…Dizem que a descrição pré-científica do formato da Terra feita por Moisés chega a ser infantil, inaceitável para quem já viu as fotos e vídeos da Nasa. Assim, dão mais crédito a homens do que a Deus, em Sua palavra.
Professores e teólogos adventistas do sétimo dia, como Brian Bull e Fritz Guy, autores do livro “God, Sky and Land: Genesis 1 as the Ancient Hebrews Heard It” (Adventist Forum, 2011), admitem que a palavra “raqi’a” em hebraico referia-se a um firmamento sólido, semelhante a esse objeto sobre a mesa que usam. Contudo, preferem crer que o Deus de Moisés fez a revelação da suposta esfericidade da Terra séculos depois aos filósofos gregos, mantendo o profeta com quem falava face a face em total ignorância quanto ao verdadeiro formato da Terra.
Ambos vêem no texto bíblico resquícios de uma cosmologia “pré-científica”, que não teriam sido anulados pela inspiração divina. Em resumo, para eles, Deus inspirou, de fato, a suposta Ciência dos filósofos gregos e não o registro dos autores bíblicos. Portanto, segundo esses eruditos adventistas, o relato bíblico da criação em Gênesis não deve ser entendido literalmente.
Nossa “playlist” contém vários vídeos com palestras desses autores em 2012, 2016 e 2018. Se você não entende inglês, configure as legendas automáticas do YouTube para tradução em português. De qualquer modo, o trecho do vídeo que postamos acima, começa com uma caricatura de Moisés pensando na Terra plana e um jovem da atualidade ao lado dele, sem entender nada. Logo depois, começa a explicação de Brian Bull sobre a tela seguinte, que representa a face caótica do abismo, coberto com o que chamam de “água pré-existente, embora não fosse exatamente água”.
Fritz Guy afirma então que Deus iniciou o processo da criação a partir dessa água pré-existente. Segundo ele, isso contraria a visão ortodoxa de que Deus teria criado todas as coisas a partir do nada. Brian interrompe e retoma a explicação dizendo a coisa foi que o abismo de Gênesis 1:2 sobre o qual o Espírito de Deus pairava, era uma mistura de água e trevas. Fritz não entende bem a imagem, mas diz que Brian mereceria nota B+ pelo esforço.
Brian prossegue, dizendo que Deus criou um espaço circular no fundo do abismo e estendeu sobre ele uma cúpula ou abóbada, dependendo do ângulo de visão. Olhando por baixo, é uma abóbada, como Moisés teria visto o espaço nessa estrutura hemisférica, como o teto de uma catedral. Mas se você olhar
a partir do exterior e de uma certa distância, chamará isso de domo ou cúpula.
De acordo com o que dizem, Moisés não tinha ideia do que o outro lado disso parecia. Porém, mais tarde ainda no tempo do Antigo Testamento, Ezequiel usou o do outro lado da “raqi’a” como base para o trono de Deus. E lá o domo ou cúpula é descrito como “duro e feito de cristal”.
Olhando para o céu, há tantos séculos, Moisés poderia imaginar o firmamento como uma cúpula azul, por onde o sol passa e surgem as estrelas. Contudo, hoje, segundo argumentam, nós que já vimos a Terra do espaço exterior [nas foto-montagens da Nasa], sabemos que é uma esfera e que não existe nenhuma barreira acima porque já vimos os foguetes saindo da Terra para o espaço.
“Quando olhamos para cima, suponho que somente uma criança de seis ou sete anos de idade, olhando para a noite quando o sol se põe e a abóbada celeste escurece, provavelmente vê o céu como uma cúpula,” argumenta Brian, ridicularizando a descrição do formato da Terra feita por Moisés.
O que pensa Fritz Guy
Fritz Guy (nascido em 1930) é um teólogo adventista do sétimo dia e professor pesquisador de Teologia Filosófica na Universidade La Sierra, em Riverside , Califórnia. Ele trabalhou como professor universitário, administrador acadêmico e pastor da igreja. Nos últimos anos, Guy abraçou a teologia adventista progressista, com palestras e artigos explorando a temporalidade de Deus, a esperança da salvação universal, a teologia da criação e a moralidade dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo*. Em uma pesquisa de 1985, entre acadêmicos adventistas norte-americanos, Guy empatou em quarto lugar entre os autores adventistas que mais os influenciaram. Em 1989, Gary Chartier observou uma visão generalizada de que Guy “era o principal teólogo sistemático adventista de sua geração”.
[* É o que acontece com a doutrina do casamento apenas entre um homem e uma mulher, por exemplo, quando se abandona a interpretação literal de Gênesis.]
Sobre esse tema da criação em Gênesis, em setembro de 2011, Fritz Guy opinnou no artigo “Seven Considerations for Productive Conversation About the History of Life on Planet Earth”:
…4. Como é o caso de muitos outros tópicos (vegetarianismo, milagres, casamento entre pessoas do mesmo sexo, serviço militar, etc.), não existe uma única “posição da Igreja Adventista do Sétimo Dia” em relação à história da vida na Terra. Os adventistas individuais – cientistas, teólogos, pastores e outros – possuem visões muito diferentes sobre a idade do universo, do planeta Terra e da vida na Terra. A única “posição oficial” da Igreja Adventista do Sétimo Dia é declarada na Crença Fundamental nº 6, onde a linguagem é deliberadamente bíblica e ampla o suficiente para acomodar várias visões sobre a história natural da Terra. De fato, foi exatamente essa amplitude que motivou um esforço malsucedido (na Conferência Internacional sobre Fé e Ciência em Denver em 2004) em direção a uma declaração mais restritiva, especificando “dias contíguos literais de 24 horas, consecutivos.
5. A abertura histórica adventista ao desenvolvimento teológico é substanciada por várias considerações. Por um lado, os fundadores do adventismo não poderiam ser membros da igreja hoje se tivessem que aceitar a atual declaração de crenças fundamentais (ver George Knight, A Search for Identity, p. 1). Por outro lado, Ellen White insistiu: “Não há desculpa para alguém tomar a posição de que não há mais verdade a ser revelada, e que todas as nossas exposições das Escrituras estão sem erro. O fato de certas doutrinas terem sido mantidas como verdade por muitos anos por nosso povo não é uma prova de que nossas idéias são infalíveis. A idade não transformará em erro a verdade, e a verdade pode ser ajustada.” (Conselhos aos Escritores e Editores, p. 35). Em terceiro lugar, o preâmbulo da atual declaração de Crenças Fundamentais observa: “A revisão dessas declarações pode ser esperada em uma sessão da Associação Geral, quando a igreja é guiada pelo Espírito Santo para uma compreensão mais completa da verdade bíblica ou para encontrar uma linguagem melhor. que expressar os ensinamentos da Santa Palavra de Deus. ”
6. Nos últimos 50 anos, o consenso dos adventistas do sétimo dia sobre a idade do universo mudou significativamente – de aproximadamente 6.000 anos para 13,7 bilhões de anos, apesar das afirmações em contrário de Ellen White (ver, por exemplo, Educação, p. 128). Alguns teólogos adventistas inserem 13,7 bilhões de anos entre Gênesis 1: 1 e 1: 2, apesar da leitura evidente das Escrituras (Gênesis 2: 1-4a; Êxodo 20: 11a, 31:17).
7. Todos precisam reconhecer que toda leitura da Escritura é uma interpretação, que uma interpretação literal é, contudo, uma interpretação, e que nenhuma interpretação é evidentemente a “verdadeira”. Uma interpretação literal precisa ser justificada tanto quanto qualquer outra interpretação. Uma interpretação das Escrituras que acomoda dados empíricos amplamente reconhecidos é preferível a uma que não acomoda – o que explica por que a maioria dos adventistas do sétimo dia cultos acredita, apesar do texto hebraico de Gênesis 1, que a Terra gira em torno do sol, que o sol existia antes da Terra e a terra não é coberta por uma cúpula sólida.
A conversação adventista em andamento sobre a história da vida na Terra será produtiva na medida em que essas e outras considerações semelhantes sejam levadas a sério.