Festival de Abobrinhas: O livro de Enoque na Mira dos Donos da Verdade

Em resposta ao questionamento de um telespectador, o “Oráculo Adventista” Leandro Quadros, que ainda apresenta o programa Na Mira da Verdade, mais uma vez demonstrou estar absolutamente despreparado para o papel de paladino doutrinário, que escolheu representar na Rede Novo Tempo de Televisão.

A pergunta era: “Se os livros de Enoque não são de origem divina, então por que há citações dele no livro de Judas? Será que apenas algumas citações são inspiradas? Se Deus o levou para o Céu, seus escritos não deveriam ser também inspirados?”

Vamos dividir e refutar a resposta de Leandro:

Abobrinha número 1: O livro de Enoque foi escrito alguns séculos antes de Cristo, ou seja bem depois de Enoque lá no princípio do mundo.

Faltou dizer, primeiro, que de fato temos mais de um livro de Enoque, conforme descreve a obra Comentário Gramático Histórico do Apocalipse — Anotações para acompanhamento de classes, da autoria do Professor Rodrigo P. Silva, ThD, da Faculdade Adventista de Teologia, edição de 2009, págs. 9-10:

I Enoque

É também conhecido como o “Apocalipse Etíope de Enoque”. É o mais antigo dos três pseudoepígrafos atribuídos ao patriarca e, adeptos da Formgeschichte, sugerem ele contenha matérias que vão desde o ano 200 a. C. até 50 A.D.. Seu tema gira em torno da história do mundo que é apresentada em forma de sonhos desde a criação até seu presumível fim. Narra uma pretensa viagem de Enoque aos lugares celestiais e ao submundo onde ficam os anjos caídos até o dia do Juízo (c.f. Judas 6).A influência deste manuscrito foi grande no meio dos sectários (?) de Qumran. Ele procurava incentivar os fiéis na obediência da lei tendo em vista a recompensa porvir.

II Enoque

Este manuscrito, também conhecido como o “Apocalipse Eslavônico de Enoque”, foi escrito possivelmente em alguma parte do século I A. D. por um judeu que vivia no Egito. De seu conteúdo, temos hoje apenas uma tradução eslavenônia, sendo difícil precisar se o original foi escrito em grego, aramaico ou hebraico. O relato é uma ampliação de Gên. 5:21 – 32 que vai da vida de Enoque até a chegada do dilúvio. O patriarca sobe uma escala de 10 céus e relata a seus filhos os ensinos espirituais que trouxera consigo desta pretensa viagem astral. A forte influência alexandrina, contudo, traz ao livro uma credibilidade à crença da preexistência da alma e da reminiscência de idéias conforme ensinava o platonismo grego.

III Enoque

O outro nome para este documento é “o Apocalipse Hebraico de Enoque”. Aqui não é pretendido que seja Enoque o suposto autor do documento, mas o Rabino Ishmael que sobe ao céu e encontra com Enoque exaltado que lhe confere uma visão das moradas celestiais. Sua data de composição deve ser aproximadamente 132 a. C.

O Livro de Enoque, ao qual a pergunta do telespectador se refere, é provavelmente I Enoque. Além disso, dizer que o texto foi redigido séculos depois da existência de Enoque não constitui argumento sério contra a inspiração ou não do livro. Moisés também registrou a história bíblica do Gênesis muitos séculos depois de ter ocorrido e discorre até sobre sua própria morte no Pentateuco. Nem por isso seu relato é tido como falso. Até porque muito provavelmente a tradição oral e outros registros podem ter preservado com fidelidade a sequência os fatos e terceiros podem ter colaborado. Além disso, a revelação divina prescinde de qualquer registro anterior.

Da Wikipedia em português retiramos outras informações referentes ao Primeiro Livro de Enoque:

Em Qumram, foram encontrados na Gruta 4, sete importantes cópias que foram atestadas pela versão Etíope. Estas cópias embora que não idênticas na totalidade foram encontradas em conjunto com cópias do Livro dos Gigantes referenciadas no capítulo IV do Primeiro livro de Enoque.

As cópias de Qumram foram catalogadas com as referências 4Q201-2 e 204-12, entre outras, e fazem parte da herança deixada pela comunidade Nazarita do Mar Morto, em Engedi.

  • 4Q201 – Enumera os nomes em aramaico dos vinte chefes dos anjos caídos;
  • 4Q204 – Relata o milagroso nascimento de Noé cujo paralelismo é notório com o de Gênesis Apócrifo e os fragmentos do Livro de Noé.
  • 4Q206 – Este é o mais divergente com a versão etíope
  • 4Q209 – Chamado Livro Astronómico, é consideravelmente mais longo que a versão etíope.

Conteúdo da versão etíope (versão copta).

  • 1-36 O Livro dos Vigilantes (ou Sentinelas, ou ainda, Observadores)
  • 37-71 O Livro de Parábolas (também chamado: O Similitudes de Enoque)
  • 72-82 O Livro Astronómico
  • 83-90 O Livro dos Sonhos
  • 91-108 A Epístola de Enoque

Como era de se esperar, o Dr. Rodrigo P. Silva em nenhum momento sugere que esse Livro de Enoque deveria estar entre os livros canônicos, ou inspirados. Contudo, afirma às págs. 14 e 15:

Isso, porém não significa que sejam sem valia para o estudo das Escrituras. Pelo contrário, eles são excelentes ferramentas que ajudam a iluminar o contexto social e literário no qual a Bíblia foi escrita. Eles não somente ajudam a reconstruir perante o homem moderno a cultura e o contexto dos autores sagrados, como também terminam nos transmitindo verdades históricas que doutro modo não saberíamos porque as Escrituras não narraram tudo o que aconteceu.

Abobrinha número 2: O autor é um autor falso e colocou o nome de Livro de Enoque para dar alguma credibilidade ao livro.

Como Moisés transpôs a tradicão oral do Gênesis para a forma escrita, também o autor do texto de Enoque pode tê-lo feito, ainda que isso tenha ocorrido muitos séculos depois. O próprio Deus poderia lhe ter revelado tudo o que está escrito e tê-lo movido a escrever toda a história na primeira pessoa como um recurso literário. Aliás, nenhum adventista pode duvidar que isso seja possível, considerando a abrangência da inspiração divina para os escritos de Ellen G. White, que cobrem desde o primeiro dia da Criação ao primeiros dias da Eternidade com Deus e Seu ilho, na Nova Terra.

No Comentário Gramático Histórico do Apocalipse — Anotações para acompanhamento de classes, da autoria do Professor Rodrigo P. Silva, ThD, da Faculdade Adventista de Teologia, edição de 2009, que já citamos, lemos às págs. 13 e 14, sobre “Os Apocalipses Apócrifos e a Tradição Oral”:

Apesar de serem obras tardias, muitos apocalipses repetem por escrito tradições orais que o povo possuía desde os tempos mais remotos de sua civilização e que possivelmente contenham muitos elementos de confiabilidade histórica.

É bem provável, porém, que algum leitor ocidental se mostre incrédulo quanto à fidelidade dessas “tradições orais”. Por aqui costuma-se dizer que “quem conta um conto aumenta um ponto”. Isso porém não se dá com a mente oriental que parece treinada desde a meninice para decorar histórias e passá-las à geração seguinte.

As narrativas modernas atribuídas à Scherazad nas famosas Mil e Uma Noites são as mesmas contadas por vários séculos e a própria narrativa bíblica utilizou-se de informações orais na sua composição.

Por isso não é infreqüente, também, que encontremos no N.T. descrições da história de Israel contendo vários detalhes não registrados na palavra escrita, mas que o autor conhecia por alguma fonte extra-canônica ou pela tradição oral do povo.

Judas, por exemplo, valendo-se evidentemente de dois apocalipses judeus de seu tempo, menciona nos versos 9 e 14 a disputa dos anjos pelo corpo de Moisés e a profecia de Enoque sobre a vinda do Juízo. Ora, nenhuma dessas duas situações é narrada no Antigo Testamento, mas está registrada no Apocalipse de Enoque e no Livro da Assunção de Moisés vejamos:

O livro de Judas diz: “Quanto a estes foi também que profetizou Enoque o sétimo depois de Adão dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades para fazer convictos todos e para fazer convictos todos ímpios acerca de todas as obras más que impiamente praticaram, e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele.” Jud. 14 e 15.

Em I Hen. 1:16-19 conforme o fragmento encontrado em Qumran (4Q204) é-nos dito: “[quando ele vier com] as miríades de seus santos [para executar o Juízo contra todos; e destruirá os ímpios][e culpará toda] carne por todas as obras [ímpias que cometeram por palavra e por obra] [e por todas as palavras] altaneiras e duras que ímpios [pecadores proferiram contra ele. Considerai] toda obra…”

Infelizmente não dispomos do texto original de onde Judas tirou a história da luta entre Miguel e o demônio pelo corpo de Moisés (Jud. 9). Contudo, sabemos que pertence ao Apocalipse da Assunção de Moisés devido a um antigo testemunho dado por Origenes no início do Séc. III.

Nas suas palavras: “Temos agora de declarar, em concordância com as declarações Escriturísticas, como os poderes de oposição, ou o próprio maligno em pessoa, guerreia com a raça humana incitando e instigando o homem a pecar. E em primeiro lugar no livro do Gênesis, a serpente é descrita como tendo seduzido Eva; segundo a qual, num livro intitulado ‘A Assunção de Moisés’– um pequeno tratado, do qual o Apóstolo Judas faz menção na sua epístola — o arcanjo Miguel, quando disputava com o maligno acerca do corpo de Moisés, disse que a serpente, primeiramente inspirada pelo maligno, era a causa da transgressão de Adão e Eva.”

Estes exemplos nos levam a crer que o apocalipsismo exerceu uma grande influência nas origens do cristianismo que o aperfeiçoou e centralizou tanto na obra messiânica de Jesus de Nazaré quanto em sua promessa de um dia regressar à Terra para buscar a sua Igreja.

E agora, quem tem razão: O “professor” Leandro Oráculo Quadros, ou o Dr. em Teologia e Arqueólogo, Rodrigo Pereira Silva?

Nesse contexto, como reforço e complemento, convém relembrar esta declaração de Ellen G. White sobre os chamados livros “apócrifos”, já mencionada em artigos anteriores:

“Eu vi que os Apócrifos são o livro escondido, e que os sábios destes últimos dias devem entendê-lo. Vi que a Bíblia é o livro padrão, que nos julgará no último dia. Vi que o céu seria barato o suficiente, e que nada era muito caro a sacrificar por Jesus, e que devemos dar tudo para entrar no reino.” — Manuscript 4, 1850, (A copy of E. G. White’s vision which she had at Oswego, N.Y.).

ATENÇÃO, VAMOS CONTINUAR!

Abobrinha número 3: É um livro não inspirado, falso, pseudo-epígrafo, apócrifo, que não faz parte da inspiração.

Abobrinha número 4: Deus atua na mente do profeta para que o profeta escolha, inclusive, citações de outros autores que venham a aclarar a verdade espiritual que Deus quer dar. Exemplo disso é Lucas 1:1-4. Lucas escreveu o Evangelho com base no que ele investigou. Ele investigou pessoas, tomou notas e utilizou isso para compor o seu Evangelho. Deus dá fontes extras para o profeta esclarecer, clarear melhor, certas verdades.

Abobrinha número 5: O livro de Enoque não é inspirado, mas como aquela citação era correta, então Deus inspirou Judas a pegar aquela citação e colocar na sua carta, porque ela continha algo de verdadeiro. Isso não torna o Livro de Enoque inspirado. Apenas demonstra que aquela citação era verdadeira. E portanto, no processo de inspiração, Deus pode perfeitamente orientar o profeta a pegar uma fonte, além daquilo que está na Bíblia, para ilustrar algo desde que esteja obviamente em harmonia com as Escrituras.

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

Além disso, veja também:

Adoradores de Neflins: Ep. 3 – Era Moderna

junta-se @religiaopura no Telegram

Adoradores de Neflins: Ep. 2 – Circus (ou Circo)

junta-se @religiaopura no Telegram

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.