Ciência X Revelação: “Julgamento do Macaco” nos EUA colocou o criacionismo no banco dos réus

“Monkey Trial” sendo noticiado em vários jornais na época

Chegará o momento em que a crença na literalidade do relato da Criação e, consequentemente, da cosmologia bíblica, da qual a guarda do sábado é um memorial, será colocada em xeque. Por isso, desde já, convém que estudemos o que diz a Bíblia sobre esse tema e nos preparemos para defender nossa fé perante as autoridades com coerência.

O julgamento descrito abaixo por autor não adventista e não terraplanista mostra que, se você quiser defender a obrigatoriedade da observância do sétimo dia com base no registro dos dias literais de 24 horas em Gênesis 1, precisa desde agora crer na literalidade de todo o capítulo, incluindo a cosmovisão da terra como plana e coberta por um domo sólido.

A ciência vai descrever fenômenos naturais e formula-los em hipóteses e paradigmas; a religião vai usar a autoridade sagrada para expressar um dogma. A ciência explica de onde viemos e o que somos a partir do uso da razão (logos), lógica e do empirismo do método científico; a religião explica de onde viemos, o que somos e para onde, vamos usando a palavra revelada (aletheia).

O caso do criacionismo como fenômeno sociológico e pseudocientífico revela um problema contemporâneo, o fundamentalismo religioso interferindo nos limites de atuação da ciência e no ambiente acadêmico. Os movimentos fundamentalistas religiosos não são novidades no mundo, e nem exclusivos das religiões abraâmicas.

Muitos deles se expressam não somente tentando barrar ou minar uma informação genuinamente científica, mas também tentam se apropriar de artigos científicos ou florear seus textos com termos científicos tentando tornar palpável uma crença religiosa: tal como ocorre na crença no Design Inteligente da Terra-Jovem ou mesmo no terraplanismo – essencialmente compartilhando características em comum.

O “Monkey Trial” ou Julgamento do Macaco (1925) protagonizado pelo professor John T. Scopes (1900 – 1970) é um exemplo prático onde podemos retirar um aprendizado grande sob a interferência da religião na produção de conhecimento, na qual Stephen Jay Gould chama de Magistérios Não-Interferentes (MNI) e como mitos de criação podem fazer florescer o fanatismo em pessoas.

John Randolph Neal Jr. (esquerda) e John T. Scopes (direita)

Em 1925 o carismático professor de matemática e física John Scopes substituiu um professor de biologia em uma escola no distrito de Dayton, cidade do Tennessee (EUA), gerando um dos casos mais controversos na história do país e que se estende até os dias de hoje.

Isso ocorre porque William Jennings Bryan (1860 – 1925) proporcionou um golpe criacionista no início dos anos 20 ao dedicar-se profundamente em impedir o ensino da biologia evolutiva nas escolas americanas. Ele recorreu a Lei do Tennessee que criminalizava o ensino da biologia evolutiva e o homem como descendente de uma ordem “inferior” de animais.

Bryan foi três vezes candidato presidencial nomeado pelo Partido Democrático, foi Secretário de Estado e orador lendário com ideias políticas liberais e pontos de vistas religiosos conservadores. Ele simplesmente se ofereceu para apoiar a acusação por abraçar uma causa religiosa.

A Lei foi aceita por diversos estados do Sul do país, mas o caminho que o julgamento tornou foi bem interessante. Primeiramente, vale lembrar que Scopes não foi perseguido por fundamentalistas criacionistas, da mesma forma que não chegou a entrar em uma cela.

Clarence Darrow (1857 – 1938) era um conhecido advogado secularista nos EUA respeitado por ter defendido dois adolescentes (Leopold e Loeb) no seu julgamento pelo assassinato de Bobby Franks. Darrow defendeu John Scopes no julgamento; ele se opunha claramente ao defensor fundamentalista cristão William Jennings Bryan. Darrow era conhecido por seguir claramente uma posição agnóstica que marcou-o como um dos mais famosos advogados americanos e defensores dos direitos civis.

O juiz John T. Raulston permitiu que Darrow pusesse Bryan no banco como testemunha da defesa. O julgamento antes de tudo teve um papel fundamental; tornar Dayton uma cidade conhecida por todo os EUA, inclusive inaugurando a primeira transmissão ao vivo por rádio.

O juiz não tinha poder para determinar a constitucionalidade do estatuto e a “American Civil Liberties Union” (União Americana de Liberdades Civis) permitiu então uma condenação menos problemática. Bryan claramente dizia que desejava expulsar o ensino de evolução de sua cidade e o comparava com um ensinamento satânico. O principal discurso que Bryan adotou foi a alegação de que os seres humanos nem mesmo eram mamíferos.

Darrow, em contrapartida, colocou velhas questões éticas sobre a religião cristã: Se Jonas viveu de fato dentro de uma baleia durante três dias? Como poderia Josué aumentar a duração do dia fazendo sol e não a Terra parar? Deus criou a Eva a partir da costela de Adão?  Tais questões obrigou o Bryan a escolher entre suas crenças e a inteligência corrente nos tempos modernos que por vezes parecia quebrar na linha de fogo:

–  Afirma que tudo na Bíblia deve ser interpretado de forma literal?

–  Acredito que tudo na Bíblia deve ser aceito como nos foi dado; parte da Bíblia é apresentada de forma ilustrativa […]

– mas quando lê […] que a baleia engoliu Jonas […] como é que interpreta literalmente isto?

– […] acredito em um Deus capaz de criar uma baleia e capaz de criar um homem e ainda capaz de levar ambos a fazer o que Ele quiser […]

– mas acredita que Ele criou –  que Ele criou uma tal baleia e que era suficientemente grande para engolir Jonas?

– Sim senhor! e até acrescento:  é tão fácil acreditar em um determinado milagre como acreditar em outro qualquer.

– Para mim é […] igualmente difícil.

–  É difícil de acreditar para si, mas fácil para mim […] quando passamos além daquilo que o homem consegue fazer entramos no domínio dos milagres e é tão fácil de acreditar no milagre de Jonas como em qualquer outro milagre da Bíblia”.

Larson, 2012

Essas afirmações atualmente bizarras eram comuns em muitos americanos do século XIX e XX, e estavam de acordo com a fé de milhões de pessoas. Bryan admite como um fato diversos aspectos da interpretação bíblica geralmente aceitos pelos cristãos conservadores do seu tempo mostrando consideração com a astronomia de Copérnico.

Por exemplo, Bryan sugeriu que Deus aumentou a duração do dia perante Josué detendo a Terra; e não só Bryan, mas outros de sua época defendiam que os dias da criação de Gênesis representavam longos períodos de tempos e que o universo tinha milhões de anos, levando Darrow a questionar:

–  Faz alguma ideia de qual seria a duração desses períodos?

–  Não; não faço!

–  Acha que o sol foi feito ao quarto dia?

–  Acho

–  E havia noite e manhã sem haver sol?

–  Apenas estou dizendo que é um período

–  Tiveram noite e manhã durante 4 períodos sem o sol é isso que você tá dizendo?

–  Acredito na criação tal como é narrada aí e se não conseguir explica-la vou apenas aceitar.

Larson, 2012

Darrow em sua estratégia de defesa conseguiu fazer com que Bryan assumisse que a criação do mundo segundo a Bíblia pode ter sido feita em dias cuja o tempo era diferente ao atual e demonstrando que a afirmação do livre-arbítrio de Bryan era baseada em suas crenças pessoais.

Bryan foi admitindo cada vez mais que pura e simplesmente não sabia das respostas e não tinha uma ideia fixa acerca do que aconteceria a terra se fosse parada perante Josué ou da antiguidade da civilização humana e a idade da Terra. Em outro momento do julgamento cita:

–  Alguma vez descobriu onde é que Caim arranjou a sua mulher?

– Não senhor! Deixo aos agnósticos a tarefa de ir em procurá-la” replicou o Brian em tom de desafio.

A multidão o aplaude calorosamente. Então Bryan replicou:

–  O único objetivo do Senhor Darrow é achincalhar a Bíblia, mas eu responderei as suas questões.

–  Oponho-me a sua afirmação! Estou apenas examinando as suas ideias insensatas que nenhum Cristão inteligente acredita.

Larson, 2012

O filme Inherit the Wind da década de 60 reconstituiu este momento do encontro mostrando que Bryan manteve-se fielmente ligado a alegada autoridade bíblica segundo a qual Deus criou o universo em 6 dias, a começar pelo dia 23 de outubro do ano 4004 a.C tal qual defendeu James Ussher 3 séculos antes.

Os jornalistas que deram cobertura ao julgamento começaram a adornar os eventos à medida que se desenrolava o julgamento, onde Scopes transformou-se na vítima de gente ignorante. O discurso era que Tennessee teria banido ensino de evolução humana das escolas públicas em resposta uma cruzada Nacional empreendida por cristãos conservadores.

Scopes foi culpado em sua acusação por ter ensinado evolução, mas não com a legitimidade da Lei que era inconstitucional. O testemunho de especialistas tornava-se irrelevante para o julgamento e por isso nenhum biólogo evolucionista chegou a dar seu depoimento. Entretanto o juiz permitiu que Bryan testemunhasse como especialista e advogado de acusação.

Segundo a Lei do Tennessee exige-se que todas as multas acima de cinqüenta dólares deveriam ser fixadas por um júri. O problema é que nenhum habitante da cidade havia tomado uma multa acima de cinqüenta dólares e este argumento fui utilizado por Darrow para livrar Scopes.

Clarence Darrow

Scopes recebeu propostas para escrever livros e convites para proferir palestras, além de uma bolsa de estudo na universidade de Chicago cinco dias após a vitória e seis após ser sujeito a um bizarro interrogatório no tribunal por parte de Darrow,

Bryan morreu em Dayton, por apoplexia provavelmente causada pelo extenuante julgamento que se desenrolou sobre um calor opressivo. Então a condenação de Scopes foi anulada devido a detalhes técnicos, isso porque a equipe de Darrow e do advogado Dudley Field Malone não conseguiu encontrar alguém no estado com competência o suficiente para desafiar o juiz e garantir o procedimento correto.

Existe a falsa ideia de que o julgamento destruiu Bryan e o sentimento anti-evolucionista. Na época, jornais criaram esta ilusão e mesmo depois que o caso Scopes terminou em uma derrota para Bryan e a sua variante do anti-evolucionista baseado na Bíblia, os estragos na educação em cidades americanas e fanatismo religioso somente ganhou força.

Na realidade as reformulações midiáticas/cinematográficas feitas sobre o julgamento apenas contribuíram reforçando a falsa ideia de que o anti-evolucionismo perdeu, dando um ar de um julgamento baseado em um apelo a tolerância religiosa.

A primeira reformulação da narrativa do caso de Scopes apareceu no best-seller de Frederick Lewis Allen, em uma história chamada Only Yesterday no ano de 1931 destacando que o julgamento desacreditou o Bryan e deteve o movimento anti-evolução – o que é falso, basta olhar para o Centro-Sul dos EUA. Na década de 60 esta mesma ideia foi parte elementar dos manuais de história em The American Pegeant com o autor Thomas A. Bailey que reproduziu a mesma ideia.

Ainda na década de 60 o famoso filme Inherit the Wind cristalizou a falsa visão moderna do caso Scopes e sua suposta vitória. Nesta versão cinematográfica o povo religioso liderado por um pastor fundamentalista fanático prendeu Scopes sobre acusação de falar aos alunos sobre a teoria da evolução. N

o filme, o julgamento é retratado como se fosse virtualmente uma Inquisição Religiosa enquanto Bryan massacrava a namorada inventada do réu e que, curiosamente era a filha bonita do pastor. Esta versão não tem absolutamente qualquer correspondência com a realidade e a nada parecido com o verdadeiro julgamento. No final do filme uma série de fotos sobre o verdadeiro caso Scopes é apresentada dando uma de veracidade e propondo que Bryan foi vencido e o anti-evolucionismo desacreditado.

O fato é que a maioria dos editorialistas dos jornais consideraram julgamento inconclusivo, dizendo que o resultado dele somente intensificaria a controvérsia anti-evolucionista – o que de fato ocorreu. Quando Bryan morreu inesperadamente após o fim do julgamento, foi transformado por milhões de pessoas em uma celebridade, um mártir onde multidões formaram comboios acompanhando o veículo que transportava seu corpo até ser sepultado no cemitério Nacional de Arlington.

Em diversas cidades ao longo do percurso do comboio e finalmente até a capital do país a elite política da América marcou presença no funeral, canções country fizeram parte dos cantos de lamentos e líderes fundamentalistas competiam entre si para prosseguir com a cruzada que Bryan havia criado no ensino contra a Teoria da Evolução.

Diversos distritos de diversos estados e inúmeras escolas responderam ao julgamento e a morte de Bryan impondo suas próprias restrições ao ensino da teoria da evolução especialmente após 1927 – ano em que o Supremo Tribunal do Tennessee confirmou a constitucionalidade da Lei. Meses após o término do julgamento, o jornalista crítico do fundamentalismo religioso Henry Louis Menckel comentou que após sua morte Bryan agora “Tem lugar assegurado na hagiocracia do Tennessee”.

William Jennings Bryan

De fato, antes da morte de Bryan, quando o julgamento estava chegando praticamente ao fim, faltando apenas as aguardadas alegações de encerramento, a sala do segundo dia de julgamento chegou a lotação máxima e foi largamente excedida fazendo com que o juiz deslocar-se a sessão para o lado de fora. Quando a defesa chamou-o Bryan para depor como testemunha a multidão rapidamente aumentou das 500 pessoas que haviam evacuado a sala de audiências para cerca de 3 mil pessoas espalhadas por todo o espaço do lado de fora – o dobro da população distrital.

Uma universidade anti-evolução foi criada em Dayton e deu-se o nome de Bryan. A Universidade prosperou por um longo tempo – o Bryan College suscitou o desenvolvimento da igreja americana e ala conservadora anti-evolucionista protestante. A “ciência criacionista” assegurou a disseminação da luta contra a evolução entre os fundamentalistas e pentecostais.

No limiar do século XIX, diversas sondagens de opiniões indicavam que metade de todos americanos afirmava que Deus criou separadamente os primeiros humanos nos últimos dez mil anos e uma porcentagem ainda maior apoia a inclusão das ideias criacionistas no curso de biologia nas escolas públicas. Após anos decorridos desde o caso Scopes ainda há esforços nos níveis estaduais e locais para limitar o ensino da evolução em escolas públicas americanas deixando claro que o anti-evolucionismo nunca morreu.

O golpe de Bryan foi testar a constitucionalidade da lei em relação ao ensino da evolução na cidade. Então a Lei do Tennessee limitou o conteúdo de cada livro de biologia de acordo com cada estado.

O Pós-Scopes

A primeira edição do principal livro didático do ensino fundamental em biologia, o Modern Biology de 1921 dos autores Moon, Mann e Otto, anterior ao caso Scopes tratava a evolução em diversos capítulos, e a tratava cientificamente como fato. A partir de 1956 o livro tratava da evolução em apenas 18 das 662 páginas e jamais usava a palavra evolução, tornando-a ideia de Darwin uma mera hipótese de desenvolvimento racial. Essa situação permaneceu até 1968 quando ocorreu o segundo caso jurídico envolvendo novamente o criacionismo e sua tentativa de fazer de deus uma ciência.

Ocorreu no Arkansas quando a professora Susan Epperson contestou o ensino com base no estatuto, a Suprema Corte alegou a inconstitucionalidade da Lei e do caso com base na Primeira Emenda Americana.

Como os criacionistas não eram mais capazes de deter o ensino da evolução na escola após o caso Susan Epperson se propuseram como alternativa a evolução, alegaram que o discurso apresentado era de “criacionismo científico”.

Essa foi uma estratégia adotada com a finalidade de burlar a constitucionalidade da Lei americana. Uma alternativa teológica baseada em termos da Bíblia, ou seja, uma revelação bíblica de Gênesis com base em evangelho literal divino. No caso de Arkansas foram consultados 6 especialistas em evolução biológica para discutir ciência, filosofia e história da ciência no interrogatório. Dentre eles estava o paleontólogo Stephen Jay Gould que testemunhou a favor da evolução e centrou sua tese na distorção criacionista dos trabalhos científicos sobre o tempo geológico e as provas das transformações da evolução.

Os especialistas se focaram em demonstrar que a proposta criacionista de igualitarismo de tratamento entre evolução e criacionismo era, na realidade, uma máscara para uma expressão cristã baseada no literalismo do livro de Gênesis identificado como uma doutrina teológica que violava claramente a Primeira Emenda americana.

Em uma tentativa desesperada de defender a proposta do criacionismo foi chamado um cientista do Sri Lanka, Chandra Wickramasinghe que discordava das ideias de Darwin, mas que surpreendentemente esnobou também da proposta criacionista da Terra Jovem. Chandra disse que “a ideia de Darwin era uma bobagem, e quando perguntado a respeito da ideia do criacionismo respondeu “Bobagem pior ainda”.

A ideia de mascarar como “ciência” o deus cristão foi expressa posteriormente no livro “Of Pandas and People” em 1989 em um debate que perdurou, de certa forma, até 2005 no caso Kitzmiller que refutou o termo Design Inteligente com certa facilidade – e que até hoje tem sido alvo de críticas e ridicularização.

O livro em si, foi elaborado criado pela “Fundação Para o Pensamento e a Ética” que é uma entidade cristã americana que se deu somente o trabalho de trocar a palavra “creationism” por “Intelligent Design” em uma edição mal feita que facilitou revelar toda a trama.

Durante o julgamento, defendeu-se que o termo Design Inteligente não era baseado em textos sagrados e que não fazia apelo ao sobrenatural: assim o que se entende por designer poderia ser Deus, alienígenas ou viajantes do futuro manipulando o passado. No entanto, fere princípios básicos do que se entende por ciência. Esse foi o desfecho no caso.

Em 2005, quando Tammy Kitzmiller, mãe de um aluno da escola de Dover decidiu levar o caso à justiça, argumentou-se que o design inteligente era apenas mais uma nova máscara religiosa para o velho e já conhecido discurso criacionista.

Os defensores convocaram, como testemunha, diversos especialistas criacionistas como Michael Behe, bioquímico e autor do famoso livro A Caixa Preta de Darwin na qual claramente expôs concepções nada científicas. Em seu depoimento, Behe, sob juramento, assumiu não haver qualquer artigo científico revisado que suportasse a ideia da existência de um Designer.

Além disso, assumiu que pelo conceito de teoria científica o Design Inteligente se encaixava tal qual a astrologia, e igualmente poderia ser considerada como cientificamente invalido. O juiz concluiu, desta forma, que o ensino do Design Inteligente era inconstitucional e assim, não mais poderia ser ensinado nas escolas uma vez que não apresentou qualquer exemplo na natureza que suporte tal existência.

Os criacionistas, reuniram esforços na difícil tarefa de embasar cientificamente suas afirmações e, para isso, procuram aumentar o número de cristãos cientistas pagando altos prêmios, investindo em pseudo-pesquisas tendenciosas e criando universidades particulares. Mas nem mesmo no país mais cristão do mundo, muitos deles fundamentalistas, o criacionismo é tratado como ciência. De fato, em nenhuma Universidade pública série do mundo considera-se criacionismo/design inteligente como ciência.

Aqui no Brasil o movimento acabou criando associações criacionistas e discussão bíblicas que agora são apresentadas em redes sociais recrutando pessoas a uma causa religiosa como se fosse científica, embora até hoje não haja um artigo científico que suporte a ideia de um designer. Muitas dessas argumentações são embasadas em especulações, em distorções e mentiras com o propósito de difamar a ciência uma vez que algumas de suas propostas não concordam com o dogma. Muitos deles se associam a pseudociência e anti-ciência negando as mudanças climáticas, rejeitando a vacinação e alguns sendo terraplanistas. A maioria dos negadores críticos da Teoria da evolução assim são devido a sua formação religiosa e não pela formação acadêmica.

Fundamentalismo religioso nas escolas e a educação científica no Brasil.

Em meados de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro promoveu uma audiência pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. O debate foi promovido por uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), no qual o órgão defende o ensino religioso sem objetivo doutrinário e sem caráter confessional nestas escolas. Neste mesmo ano havia duas propostas circulando no Congresso Nacional que retirariam a autonomia dos colégios sobre o ensino religioso. Um torna a disciplina obrigatória nas instituições públicas e o outro inclui o criacionismo na grade curricular. Ambos projetos de autoria do pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) – assumidamente criacionista.

No Brasil o ensino religioso é permitido tanto nas escolas particulares e públicas, mas há regras para ser ministrado.

De acordo com a Constituição Brasileira e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o ensino religioso deve ser facultativo, precisa assegurar o respeito à diversidade religiosa e não tentar impor um dogma ou conversão sobre quem tem outra formação religiosa. O artigo 33 da LDB ainda coloca nas mãos das escolas a definição o conteúdo a ser ensinado e a escolha dos professores – o que antes era atribuição do Estado.

LDBE – Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996

Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

– Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

  •  Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

  •  Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

A grande questão é saber se o ensino religioso está de fato atendendo a essas determinações especialmente em escola pública. Recentemente o Mackenzie firmou uma parceria com um grupo de proponentes do design inteligente nos EUA. Por ser uma instituição privada, está no direito deles alterar a grade e promover tal proposta, ainda que cientificamente o conceito não seja justificável. A máxima é válida para a escola adventista ou qualquer outra instituição privada que promova ensino religioso confessional. Mas para ensino público não!

A qualidade do ensino de uma Instituição privada que opta por ensinar uma pseudociência é de responsabilidade inteiramente de seus idealizadores, de tal modo que certamente só irá estudar lá pessoas que compartilham os mesmos princípios religiosos e, no caso, pseudocientíficos.

O ensino religioso é uma área de conhecimento socialmente importante, mas não tem parâmetros curriculares definidos pelo MEC (embora este já tenha se manifestado contra o criacionismo).

A questão então é: se haverá ensino religioso, quem faz esse controle do conteúdo aplicado? Como garantir que um diretor ou professor não priorize mais a religião com a qual simpatiza durante o ensino? Como equilibrar está equação? E por fim: Como garantir que o aluno que optar por não assistir a aula não seja discriminado por tal decisão?

Por esta razão, defende-se que o ensino religioso confessional seja proibido nas escolas públicas de todo o país. O ensino confessional é aquele que defende os princípios e valores de uma religião específica e pode ser ministrado por representantes dessa religião, como um padre, rabino ou pastor visando o proselitismo e a conversão. Já o ensino não-confessional não é ligado a uma religião específica e atua na perspectiva de que as religiões são um fenômeno histórico e cultural de uma sociedade.

Um dos argumentos de quem é contra a obrigatoriedade do ensino religioso é de que a escola deve dar ferramentas para que o aluno construa seus valores éticos e morais, bem como sua crença individual – embora, tecnicamente seria igualmente de grande valor que a família respeitasse o filho sem introduzi-lo em uma doutrina religiosa tão precocemente e deixasse até que ele tenha maturidade para decidir por si só qual credo seguir e construir seus valores morais e éticos.

A PGR defende que a disciplina só deve ser oferecida se o conteúdo for pluralista e possibilite que o aluno conhecer todas as religiões e sua dimensão histórica e filosófica, sem que o professor tome partido ou favoreça qualquer crença, levando em conta o caráter laico do Brasil.

O problema é que a intolerância tem se intensificado no país nos últimos anos. Somente no ano de 2016 foram registradas cerca de 300 denúncias de intolerância religiosa no país — um número 105% maior se comparado com 2015. Adeptos e casas de culto de religiões de matrizes africanas são maioria entre os casos de intolerância religiosa. Destes 300 casos denunciados ao Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos, 26,19% das vítimas eram candomblecistas e 25,79% eram umbandistas.

A educação religiosa no Brasil começou pouco depois da chegada dos portugueses: os primeiros catequistas do país – os jesuítas, que chegaram à colônia em 1549. Depois, no século 19, no Império, o Brasil era oficialmente um Estado católico cuja educação em geral era de inteira responsabilidade da religião oficial do Estado (o catolicismo), que educava as novas gerações de acordo com os dogmas e a moral católica.

Isto ainda fica evidente em todas as Constituições brasileiras desde 1934, representando uma conquista particular da Igreja Católica, que sempre buscou reestabelecer a educação religiosa nas escolas. Como herança, hoje, a maior parte das disciplinas religiosas em colégios públicos é voltada para ensinamentos católicos ou cristãos em geral. Atualmente o protestantismo tem protagonizado os casos de intolerância e se manifestando claramente a favor de proselitismo dentro das aulas de ciência, se munindo de bancadas evangélicas e ultra-conservadoras para instaurar uma forma de “catequizar” a ciência através do criacionismo/design inteligente.

O Brasil ainda tem uma população de maioria católica (64,6% de acordo como Censo do IBGE de 2010), mas as escolas públicas apresentam uma diversidade de pessoas refletida também nos credos. Nos EUA, a educação religiosa não faz parte da grade curricular das escolas públicas e na França, os véus muçulmanos, solidéus judaicos e crucifixos cristãos e qualquer outro símbolo religioso estão proibidos nas escolas e em qualquer espaço público – diferente do que ocorre no Brasil.

A questão é, até que ponto tirar a religião do contexto não desestimula a convivência e tolerância a crenças diferentes? Mediante a tantos casos de intolerância religiosa o que mais se precisa é educar para tolerar, mas o que mais assombra é a incerteza das reais intensões dos educadores: realmente educar para tolerar ou catequizar? Proibir não interfere no direito de expressão individual?

A escola deve ser um espaço de tolerância e convivência, onde os indivíduos possam expressar seus credos de forma livre, dentro e fora da sala de aula. O problema surge quando os fiéis extrapolam o limite de suas crenças e querem impô-las a outras pessoas, sobre a ciência, o livre-pensar e toda e qualquer manifestação que seja passiva de conversão.

Apesar de suas críticas ao design inteligente e ao criacionismo, o biólogo evolucionista Richard Dawkins manifestou-se recentemente em um festival de ciências que ele acredita que a educação religiosa é um assunto fundamental para os alunos. Ele fez a declaração durante uma conversa pública no Cheltenham Science Festival em Gloucestershire, na Inglaterra, em junho de 2017.

Dawkins abordou o tema da educação religiosa depois de ter sido perguntado se as escolas deveriam parar de ensinar o assunto devido a temores de que isso resulte em crianças que aceitam a doutrina religiosa sem questioná-la. Depois de declarar o seu apoio ao tema – pelo menos para fins históricos e culturais – ele advertiu que era “profundamente perverso” e “mal” usar a religião para assustar os filhos dizendo que eles poderiam acabar indo parar no ” fogo do inferno”.

No que diz respeito a divulgação e abordagem pedagógica a biologia evolutiva ele destaca que os cientistas devem parar de usar a frase “teoria da evolução”, em grande parte porque o termo ” teoria ” pode levar as pessoas a pensar que não foi cientificamente comprovado. Ele sugere não chamar a evolução biológica de teoria, e sim de fato científico, uma vez que a palavra “teoria” é claramente incompreendida e muitas vezes mal usada intencionalmente. A evolução é um fato e não há dúvida sobre isso (Live Science, 2017)

Graciela Oliveira, uma aluna orientada pelo professor Nelio Bizzo do Núcleo de Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica (EDEVO-Darwin) da USP publicou uma pesquisa de abrangência nacional analisando a opinião de estudantes de 15 anos em 78 escolas e colégios brasileiros abordando o tema da evolução biológica, e comparou com os alunos de escolas italianas.

Na Itália, onde noções básicas da teoria evolutiva são apresentadas às crianças ainda nos primeiros anos, as visões de mundo religiosas e acadêmicas convivem na mente dos estudantes. Entre os jovens italianos é comum apresentarem maior conhecimento e disposição para explicar os fenômenos naturais a partir da evolução biológica embora persistam com explicações sobrenaturais para a origem do ser humano.

No Brasil, as explicações provenientes do contexto cultural dos estudantes tendem a preencher as lacunas deixadas pelo ensino deficitário em questões básicas de biologia e não só dela. A solução pode estar em aumentar o contato dos jovens com conceitos fundamentais das ciências desde o ensino fundamental e fomentar um aparato crítico. Curiosamente, nos dois países, estudantes evangélicos (ou seja, do setor protestante) tendem a apelar mais a explicações sobrenaturais, principalmente no que diz respeito à origem humana.

Victor Rossetti 

Fonte: https://netnature.wordpress.com/2018/09/12/o-caso-john-scopes-1925-e-seus-desdobramentos/

Referências

  1. Aldo Mellender de Araújo. A convivência dos magistérios-não-interferentes. Episteme, Porto alegre, n. 18, p. 145-148, jan./jun. 2004.
  2. Carlos Roberto Jamil Cury. Ensino religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente (Revista Brasileira de Educação nº 27; 2004).
  3. Edward J. Larson. Mito 20 – O caso Scopes Terminou em Derrota Do Antievolucionismo. Livro: Galileu Na Prisão – e outros mitos sobre ciência e religião. Numbers. R. L. Editora Gradiva. 2012
  4. Glenn Branch & Eugenie D, Scott. Manobras do Criacionismo no Brasil. Scientific American, Fevereiro de 2009.
  5. Lilian Blanck Oliveira, Luiz Alberto Sousa Alves, Sergio Rogerio Azevedo Junqueira. Ensino Religioso no Ensino Fundamental, (Cortez Editora)
  6. Stephen Jay Gould. Pilares do Tempo. Ed. Rocco. Rio de Janeiro 2002.

Sobre Max Rangel

Servo do Eterno, Casado, Pai de 2 filhas, Analista de Sistemas, Fundador e Colunista do site www.religiaopura.com.br.

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