O artigo foi publicado na Revista Adventista de Fevereiro de 2015, respondendo a indagação de um leitor a respeito do batismo em nome da trindade.
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A fórmula trinitária
O batismo dos cristãos primitivos era feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? O texto de Mateus 28:19, que menciona esse tipo de batismo, faz parte do original em grego? João Batista dos Santos
Essas são perguntas recorrentes. Vamos começar pela segunda. Em relação à fórmula batismal trinitariana de Mateus 28:19, a situação é a seguinte: (1) A fórmula está presente em todos os manuscritos gregos que contêm Mateus 28:19, pois nem todos os manuscritos sobreviveram de forma completa. Na verdade, alguns chegaram até nós em estado bastante fragmentário, mas todos os que contêm o versículo em questão registram a fórmula trinitariana, sem exceção, e isso acontece com vários manuscritos cujo texto remonta ao 2º século. (2) A fórmula também está presente em todas as antigas versões, cujo texto também data do 2º século. (3) Toda a literatura patrística anterior ao 4º século que cita Mateus 28:19 inclui a fórmula trinitariana. Exemplos: a Didaquê (c. 130-150), uma espécie de manual da igreja síria; Justino Mártir (c. 150); Clemente de Alexandria (150-215); e Cipriano (3º século). Levando-se em conta o registro textual, portanto, é praticamente impossível afirmar que a fórmula trinitariana de Mateus 28:19 não seja original.
E quanto ao batismo cristão primitivo, era ele feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? De acordo com o livro de Atos, a resposta é não, pois todos os batismos ali mencionados são em nome de Jesus apenas (Atos 2:38; 8:16; 10:48; 19:5; 22:16; cf. 1 Coríntios 6:11). Como entender isso? Não é fácil, como não é fácil entender que, mesmo após a ressurreição de Jesus, os apóstolos ainda achavam que ele tivesse vindo para restaurar a independência política de Israel (Atos 1:6, 7), ou que eles, de alguma forma, ainda continuavam envolvidos nas atividades cerimoniais do templo (Atos 2:46; 3:1; 21:23, 24), ou que o próprio Paulo, ao final de sua terceira viagem missionária, ainda tivesse ido ao templo oferecer sacrifício (Atos 21:26).
Seja como for, isso significa que não devemos olhar para o livro de Atos como se fosse um manual de igreja, muito menos como um manual evangelístico, como muitos o fazem. O livro de Atos apenas descreve como foram os primeiros 30 anos da igreja apostólica, seus erros e acertos, e como Deus atuou por meio deles para a consolidação e expansão da igreja. O período histórico abrangido por Atos foi de transição, em que muitos temas e práticas ainda careciam de desenvolvimento ou de uma compreensão mais clara. Foi assim com a questão da volta de Jesus, a pregação aos gentios e a própria organização da igreja.
Já a fórmula batismal em Mateus 28:19 se apresenta como uma clara ordenança de Jesus, e, portanto, é ela que deve pautar as atividades da igreja hoje. No fim do 1º século, a igreja já batizava em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Evidência disso é a própria Didaquê acima citada, que faz referência clara ao batismo trinitariano. Embora sendo do início do 2º século, há suficientes razões para crermos que tal prática retrocede ao período apostólico, na segunda metade do 1º século.
Devemos nos lembrar de que a revelação, mesmo aos apóstolos, foi progressiva (João 16:12; cf. Hebreus 1:1, 2; 2 Coríntios 1:13), e de que esse princípio se aplica também à compreensão dela (cf. João 12:16; 14:29; Lucas 24:8). É por isso que nosso credo é a Bíblia em sua totalidade (tota scriptura), e não apenas o livro de Atos. E é no evangelho de João, por exemplo, que encontramos as revelações mais claras acerca da personalidade do Espírito Santo e sua atuação, juntamente com Cristo e o Pai, no plano da redenção (cf. João 14:16, 17, 26; 16:7-15), e esse evangelho foi um dos últimos livros do Novo Testamento a ser escrito, se não o último, já bem no fim do 1º século.
Seja como for, a crença na personalidade do Espírito Santo e a utilização da fórmula batismal trinitariana são bem anteriores ao Concílio de Niceia, no 4º século, que teria sido, segundo alegam alguns desinformados, quando tal crença foi introduzida na igreja cristã. Um melhor conhecimento da história da igreja e o uso de fontes e evidências documentais, como os manuscritos gregos, as antigas versões e as citações patrísticas, tornam quase impossível afirmar que a fórmula trinitariana de Mateus 28:19 constitua um acréscimo posterior.
Wilson Paroschi, doutor em Teologia, com especialização em Novo Testamento, é professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)
Fonte: http://www.revistaadventista.com.br/2015/02/a-formula-trinitaria.html