Aproximadamente, 4 de cada 10 pastores brasileiros que deixam a Organização Adventista, saem por problemas morais; 2 por razões financeiras; 2 por improdutividade; um por motivo de saúde; e 2 por conflito diversos, segundo estudo apresentado em 2021 no Unasp.
Davi: dramas profundos no homem segundo o coração de Deus
Líder de destaque no Antigo Testamento, Davi é considerado o maior rei de Israel e um dos personagens mais famosos da Bíblia. As experiências vividas por ele são tão diversas, que dificilmente um leitor da sua história não consiga encontrar algum paralelo entre sua vida e a daquele herói israelita. Na época de sua unção, Davi, embora não tivesse ainda a estatura de um vigoroso guerreiro, já possuía dotes de artista, o que pôde ter influenciado seu futuro (ver 1Sm 18:7). Chegando ao apogeu da carreira, Davi conquistou a fortificada cidade de Jerusalém (ver 2Sm 5:6-10), estabelecendo nela a sede de seu reino.
Tipo de falhas que interessam ao estudo.
Embora fosse líder respeitado dentro e fora de seu país, devido a um breve episódio de prazer sensual, passou a ter seu nome associado à vergonhosa perversidade, que lhe ocasionou lastimável perda de confiança entre seus súditos. Além disso, parece que “nenhum pecado, salvo o de Adão e Eva, recebeu mais publicidade do que o de Davi com Bate-Seba”. (Charles R. Swindoll, Davi, um homem segundo o coração de Deus (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999), 12.)
Com surpreendentes detalhes foi preservada a história dessa paixão descabida (2Sm 11:1-5). Assim descreveu LaSor:
Num final de tarde, Davi se levantou de seu descanso após o meio-dia que é característico da vida no Meio-Este, e foi ao telhado de sua casa para caminhar no ar fresco. Ele viu uma mulher se banhando, e a mulher, a Bíblia nos conta, era muito linda. A natureza sensual de Davi foi suscitada, e ele inquiriu acerca da mulher e descobriu que era esposa de um dos soldados hititas de seu exército. Então, Davi enviou um convite a ela, e “ela veio a ele, e ele deitou-se com ela”. [William S. LaSor, Men Who Know God (CA: Glendale Publications, 1971), 105.]
A atitude de Davi poderia ser considerada normal e natural, suficientemente dentro dos direitos dos reis nos moldes orientais. Inclusive, “segundo o costume que prevalecia entre os governantes orientais, crimes que não seriam tolerados nos súditos não eram condenados no rei; o monarca não tinha o dever de observar as mesmas restrições que os súditos”. (White, Patriarcas e profetas, 717.) Mas a notícia da gravidez, a trama mal sucedida para a transferência da paternidade ao verdadeiro marido, a morte premeditada de Uzias, e o casamento do rei com Bate-Seba após um “respeitável” período de lamentação, parece ter modificado a vida de Davi dali em diante. Poderia se dizer que as coisas mudariam, e para pior.
Possíveis vulnerabilidades e passos para a falha.
Por que Davi caiu nesse terrível pecado? Alguns prováveis fatores estavam presentes. Como observou C. S. Lewis, “os longos, aborrecidos e monótonos anos de prosperidade ou adversidade durante o período da meia-idade são um excelente tempo de campanha (para o diabo)”. [C. S. Lewis, Screwtape Letters (Nova York: Collier Books Macmillan, 1959), 132.] E, como afirmou Neill, “os anos, entre quarenta e cinquenta, são os mais perigosos da vida de um homem. Esse é o tempo em que nossas fraquezas internas são mais propensas a aparecer”. [Stephen Neill, On the Ministry (London: Canterbury Press, 1952), 34-35.]
Outro fator pode ter sido a estabilidade e fama, que o deixaram vulnerável, especialmente por não ter de prestar contas a ninguém. Davi se encontrava no topo da glória, com estabilidade econômica no reino, poder, admiração, confiabilidade e indescritível autoridade (ver 2Sm 8 a 10). Na sequência, houve o enfraquecimento dos valores interiores, pois ele seguiu a prerrogativa poligâmica dos reis orientais, e, em seu caso, casou-se com sete esposas além das concubinas, contrariando as ordens de Deus aos reis israelitas (ver Dt 17:17).
Mais ou menos rápido, mais ou menos calculado, geralmente existem sete passos no processo da tentação: a chamada da atenção, o surgimento do desejo, a racionalização frente à acusação da consciência, a substituição da vontade de Deus pela carnal, o planejamento da ação, o ato pecaminoso e suas consequências. (Notas em sala de aula, Wilson H. Endruweit, “Pentateuco”, Programa de Bacharelado em Teologia, Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, São Paulo, setembro de 1982.)
E no caso de Davi, percebe-se nitidamente a rota da tentação ao pecado. A atenção do rei foi despertada, pois no momento em que ele caminhava pelo terraço de seu palácio, seus olhos casualmente descobriram uma cena atípica (ver 2Sm 11:2). Em seguida, foram alimentados os desejos sensuais, buscando mais informações. O servo do rei, que parecia estar lendo os pensamentos se seu senhor, indagou: “Não é esta Bate-Seba, filha de Eliã, mulher de Urias, o heteu?” (2Sm 11:3).
Em outras palavras, é como se estivesse dizendo: “Ela é casada; e com um de seus melhores e valentes soldados” (ver 2Sm 23:39). Mas Davi se esqueceu de que era um homem de Deus; seu desejo pelo prazer sexual veio em primeiro lugar. Perdeu o controle sobre a sua paixão. Após tomar a decisão, de alguma forma Davi planejou seu pecado.
Os preparativos poderiam ter envolvido: chamar a mulher, esperar que viesse, arrumar o quarto e roupas especiais, perfumar o aposento, preparar uma lisonjeira e cativante conversa, providenciar presentes para conquistá-la, mandar os filhos brincar em outro lugar, preparar uma boa desculpa para suas esposas e concubinas, etc.
E apesar de que ainda havia tempo de voltar atrás, todavia foi avante (ver 2Sm 11:4). Evidentemente, o rei não foi o único culpado nesse adultério. Bate-Seba, no mínimo, foi imprudente, caso contrário certamente não teria tomado banho num lugar visível. Como arrazoou Raymond Brown, “Bate-Seba foi descuidada e insensata, faltando-lhe a modéstia comum às hebreias, caso contrário certamente não teria tomado banho num lugar onde sabia que podia ser vista. Do seu terraço ela deve ter olhado muitas vezes para o palácio real e, é claro, estava ciente de que poderia ser vista”. (Ibid. Ver também Clarke, 1:402.)
Evidentemente, Bate-Seba aceitou o convite conscientemente. Como escreveu Clarke, “não lemos que ela se opôs ou que tenha sido forçada”. (Clarke, 1:402.)
As leis do Pentateuco julgavam igualmente digna de morte a uma mulher casada que participasse de um adultério sem gritar (ver Dt 22:22-24). Por isso ela não deveria ser vista como vítima e sim como cúmplice do pecado do rei, (Klein, 11:156.) pelo menos, ou, então, como uma mulher decidida em armar um casamento político. (Para maiores detalhes, ver: Freedman, 1:627-628.)
Davi, embora maduro nessa época, possivelmente ainda era bonito e gentil, hábil em poesias e músicas, e além disso, era o poderoso rei! Quanto estímulo também para uma mulher linda, esposa de um ausente militar, provavelmente acostumado a contar sobre batalhas, sangue e mortes, agora sendo cobiçada pelo homem mais influente da nação!
Consequências e pessoas afetadas.
Entretanto, amargas foram as consequências. Bate-Seba ficou grávida (2Sm 11:5)! Para Davi, seguiram-se dias de atordoamento mental. Sobre esse período, Davi mesmo escreveu: “Enquanto me calei, envelheceram os meus ossos” (Sl 32:3-5), e “Porque reconheço meu pecado, e o meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 51:3). E em vez de confrontar seu erro francamente diante de Deus e da sociedade, procurou artimanhas, que acabaram trazendo mais complicações (ver 2Sm 11:6-16). Como alguns momentos de prazer pecaminoso custaram caro! Por aproximadamente um ano, ele carregou o fardo do pecado. Ele era agora um mau marido, um pai irritado, um líder fraco que não podia fugir da verdade.
Em algum momento posterior, refletindo sobre essa etapa, escreveu o Salmo 51, em cuja melodia figuram palavras que expressam a intensidade de sentimentos e sofrimentos emocionais que demonstram quão caro lhe custou o pecado.
Gaebelein, 5:380, comentando sobre o Sl 51:3-4, entende que a variedade de palavras usadas para “pecado” não está ali somente por razões poéticas, mas sim também para expressar “a seriedade do pecado. O autor está completamente consciente de sua condição diante de Deus”. (Estudo adicional em Purkiser, 3:218; Nichol, 3: 707, 755.)
Rapidamente Davi viu sua casa desmoronando. Perseguido pelo fantasma do seu pecado, testemunhou sua casa dividida em ciúmes, incesto, assassinato e rebelião (ver 2Sm 13). Foram eventos estressores originados dentro da própria família, cujo impacto ultrapassou os limites domésticos, com a revolta de Absalão (ver 2Sm 15), sendo sentido na sociedade israelita em seus diversos segmentos.
Cuidados que teriam evitado a queda.
Se Davi tivesse levado mais a sério sua responsabilidade como líder espiritual, seguramente teria buscado refúgio em Deus no momento da tentação (ver Sl 46:1). Se Davi não tivesse considerado ganha a batalha, teria ido à guerra para inspirar, pelo menos, a seus soldados, o que teria evitado aquela tragédia.
Se o rei tivesse usado bloqueadores mentais contra o pecado, como, por exemplo, refletir que a mulher era casada, o que deveria ser castigado com a morte de ambos (ver Dt 22:22); e que era esposa de um de seus soldados mais destacados, que provavelmente buscaria vingança; ou outras consequências que, consideradas devidamente, lhe ajudariam a calcular o custo do pecado, aumentando a força do espírito e da razão contra a força da libido.
Outra saída poderia ser a de procurar conselhos com um amigo, contando sua tentação e pedindo ajuda. Por último, por mais que possa parecer desconcertante, poderia ter buscado uma de suas esposas ou concubinas para dar vazão ao seu apetite sexual, evitando cair nas garras do inimigo (ver 1Co 7:5).
Processo de recuperação.
O pecado do principal líder (Sobre a distinção entre a experiência e posição civil de Davi com as dos sacerdotes, ver: Miroslav Kis, “A sexualidade e o sacerdócio”, 30.) de Israel necessitava ser repreendido, e Deus buscou três elementos fundamentais: a pessoa certa, o momento certo e a maneira certa.
Foi escolhido o profeta Natã, o homem com as características adequadas. Afinal de contas, Natã era amigo respeitado do rei [Um filho de Davi foi registrado com esse mesmo nome Natã (1Cr 3:5).] e não teria tantas barreiras para alcançar seu coração, visto que a melhor pessoa para confrontar é um amigo (ver Pv 27:6).
Deus esperou a hora certa, pois se Natã fosse enviado um ano antes, poderia ter sido morto. Todavia, passado um período de reflexões e sofrimentos, o rei não estava mais insensível como na época que tentou esconder seu pecado. E, finalmente, Deus o inspirou a abordar o assunto da maneira certa: uma interessante história, um julgamento racional, uma franca confrontação, seguida pela punição (ver 2Sm 12:1-13).
Apesar disso, a intimidade entre Davi e o Senhor voltou a ser tão acentuada que ele foi considerado um homem que guardou os mandamentos de Deus, seguiu-Lhe com integridade de coração, fazendo somente o correto diante do Senhor (ver 1Rs 14:8). Obviamente “isso aconteceu quando ele se arrependeu, abandonou o pecado e humilhou-se desprovido de justificação própria”. (Kis, “Sexualidade e sacerdócio”, 30.) Os últimos relatos de sua história trazem a feliz informação: “Morreu numa boa velhice, cheio de dias, riquezas e honra” (1Cr 29:28).
Concluindo, o adultério de Davi foi a porta pela qual o inimigo conseguiu entrar para interromper as bênçãos celestiais sobre um homem de destacado prestígio espiritual, destruir sua credibilidade, lançar por terra significativa parte da influência que possuía, trazer opróbrio ao nome de Deus, desarticular o bom andamento da obra do Senhor, despertar a rebelião e finalmente levar pessoas à perdição.
Algo semelhante pode acontecer com os líderes espirituais na atualidade. Entretanto, apesar do caos originado por pecado semelhante, a justiça de Cristo Jesus certamente pode resgatar um líder cujo pecado trouxe ignomínia à causa do Salvador, e curar as feridas de Seu povo.