ao longo do tempo, a concepção bíblica foi alterada por vários intérpretes, misturando-se mitos, cultura e filosofia com o relato bíblico. Grandes mudanças na concepção bíblica de mundo são percebidas na Igreja Cristã, principalmente na relação dela com a filosofia grega. Estas concepções influenciaram muito no pensamento cristão. Contudo, uma concepção bíblica, extraída unicamente das escrituras é o objetivo da Igreja Adventista do Sétimo Dia ao tentar entender o mundo e sua origem.
O conceito de mundo apresentado pelas Escrituras no relato da Criação é fundamental para uma compreensão correta das demais realidades apresentadas na Bíblia. Ao nos depararmos com a unidade e coesão do mundo criado, e com a literalidade do texto bíblico, percebemos que não cabe dentro da compreensão adventista a ideia dicotômica de mundo, a qual o divide em duas realidades: a realidade espiritual e a realidade material. O nosso mundo e os conceitos de “céus e terra” são uma realidade concreta, que estão dentro de uma unidade universal de mesma natureza.
A descrição Bíblica da origem do cosmos se assemelha a alguns destes relatos, mas de fato ela é singular em seu conteúdo. Na perspectiva bíblica Deus cria por seu tremendo poder, de forma sobrenatural e além da capacidade humana de explicar, um mundo perfeito. Este mundo, quando finalizado, é chamado de “muito bom” (Gn 1:31). É também, uma realidade concreta no universo. Deus e suas criaturas, não somente neste planeta, partilham da possibilidade de se relacionar no tempo e no espaço.
O desejo de Deus de se relacionar com Suas criaturas foi o objetivo inicial do cosmos e é justamente este também seu objetivo final. O futuro é um retorno às condições do passado. Mediante uma reforma “novo céus e nova terra” serão, de novo idênticos como antes no princípio.
Desde muito cedo na história humana, questões sobre como o universo e o nosso mundo surgiram tem sido levantadas. As civilizações antigas se apoiavam em mitos religiosos para trazer luz sobre a origem, não só do Mundo, mas também a própria origem das civilizações. A filosofia e mitologia eram os recursos mais comuns utilizados entre as civilizações antigas na tentativa de voltar ao passado e descobrir a origem do mundo. Estes dois modos de interpretar o universo permaneceram como os principais métodos até o surgimento do paradigma científico.
A Bíblia começa com uma descrição cosmológica, um relato sobre a origem do mundo conhecida como a Criação. Sarna orienta que a criação, ou cosmologia, que abre o livro de Gênesis é diferente de todos os relatos sobre a origem do mundo na cultura religiosa e mitológica do mundo antigo14. A maneira como a Bíblia apresenta o mundo é singular, não por haver uma divindade criadora, pois isto era muito comum na cultura do antigo oriente médio, mas sim pela sequência dos acontecimentos, principalmente pelo profundo significado e relação entre quem cria e quem é criado.
O tema principal deste relato cosmológico descrito nos primeiros capítulos de Gênesis é “a ideia fundamental na qual se baseia o restante das Escrituras: um só Deus é o Criador”15. O que acontece a seguir, no decorrer da história da humanidade está ligado à origem do cosmos. Deus age na história demonstrando o mesmo poder capaz de criar as coisas a partir do nada. Para Sarna, o tema da Criação que abre o livro de Gênesis é importante, pois serve “como uma introdução ao motivo central do livro: o papel de Deus na história”16. A perspectiva de um futuro (restaurar e recriar), verificada em vários livros da Bíblia, também está relacionada com o poder de criação. Sem acreditar no que Deus foi capaz de fazer, a fé de que Ele fará algo se torna debilitada. Portanto, considerando a importância da atuação de Deus na história, dentro da perspectiva bíblica cosmológica , o estudo seguirá a lógica: passado (criação), presente (criação/redenção) e futuro (redenção/recriação).
Importante também é entender o conceito de “céu e terra”, descrito tanto no início (Gn 1:1) quanto no fim (Gn 2:4) do processo criativo. A que este conceito se refere? Von Rad comenta que apesar de outras nações próximas de Israel terem uma percepção mais preocupada com o “ser do mundo”, isso não era assim com Israel, que percebia o mundo mais como um evento18. E é esta relação de Israel com o mundo que importava para um israelita, já que “apenas o mundo criado em relação a ele interessa à ele”19. Assim, possivelmente “a expressão hashamayim ve’et ha’arets [transliterado], céus e terra, se aplica somente para o universo humano e não se refere aos mundos que estão além da experiência humana (Isa 65: 17; Jer 33: 25; Ps 115:15; 121: 2; 124: 8; 134: 3; 146: 6)”20.
Na relação entre Gn 1:1 e 2:4, que marcam o inicio e o final do processo criativo, vemos que a ênfase no uso do conceito “céus e terra” está em descrever como eles estão em seu estado final e não como parte do processo semanal de criação21. Assim, este conceito é entendido de forma concreta, pois “céus e terra” se referem ao mundo criado com o qual o homem se relaciona. “O uso subsequente de cada termo separado faz referência para o céu [visível] e a terra seca no sentido mais restrito e concreto”22, como por exemplo, em: 1Rs 8:30; Sl 115:16, 123:1, 24:1, 89:11; 1Co 10:26 ; Ap 12:12.
Esta concepção de mundo sofreu muitas alterações ao longo do tempo. Em nome das Escrituras muitos pensadores cristãos escreveram sobre a origem do cosmos, porém de maneira mais filosófica do que bíblica. Verificada com influência de pressuposições extra-bíblicas (principalmente da filosofia grega) a concepção do cosmos foi reformulada de acordo com o pensamento de alguns teólogos da Igreja Cristã que influenciaram a maneira como vemos o mundo. Na presente pesquisa, analisamos as concepções dualísticas de Agostinho. Vimos as implicações do método de Tomás de Aquino ao tentar explicar o tema à luz da união entre a filosofia e teologia Católica.
Destacamos a ênfase de Lutero no retorno à Palavra de Deus. Apesar de sua iniciativa, ele não conseguiu se desvencilhar de toda a herança da tradição. Repetiu as ideias anteriores relacionadas com a imortalidade da alma, que sugere implicitamente a concepção dualística de mundo. Sob esta mesma perspectiva Calvino pensava. Ele entendia que a transcendência de Deus é vivenciada por Ele em outra realidade, onde alma e os seres celestiais habitam.
Ao longo das eras, mudanças aconteceram na forma como a cristandade entendia o relato bíblico da Criação. Observando-se alguns personagens da história cristã, percebe-se a influência que eles tiveram na construção do pensamento sobre o tema da cosmologia. Porém, cabe avaliar como a Igreja Adventista do Sétimo Dia entende o cosmos e a relação de Deus com suas criaturas.
Ellen G. White (1827 – 1915)
Para Ellen White uma pioneira da igreja adventista do sétimo dia e considerada profetisa pela denominação, a Criação também é considera de grande importância. A maneira como Deus origina as coisas, através de Sua Palavra, é uma demonstração do poder que Ele possui, mas também é uma excelente demonstração de Seu amor. Estes dois elementos, poder e amor, caracterizam o Criador no início do mundo e no decorrer da história. Deus também deixa marcas na natureza, marcas que O revelam. Porém, a natureza não revela a Deus por completo. Segundo ela, “a natureza é um poder, mas o Deus da natureza tem poder ilimitado. Suas obras interpretam o Seu caráter”. (WHITE, Ellen G. Mensagens escolhidas. Tradução de Luiz Waldvogel, Isolina A. Waldvogel. 2. ed. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1985, p. 309.)
A história do mundo contida na Bíblia é o único relato digno de confiança. Para ela, “A mente e a mão divina preservaram através dos séculos o registro da criação em sua pureza. É somente a Palavra de Deus que nos dá um relato autêntico da criação de nosso mundo”95. Esta preservação não é ausente de significado, pois é a partir da Criação que se encontra o desenrolar a história da humanidade:
A Bíblia é a história mais instrutiva e abrangente que já foi dada ao mundo. Suas páginas sagradas contém o único relato autêntico da criação. Contemplamos aqui o poder que ‘estendeu os céus e lançou os fundamentos da Terra’. Encontramos aqui a história verdadeira da humanidade, não deturpada pelo preconceito ou orgulho humano. (WHITE, Ellen G. Mensagens escolhidas. Tradução de Luiz Waldvogel, Isolina A. Waldvogel. 2. ed. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1985, p. 505.)
Ellen White foi incluída pelo fato de seus escritos influenciarem a teologia adventista. Para ela Deus cria as coisas de forma sobrenatural e continua mantendo de forma sobrenatural. Tudo depende dEle, e é por Ele que o mundo não se desfaz. Por fim, também vimos como a Igreja Adventista do Sétimo Dia percebe a origem do mundo. Na tentativa de voltar para a visão bíblica, ela entende o processo criativo descrito no livro de Gênesis como literal. Os conceitos de “céus e terra” são percebidos como uma realidade concreta no universo.
Este estudo, longe de ser um compêndio sobre a cosmologia bíblica, é um ponto de partida para o exame deste tema. É também uma oportunidade para considerarmos o significado bíblico do mundo e nosso papel nele. Mais do que isso, precisamos nos situarmos no significado bíblico do mundo. Pois, como Buber afirma, é na origem do mundo onde encontro não só minha origem, mas meu objetivo 116.
Fonte: https://www.academia.edu/28183480/Sola_Scriptura_e_Cosmologia_O_Cosmos_segundo_a_Bíblia
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